29 de fevereiro de 2008

ALDEIA GLOBAL XVII - Herbert de Souza (Betinho) e o preconceito contra a maturidade

A profissão de jornalista traz privilégios, alguns dos quais aprecio muito, como o de criar oportunidades para que se possa conhecer pessoas a quem admiramos. Quase sempre meus trabalhos permitiram que eu criasse as minhas próprias pautas, e assim consegui privar, mesmo que pelo curto tempo de uma entrevista, com alguns ídolos (enorme concessão, porque não sou pessoa de cultivar idolatrias). É o caso de Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo e cidadão que, por tudo o que fez pelo Brasil, merece um reconhecimento muito maior do que atualmente recebe.

Estou certa de que o amigo leitor sabe sobre quem escrevo, mas para quem desconhece, lá vai uma síntese: superando a condição de aidético, tendo contraído a doença em conseqüência da hemofilia, criou e dirigiu o IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, através do qual lançou o primeiro grande movimento social em favor dos menos favorecidos, que foi a Campanha da Cidadania. Campanha essa que mobilizou a sociedade brasileira num movimento solidário de doações que atravessou todo o país, e que teve desdobramentos tais como o Natal sem Fome.

Conheci Betinho no primeiro sábado de novembro de 95, em sua casa em Itatiaia, justamente no dia em que completava 60 anos. Ele era um sobrevivente à freqüentes crises e internações, mas persistia no trabalho, até além do que a saúde permitia: extremamente franzino, pesava então 47 quilos para os seus 1,70 de altura. Mas perto dele não nos ocorria falar de doenças... ele emanava pura energia, e tinha assuntos muito mais importantes (segundo ele mesmo) para tratar e sobre os quais falar.

Posso transcrever com fidelidade suas palavras, porque a entrevista foi publicada na edição 5 da Revista Regional, daquele mesmo mês. Sobre ele mesmo, comentou que “se houvesse um Guiness, o livro dos recordes, sobre hemofílicos, já estaria nele. São poucos os aidéticos que chegam aos 60 anos”. E sobre seus sonhos: “Gostaria de ver a passagem do século, de chegar ao ano 2000. Basta eu viver mis cinco anos, até os 65”. (sonho esse que, infelizmente, não concretizou).

Ele só olhava para a frente, só pensava no futuro: “Este ano nosso trabalho (na Campanha da Cidadania) se concentrou prioritariamente nos jovens, pela urgência de se encontrar soluções nessa área, mas precisamos pensar que o Brasil é um país que está envelhecendo, e o idoso também está exigindo uma atenção especial”. Mas ele se preocupava muito também com a faixa intermediária, da sua própria faixa etária: “Entre os 50 e os 60, 65 anos, o cidadão está em plena capacidade profissional. Não é justo que seja colocado de lado. E um momento de reconhecer seu próprio valor e lugar pelo seu espaço”, disse ele, destacando o indiscutível preconceito que ronda a maturidade.

Para efeitos legais, o cidadão só é idoso à partir dos 65 anos. Mas vá alguém concorrer a qualquer tipo de emprego, depois dos 48, por exemplo... e assim descobrir que toda a sua experiência, toda a sua capacitação profissional, toda a sua perfeita saúde física e mental podem não servir de muita coisa. Mesmo considerando o aumento da expectativa de vida, no Brasil e no mundo, e a melhora na qualidade de sobrevida, o cidadão maduro acaba classificado, arbitrariamente, como um idoso.

Não pretendo escrever um tratado sobre assunto (não só porque não o domino tanto, quanto porque não cabe nesse espaço), mas ele me mobiliza porque estou em minha plena maturidade, assim como a maioria dos meus amigos. Somos incentivados a voltar a estudar, a reciclar nossos conhecimentos, a adotar novas profissões, mas para onde quer que nos viremos na hora de encontrar trabalho, estaremos na maioria dos casos, em situação de inferioridade.

É difícil enfrentar o mercado de trabalho competindo com os mais jovens... e afinal, eles precisam muito de seus empregos. E não existem fórmulas mágicas para encarar essa situação. Vivemos numa época do “cada um por si”, e já não existe nem ao menos o consolo do “Deus por todos”. Pouco nos resta senão transformar, como o Betinho, nossa força em energia, e apelar para a criatividade.

Célia Borges

25 de fevereiro de 2008

O MISTÉRIO E A LENDA DO TIMBURIBÁ

O Timburibá é uma importante referência para quem lê e estuda a história de Resende, porque essa árvore é considerada o símbolo da cidade. Entretanto, dela só temos notícia através da Lenda do Timburibá, página marcante do folclore regional. Do ponto de vista botânico e paisagístico, o Timburibá converteu-se num grande mistério. Depois de quase dois anos de persistente pesquisa, tudo o que me resta é uma pergunta: será que alguém, além da lenda, pode me dar notícias de onde encontro um Timburibá?

O Timburibá ou Timburi: Enterolobium Contortisiliquum

A lenda é de amplo conhecimento. A minha curiosidade sobre o assunto foi despertada por Kátia Quirino, que numa conversa sobre botânica e paisagismo, pediu minha ajuda a respeito. Saí em campo, porque gosto desse tipo de desafio... mas estaria perdida até hoje se não fosse uma dica de outra amiga, e colega do curso de paisagismo, Patrícia Paraguassu, que localizou uma pista através da Fundação Plantarum, que reúne interessantes estudos e publicações sobre o assunto.
Seguindo essa pista, o Timburibá é a mesma árvore classificada sob o ponto de vista botânico como Tiburi. A descrição da planta, que acabei encontrando num volume da enciclopédia 2200 Plantas e Flores (volume 1, pág. 34) sob o nome científico de Enterolobium contortisiliquum, corresponde às características folclóricas, como uma árvore de copa ampla e frondosa, que proporciona ótima sombra e, segundo eles, costuma ser cultivada em parques, atingindo até 35 metros de altura.
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Será que alguém, além da lenda, pode me dar
notícia de onde encontro um Timburibá?
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Do ponto de vista histórico, fui consultar primeiro a professora Alda Bernardes de Faria e Silva, presidente da Academia Itatiaiense de História, e que é a minha fonte prioritária quando se trata de história da região. Segundo ela, haveria ainda um exemplar no Alto dos Passos, nas proximidades do cemitério. Mas meus conhecimentos de botânica são insuficientes para reconhecer à olho nu, uma espécie aparentemente tão rara. Bem que eu pedi ajuda aos meus guias históricos da cidade, como o mestre Claudionor Rosa, para empreender uma espécie de caça ao Timburibá tido como remanescente, mas sem sucesso...
Em seqüência dessa pesquisa, acabei localizando um texto do Cel. Cláudio Moreira Bento, outro incansável pesquisador da nossa história, segundo quem Timburibá era o nome que os índios Puris davam à região onde se encontra Resende, por avistarem à longa distância a árvore desse nome, situada (novamente) no Alto dos Passos. Mas segundo ele, “a árvore serviu por longos anos como atração turística local, e reuniu em torno dela resendenses em festas familiares domingueiras, até tombar com o peso dos anos, para grande tristeza das primeiras gerações de resendenses”.
Lido assim, parece que o Timburibá se extinguiu? E é mesmo uma figura rara nos estudos botânicos, o que parece confirmar essa tese. Mas é difícil crer que não existissem outros timburibás na região... ou que a árvore não tenha existido em outros lugares. Em São Paulo, capital, existe uma rua Timburibá. No Paraná existe um município chamado Timburi. Encontrei referências botânicas contraditórias, pois parecem se referir à outra planta.
O caso é que eu não sou de desistir fácil, e esse trabalho de detetive botânica é, sem dúvida, desafiante. Será que não existe mais nem um Timburibá que se possa localizar? Vou continuar procurando. Conto com a ajuda dos amigos, leitores e demais apaixonados pela natureza como eu... porque não acho justo se perder um símbolo histórico como esse, apenas por falta de interesse.
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Quem tiver notícias de um Timburibá, mande pra mim, por favor (clique em "comentários" aí em baixo)... Quem não conhece a lenda e ficar curioso, é fácil encontrá-la pela internet, assim como em diversos livros históricos da região. Em último caso, mande recado com endereço, que terei o maior prazer em enviar.
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Saudações histórico-botânicas

Célia Borges

23 de fevereiro de 2008

XVI - O governo virou um Robin Hood às avessas...

A notícia de que o Brasil já dispõe de reservas suficientes para o pagamento de toda a dívida externa não chegou a ser surpresa para quem acompanha o noticiário e vê a atuação do Banco Central no mercado de câmbio, intervindo frequentemente nos últimos anos, através de uma exagerada compra de dólares. O fato chega alardeado como se fosse uma grande façanha do nosso governo. Não sei se os amigos leitores tem alguma dúvida, mas eu, por exemplo, estou certa de que sei quem está pagando essa conta: nós mesmos.

A festa em torno desse fato só vem confirmar que vivemos no “paraíso do marketing”. Estamos sendo sistematicamente torpedeados por notícias positivas e otimistas tais como de que foi descoberto poço gigante de petróleo em Santos, de que o governo tem maioria da aceitação pública, que aumentou o emprego com carteira assinada, que o desemprego diminuiu, de que onze milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza...a produção de bens aumentou, assim como o consumo.

Enfim, do ponto de vista do governo, vivemos no melhor dos mundos. Diante de tudo isso, às vezes fico me perguntando se estou vivendo na dimensão errada. Ou então, de que, por algum motivo, só eu vivo à margem desse país maravilhoso. Perdi o bonde da história. Entrei na nave espacial errada...sei lá! Todo esse otimismo está tão na contramão do que vejo e do que vivo, que fico perguntando se não é melhor eu arrumar a minha malinha (porque odeio mochilas) e me mudar pra Quatis (pra quem não conhece a região, é onde funciona o Pinel daqui).

Onze milhões de pessoas acima da linha de pobreza seria um feito considerável, se realmente pudéssemos comprovar isso. Mas cada vez que eu tenho que ir à capital – cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro – fico arranjando desculpas para adiar, porque não agüento ver tanta miséria, tanto perigo, tanta violência. São ambulantes em abundancia por todos os lados, inclusive dentro dos ônibus; camelôs tomando as ruas principais – e atualmente até as secundárias. São os malabaristas (isso com sorte, porque também podem ser os assaltantes) nos sinais de trânsito. São os mendigos, pedintes e menores abandonados pelas calçadas. Balas perdidas, sustos e corre-corre. Não dá nem pra pensar em ir matar saudades das praias, das quais eu gostava tanto...tenho medo!!!

Ir à uma favela visitar um amigo (eu sou o tipo de pessoa que pode ter amigos em qualquer lugar, inclusive numa favela) nem pensar...pode ser suicídio. No máximo me arrisco a ir visitar familiares na zona sul, e ainda sim não me sinto livre de riscos. Minha sobrinha foi assaltada ao meio dia, em plena Rua Jardim Botânico. Os familiares da zona norte, agora, só sabem de mim por telefone. Não pensem que sou uma pessoa covarde, eu me considero até bastante corajosa. Só que sobreviver à uma ida ao Rio, hoje em dia, não é questão de coragem, mas de sorte.

Bolsa-família e outros programas podem até estar funcionando em alguns lugares do país, como o nordeste, com seu povo tão necessitado. Mas é surpreendente que não tenha chegado nenhum recurso ao Rio de Janeiro, capital turística e cultural do país, cartão de visitas do Brasil. E eu, humildemente, só posso avaliar o que sinto e o que vejo. Inclusive aqui na minha cidade, de médio porte. Não vemos muitos pedintes na rua (há os de sempre) mas basta ir aos bairros mais afastados e às diversas áreas de invasão – e aliás, existem muitas – para se ver o que é a miséria ao lado da nossa porta.

Ter recursos para pagar toda a dívida externa pode ser um grande feito para fins de manchetes de jornal, mas é um dado assustador na medida em que nos dá a dimensão de quanto estamos sendo espoliados. Desde meus tempos de faculdade, lá pelo início dos anos 70, eu estudo, pesquiso, analiso, e tento entender e interpretar o meu país. Sou contemporânea das primeiras imagens do planeta via satélite, e naquela época aprendi que sob o solo do nordeste está situado o maior lençol d’água do mundo.

Se a Petrobrás faz prospecção de petróleo em águas tão profundas, nunca entendi porque toda essa tecnologia não foi usada ainda em busca de água para quem precisa. Porque se privilegiam projetos megalomaníacos, como a transposição das águas do Rio São Francisco, ou então essa última, do Mangabeira Unger, querendo levar água da região norte para o nordeste... Sempre tive noção e consciência de que somos um país rico, sempre tive certeza de que, com seriedade e boa administração, poderíamos chegar à ser uma grande potencia, e minha ambição não é do ponto de vista econômico, mas em termos de educação, saúde e aceitável qualidade de vida até para o mais pobre dos seus cidadãos. Uma Suíça tropical, digamos assim...

O sucesso anunciado agora, com tanto estardalhaço, desvenda o preço que estamos pagando, no mínimo, por um desvio de prioridades. Enquanto temos recursos para arcar com a dívida externa, a nossa dívida interna chega a 65% do PIB. O trabalhador, que dá nome ao partido que sustenta esse governo, é quem está pagando a dívida externa. Estamos arcando com o ônus de uma carga tributária monumental, de taxas de juros praticados pelos bancos que fariam vergonha ao pior dos agiotas, de péssimos serviços públicos, educação e saúde em plena decadência. Segurança zero em todos os sentidos. Eu gostaria que alguém me desse apenas um único motivo que fosse para comemorar esse “sucesso econômico”.

Bolsa-família e outros projetos populistas – e é bom atentar também para as medidas que dividem a população por raça, orientação sexual e etc..., para facilitar a manipulação – não vão resolver nossos verdadeiros problemas econômicos e sociais. O pouco caso com que vem sendo tratado o pagamento da dívida interna mostra que o governo está tirando do trabalhador para satisfazer ao famigerado “mercado”. Tirando do pobre para atender às exigências do rico. Um custo que não incorre apenas em moeda corrente, mas em vidas perdidas, em sonhos desfeitos, nas esperanças e nas oportunidades de toda uma população.

No melhor dos mundos em que vivemos, acaba de faltar luz na minha casa. Começou a chover, e como sempre...adeus energia!!! Chove lá fora, e aqui dentro está tudo escuro... acho que vou tomar um banho de chuva para esfriar a cabeça...

Célia Borges

22 de fevereiro de 2008

XV - Estudar pra quê? Trabalhar pra quê?

Quem tem filhos em idade escolar, atualmente, além das preocupações com a violência que atinge a juventude e a adolescência, deve ter lá suas dificuldades para convence-los de que ainda vale à pena estudar, e pensar em ter uma profissão no futuro. Já foi comum, quando nós, os pais e avós de agora eramos crianças, que tivéssemos na ponta da língua uma resposta para a tradicional pergunta: “o que você quer ser quando crescer?” Queríamos ser professores, médicos, engenheiros, sonhávamos com um futuro que nos daria emprego garantido, prestígio e segurança.

As gerações dos que nasceram à partir da década de 70, já encontraram o mundo muito diferente, e com suas motivações peculiares. O sucesso deixou de significar o magistério, a medicina ou outra formação de nível superior, na medida em que os ídolos de maior prestigio passaram a ser os jogadores de futebol, automobilistas, atores e atrizes, as modelos. E afinal, é um traço inerente à natureza humana o querermos refletir aquilo que admiramos. Ou que somos levados à admirar, por força da comunicação.

Mesmo assim, ainda sobreviveu por muito tempo a motivação para o estudo, e pudemos ver, acompanhando o crescimento da população, o aumento do número de escolas e universidades, a diversificação de cursos e áreas de interesse, especialmente em conseqüência do desenvolvimento tecnológico. E a escolha de uma profissão pode até ter ganho em qualidade, na medida em que o estudante passou a ser livre das pressões familiares, tendo mais espaço para realizar as suas vocações.

Os exemplos de sucesso, entretanto, continuam a ser um elemento de forte influência do ponto de vista da motivação dos jovens com relação ao futuro, e isso se acentua entre a população mais pobre, e com pouco acesso à informações sobre outras possibilidades que não as mais óbvias. Por isso é que, entre esses jovens, é maior o número daqueles que querem ser jogadores de futebol, na perspectiva de um sucesso rápido e fácil, e que não exige estudo. É maior o número daquelas que querem ser modelos, atrizes, dançarinas, pelo mesmo motivo. Ou queriam...porque a maior atração para aqueles que não querem estudar, atualmente, mas sonham em “se dar bem” sem grande esforço, é entrar para a política.

Já vai longe o tempo em que a maioria das nossas autoridades do legislativo e do executivo tinham boa educação e alguma escolaridade, inclusive como pré-condição para o pleno exercício de seus mandatos. Hoje, o que se vê, especialmente entre os vereadores, primeiro passo na carreira política, é um predomínio de analfabetos, semi-analfabetos, analfabetos funcionais, ou então gente que parece que simplesmente fugiu da escola no meio do caminho. Eles são os preferidos do eleitor, que parece também querer se ver refletido no poder.

A eleição de um semi-analfabeto para a presidência da República, está longe de ser o auge dessa tendência, mas é um decisivo elemento motivador para justificar uma classe política com cada vez menos escolaridade – já que educação, quer dizer, a boa educação, parece ser um valor em extinção em todas as classes e camadas da população.

A política, hoje não é produto de idealismos, mas de ambições pessoais, uma garantia de sucesso, prestígio e prosperidade, sem ser preciso dispender grandes esforços. O cidadão com mais escolaridade e educação, com fama de honesto, com propostas sérias, dificilmente consegue bons resultados nas eleições municipais. E quando se elege, e não se rende aos hábitos da maioria, provavelmente não será reeleito. O que o político típico de hoje quer é prestígio, pouco trabalho e muito dinheiro (mesmo quando o salário é pequeno, há sempre muito o que se explorar no cargo).

Assim como os estudos, o trabalho também não vem sendo muito privilegiado nos nossos dias. As faixas de população que mais trabalham, mais produzem, mais pagam impostos, são exatamente aquelas que vêm sendo cada vez mais penalizadas pela política, seja econômica, seja social. Paga-se cada vez mais por tudo, e ainda se leva a fama de ter as culpas por todos os problemas do país.

Razão tem aqueles que não trabalham...não só porque não conseguem emprego, mas porque podem viver de “bolsa-família”, “bolsa-escola”, bolsa isso, bolsa aquilo. Na nossa distribuição de riquezas, o trabalhador vem pagando pra sustentar quem não faz nada (não por culpa sua, mas por culpa de uma política que privilegia a ociosidade, não investe em frentes de trabalho e na criação de empregos, o que aliás, era a grande proposta desse governo).

Nem mesmo a aposentadoria, que era o prêmio para quem trabalhou toda uma vida, é hoje garantia de nada. Com a desculpa de evitar colapso na Previdência, deu-se o calote no aposentado, que hoje, para manter uma condição de sobrevivência razoável, está tendo que voltar a trabalhar. E os rombos, os desvios, a má administração continuam iguais, não tendo melhorado em nada essa Conta Previdência. Enquanto isso os vereadores podem se aposentar depois de dois mandatos (oito anos), o cidadão comum tem que chegar à idade avançada, ainda que tenha começado a trabalhar na adolescência. Sem falar em certas autoridades, que acumulam diversas aposentadorias.

Se tivesse filhos nessa faixa de idade, é claro que eu ainda iria insistir para que estudassem o máximo, para que se educassem. Mas provavelmente se algum deles preferisse a ociosidade, a informalidade ou a política, eu não teria muito o que argumentar. Porque estudar ou trabalhar nos dão cada vez menores garantias para o futuro.

Célia Borges

18 de fevereiro de 2008

XIV - A Justiça é um serviço caro, pelo qual poucos podem pagar

Está escrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como na Constituição Brasileira, que todos somos iguais perante a lei. Não sou sonhadora ao ponto de acreditar que esse conceito é levado ao pé da letra em algum lugar desse nosso planeta. Mas sou bem informada o bastante para saber que em muitos países, essa é a regra, e que os eventuais deslizes são exceções. Nos paises do chamado “primeiro mundo”, pode-se observar que há a consciência, tanto das autoridades quanto da população, de que a existência de um Poder Judiciário isento e confiável é a garantia de ordem, liberdade e justiça social.

No Brasil de hoje, entretanto, acho que não é exagero afirmar que vivemos na contramão desse conceito. Reconheço que esse HOJE não começou agora: o fato é que nos habituamos, depois de décadas de autoritarismo, corrupção, oligarquias e dinastias políticas, desmantelamento do sistema de ensino e outras mazelas, a acreditar que o nosso Judiciário, simplesmente, não funciona. E a nos conformar com isso.

Há décadas os tribunais estão abarrotados de processos. Há décadas que o número de juizes é considerado insuficiente pra dar conta de tanto trabalho. Há décadas que se cria dificuldades para vender facilidades (o que não acontece só no Judiciário). Há muito tempo também que a impunidade garantida por essa situação – que já passou de caótica – vem sendo incentivo para a delinquência, a corrupção e a desonestidade generalizada, principalmente entre os que se alçam à qualquer nível poder.

Só o que vem piorando é que, se antes (num passado nem tão distante assim) as “falcatruas” eram feitas discretamente, hoje elas se realizam com descaramento e arrogância. E os criminosos – porque roubo, corrupção, abuso de autoridade, ainda continuam a ser crimes, até disposição em contrário – nós olham pelas telas da TV e nas fotos de jornal, com aquele ar de deboche e de pouco caso, de quem está seguro que tudo aquilo de que são acusados “não vai dar em nada”.

Enquanto as prisões estão abarrotadas dos “pés de chinelo” que não tem como pagar um bom advogado – e muitos estão lá com as penas já cumpridas, ou até mesmo sendo óbviamente inocentes – os piores criminosos continuam do lado de fora, pagando pelo melhor da elite dos causídicos, comprando sentenças e consciências, e rindo da nossa cara, como quem diz: “Vocês só estão reclamando porque não tiveram a oportunidade de roubar também...”

O caos no nosso sistema judiciário é um componente com grande peso no chamado “Risco Brasil”, porque empresas e investidores estrangeiros sabem que têm que calcular nos seus custos as verbas da corrupção. Nessa salada de informações onde se confunde governo com país, somos – não sei até que ponto injustamente – identificados ou confundidos internacionalmente como um povo desonesto, oportunista e amoral. Somos o país para o qual, segundo os filmes norte-americanos, seus bandidos fogem, na expectativa de nunca serem apanhados.

Mas por quê será que o nosso Judiciário virou essa bagunça? A quem interessa o desmantelamento e a falta de credibilidade da Justiça? Acredito que a principal responsabilidade seja dos próprios juizes. Se o Judiciário fosse composto, predominantemente, de pessoas sérias, os próprios juizes deveriam se envergonhar de colecionar tantos privilégios. Na medida em que se garantem direitos que são negados aos demais cidadãos eles se fecham numa elite, cujos interesses estão cada vez mais distanciados e dissociados do interesse da população em geral. Passam a ver os problemas e as pessoas sob uma ótica arbitrária, onde a idéia do que é interesse público e interesse pessoal passam a ser confundidas, do ponto de vista das prioridades.

Eu me pergunto, por exemplo, porque juizes podem ter períodos de férias e recessos lhes dando tantos dias sem trabalhar? Não será por isso que os tribunais ficam abarrotados? Os tribunais e os juizes contam com farta assessoria...por que elas não lhes facilitam o trabalho, agilizando a solução de processos? Talvez porque a maioria desses funcionários sejam parentes e apadrinhados sem qualquer competência para as tarefas que deveriam executar...Por quê juizes e desembargadores podem “engavetar” um processo durante anos, sem que ninguém lhes cobre produtividade e agilidade? Por que as autoridades do Judiciário se encastelam na ilusão de ótica e na vaidade, achando que são cidadãos acima da própria lei, podendo fazer o que mais lhes convier, em detrimento dos direitos e interesses da maioria dos cidadãos.

Se não fosse assim, por que é que processos envolvendo autoridades e pessoas famosas (quando é do interesse delas), podem ter solução em poucos meses, enquanto o cidadão comum tem que esperar 10, 15, 20 anos por um julgamento? Por que é que notórios traficantes, criminosos do colarinho branco e outros privilegiados conseguem “habeas-corpus” e são libertados com tanta facilidade, enquanto inocentes apodrecem atrás das grades? Por que é que governos municipais, estaduais e federais deixam de cumprir sentenças, atrasam em décadas o pagamento de suas dívidas, e o Judiciário sequer se manifesta em defesa da própria autoridade?

A corrente de impunidade que nos assola é produto da cumplicidade entre os três poderes, onde pessoas que deveriam estar representando a população se preocupam apenas em garantir seus próprios (e cada vez maiores) privilégios, a prosperidade de seus familiares e a permanência, tanto quanto, possível no poder. Confiantes na ignorância e na pouca escolaridade da maior parte dos cidadãos, e na nossa omissão diante da impunidade, eles parecem acreditar que “vão se dar bem” para sempre...

Eu não vou sair por aí dando tiros em juizes, mas também não vou ser covarde e me curvar ou calar diante da INJUSTIÇA que nos assola. Sou cidadã consciente, e quero dizer, alto e bom som, que não concordo nem aceito esse nosso sistema judiciário como ele se apresenta. Juizes não deveriam ser indicados por governos, mas eleitos por cidadãos, levando em conta sua competência. Sentenças deveriam ser sempre disponíveis para o conhecimento público. Réus em processos não deveriam ter direito a serem candidatos a cargos eletivos, nem do Executivo, nem do Legislativo. Juizes condenados por corrupção não deveriam ser aposentados com todos os direitos, mas afastados sumariamente sem qualquer remuneração.

É longa a lista de providencias para deter a impunidade, mas é urgente que se acabe com essa balela de “fórum privilegiado” pra qualquer tipo de pessoa, seja autoridade, tenha diploma de curso superior ou qualquer outra desculpa esfarrapada. Criminoso é criminoso, e ponto final. Que todos cumpram suas sentenças no sistema penitenciário disponível (e se isso acontecer, até as condições de sobrevivência nas cadeias é capaz de melhorar).

Estamos sendo, há muito tempo, omissos e tolerantes, até quando a INJUSTIÇA e a IMPUNIDADE não baterem à nossa porta. Mas não custa acordar mais cedo, antes que isso aconteça. No mínimo, se você não tiver dinheiro bastante para pagar um bom advogado, quando menos esperar pode se transformar de reclamante em réu. Não dá pra continuar dormindo com a ilusão de que somos todos iguais perante a lei. Porque isso, simplesmente, não é verdade.

Célia Borges

17 de fevereiro de 2008

XIII - Gosto não se discute...mas às vezes mata!!!

Gosto não se discute, já dizia a minha avó. Mas, desde que ela me disse isso, muito tempo já passou, e muita coisa já mudou nessa nossa aldeia global. Gosto não se discute, porque como se dizia, o que seria do azul se todos gostassem do amarelo...A afinidade de gostos pode aproximar as pessoas, fundamentar boas amizades, tanto quanto a diferença de gostos pode separa-las. Num mundo civilizado, seria o caso de “apenas” se discutir as diferenças, porque a discussão faz parte do aprendizado, do intercâmbio, da evolução do pensamento e do engenho humanos. Mas nesse nosso mundo caótico, e aparentemente enlouquecido, diferenças de gosto podem ser fatais.

Acho que se procurasse bem, encontraria muitos exemplos pra ilustrar esse comentário, mas ele é resultado de apenas um episódio, que li numa notícia de jornal: um cidadão, enfurecido com a altura do som e a qualidade da música (funk) tocada no carro de outro cidadão estacionado diante de sua loja, depois de tentativas de negociação e reclamações, apelou para a violência, abatendo o outro a tiros. Uma solução radical, tão ao gosto dos nossos dias...

Fico imaginando no que resultaria uma pesquisa de opinião sobre o fato, para se julgar quem dos dois tinha razão, se a vítima da tortura mental causada pelo som insuportável em altura e conteúdo, ou se a vítima dos tiros, afinal, vítima da sua própria falta de educação. Eu sou contra a violência sob qualquer pretexto, acredito que uma forma de violência não justifica a outra. Mas não posso deixar de reconhecer que houve uma violência causando outra.

Um colunista que comentou o fato, atribuiu parte da responsabilidade à tecnologia, sob o argumento de que “há algumas décadas, ninguém teria como infernizar a vida do outro” com um som invasivo e perturbador. Não dá pra negar que a tecnologia nos dotou de novas armas e recursos, que tanto podem ser usadas pra construir quanto pra destruir (quero evitar aquela história do bem e do mal, porque até isso, hoje em dia, é muito relativo). Como os computadores. Como os telefones celulares. Como os aparelhos de som cada vez mais potentes...

É muito provável que cada um de nós, alguma vez, já tenha sido vítima do mau uso de alguma tecnologia – pra não falar do puro e simples mau comportamento humano – sem nem por isso pensar em matar alguém. É licito imaginar que primeiro chamaríamos a polícia. Na falta de solução, apelaríamos para a Justiça. No máximo, “sairíamos no tapa” com o nosso detrator.

Mas o mundo real não vem funcionando exatamente assim, e o normal é que todas as instâncias citadas acima não dêem resultado. O trabalhador que paga seus impostos, que se esforça por ser um cidadão à altura das exigências sociais, pode se cansar de ser desrespeitado, em níveis municipais, estaduais e federais., E principalmente pessoais. E vai explodir suas frustrações e revolta em cima de quem está mais à mão. O outro cidadão ferrado, e mais mau educado, que explode sua revolta pondo o som aos berros no seu carro, pra todo mundo ver que “eu estou aqui”.

O gosto, ou a diferença de gostos, não é motivo pra tanta violência, mas pode ser um bom pretexto. O motivo pra violência, nesse e em tantos outros casos, é mais a falta de educação, a falta de cultura, de auto-estima, de consciência de cidadania – e acho que tudo isso faz parte da mesma “dieta saudável” que anda faltando no cardápio da maioria da população. Se um cidadão bem educado gosta de funk, ele vai ouvir sua música sem incomodar os vizinhos. Ele pode gostar do que quiser, mas não vai precisar transformar o seu gosto numa arma. Me pergunto se alguém já terá levado uns tabefes por conta de ouvir Bach, Beethoven, Mozart, Vivaldi, em alto e bom som...

Aceito que, na Aldeia Global, não será mais politicamente correto falar em bom gosto ou mau gosto. Cada um tem o direito de ter o gosto que quiser...Tive um amigo de colégio, muito espirituoso, que costumava dizer que “pra quem gosta de jiló, morcego é beija-flor”. A indústria e o comércio estão aí pra oferecer todas as possibilidades em matéria de equipamentos e generos musicais. Mas será que quem nunca teve acesso a outras possibilidades, terá alternativa senão gostar de funk? Quem nunca teve boa escola tem outra alternativa a não ser a de ser um analfabeto funcional? Quem nunca assistiu uma peça de teatro, nunca teve acesso ou foi influenciado a ler um bom livro, quem nunca viu outros programas de TV que não a pobreza cultural que 90% da programação oferece? Qual é a opção dessa pessoa? O que se pode esperar dela?

Mesmo correndo o risco de nadar contra a corrente, de não ser politicamente correta, me dou ao luxo de ainda viver de acordo com padrões de bem e mal, de bom e ruim. Se não vejamos: a violência é boa pra alguém? a ignorância é boa pra alguém? a grosseria? o desrespeito aos limites entre o seu direito e o do outro? a injustiça? a ganância dos poderosos? crianças abandonadas? Por mais tolerantes que tenhamos nos tornado, é uma irresponsabilidade não termos critérios. É assustador que estejamos perdendo a noção do que é licito, normal, aceitável, do que não é.

Me chamaram recentemente de tirana cultural – eu preferiria déspota cultural, porque me lembra os Déspotas Esclarecidos, e me consola do despotismo da ignorância sob o qual vivemos – porque impliquei com o tal de BBB. Prefiro ler um livro, por pior que seja (e aí eu tenho a opção de deixar de lado) do que perder meu tempo com esse tipo de programa. Sou tirana porque entre Beethoven e Frank Sinatra, eu fico com os dois, mas entre um deles e a Xuxa, não dá nem pra pensar, né...Sou tirana cultural porque acho que as escolas tinham o dever de ser melhores, e oferecerem a quem estuda, melhores oportunidades (ante a opção por exemplo, de ser uma grávida adolescente, a quem chamam de “cachorra”).

Em matéria de música, prefiro quase qualquer coisa do que funk – e afinal, temos tantas opções...Em matéria de vida, prefiro não agredir ninguém, seja com um som alto, com palavras ásperas, e menos ainda com uma bala de revólver (será que isso ainda existe?). Mas sigo exercendo meu despotismo cultural, porque preciso acreditar que as pessoas não precisam matar ou morrer, apenas porque gostam de coisas diferentes.

Célia Borges

16 de fevereiro de 2008

XII - Preconceito Racial e outros preconceitos

O crescimento, observado nos últimos anos, de ações protecionistas a favor de determinados grupos étnicos e categorias sociais na política brasileira, vêm gerando mais distorções do que resultados positivos. Um exemplo disso é a política de cotas para ingresso no ensino superior, baseada em critérios subjetivos que, por isso mesmo, não encontram comprovação de ordem prática. Um caso gritante foi o dos irmãos gêmeos, sendo um deles aceito e outro recusado no tal “processo seletivo”, que se baseia apenas na opinião pessoal de alguns burocratas, sobre quem seja ou não afro-descendente.

Se a política de cotas fosse mesmo uma atitude séria, ela teria que se basear em exames genéticos. Mas se houvesse exame genético, a própria política de cotas perderia sua razão de ser. Porque todos nós estamos cansados de saber que a população brasileira é rica, bela, maravilhosamente miscigenada. É isso que nos caracteriza diante do resto do mundo, é o que nos faz diferentes de outras populações. É o que sempre representou pra mim motivo de orgulho do meu país.

Como aluna de escolas públicas até o segundo grau, me acostumei desde cedo a conviver com pessoas das mais variadas origens étnicas, e “noves fora” as brincadeiras infanto-juvenis e o hábito do brasileiro de por apelido nos demais, não me lembro de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação racial ou social. Em casa, no ambiente familiar então, isso seria impossível, porque além de vivermos num meio pródigo em diferenças raciais, minha mãe, como afro-descendente, não permitiria isso jamais. D. Ana era chamada de “sarará” e achava a maior graça nisso.

Sempre tive amigos, professores, vizinhos negros, mulatos e “sararás” (que pra quem não sabe, é o negro meio louro). E também orientais, árabes e europeus recém chegados ao país. Mas por educação e cultura da minha época e do meu lugar, isso era uma questão absolutamente irrelevante. Disputávamos boas notas, namorados, a vitória nos jogos e brincadeiras, em total igualdade de condições. E se vi alguém ser discriminado por alguma coisa, fui justamente eu, porque muitas vezes fugia da algazarra e da folia pra me “atracar” com um livro, motivo pelo qual era considerada uma “molóide”. Até, e principalmente, pela minha família afro-descendente.

Sei que a minha história é apenas uma experiência pessoal. Reconheço que o preconceito racial existe, e muitas vezes tomei conhecimento de atitudes tais, sempre tendo me revoltado contra elas. Preconceitos existem, não apenas como manifestações de discriminação racial, mas como atitudes inerentes ao comportamento humano, que tende a rejeitar tudo o que diferente de “si mesmo”. Mas são produtos mais da falta de educação e de cultura, do que da diferença da cor da pele. Porque quem recebeu uma boa educação (e não estou falando de escolaridade, por favor!!!) e tem referencias culturais sólidas, não vai perder seu tempo discriminando quem não é “igual”.

Se vamos falar de preconceitos, podemos fazer uma longa lista: além dos brancos que discriminam negros, e de negros que discriminam brancos, existem também os exemplos dos jovens que discriminam os velhos (e vice-versa), de magros que discriminam os gordos (e vice-versa), de ricos que discriminam pobres (bem, aí fica difícil o vice-versa, mas enfim...). Se você tem muito dinheiro, mas se veste com simplicidade, não está livre de ser discriminado por uma vendedora de butique. “Sarados” discriminam os barrigudinhos de cerveja. Fanáticos de todas as espécies, discriminam que não crê na mesma coisa que eles. Políticos oportunistas discriminam aqueles que levam à serio a “causa pública”. Mas não há como fazer leis que “regulem” todos esses preconceitos.

Talvez eu mesma esteja sendo preconceituosa com essa tal de “ação afirmativa” das comunidades negras. Se for o caso, até peço desculpas. Mas me pergunto porque é que, os próprios negros, que se sentem tão discriminados, não pensaram em incluir nessa “ação afirmativa” os nossos irmãos indígenas. Nossos habitantes originais estão se extinguindo, vítimas de um genocídio que afeta justamente e prioritariamente as crianças. Para eles, não se defende política de cotas, nem para o atendimento nos hospitais, nem ao nível da simples sobrevivência.

A nossa constituição diz que “todos os cidadãos brasileiros têm direitos iguais”. Eu, pessoalmente, me rebelo contra qualquer tipo de privilégio. Se fosse negra de pele, teria vergonha de me aproveitar desse tal sistema de cotas, para qualquer finalidade. Conheço, e respeito, muitos negros que pensam como eu. Nasci pobre e humilde, lutei em igualdade de condições pra chegar onde cheguei. Fui bolsista em cursos de inglês e de francês, assim como na universidade. O produto de tudo isso influi positivamente na minha auto-estima.

Aliás, auto-estima é o que acho que falta para esse pessoal que precisa de privilégios. Se os negros são tão orgulhosos da sua condição, não deviam se esmerar em esticar o cabelo e pinta-los de louro. Não precisariam se esforçar em parecer brancos, e em agir como os brancos da pior espécie, que são aqueles mais preconceituosos. Deviam se orgulhar de si mesmos como são: tão inteligentes e capazes quanto qualquer outro cidadão, de qualquer etnia.

Já fui discriminada, e vítima de preconceitos, em várias ocasiões. Recentemente fui convidada pra fazer uma palestra sobre literatura negra, e na oportunidade, pra justificar meu interesse pelo assunto, declarei, alto e bom som, que sou afro-descendente, apesar da minha “aparecia desbotada”. O resultado disso foi um silêncio sepulcral. Passei a ser vitima de preconceitos, não apenas de alguns brancos, mas de muitos negros presentes, que desde então, me isolaram. Pessoas que se sentem no direito mais de julgar do que tentar compreender.

Sem vergonha nem orgulho, gosto de ser o que sou. A cor da minha pele e o sangue que me corre nas veias são circunstanciais. Sou apenas uma cidadã brasileira, consciente de seus direitos e deveres, pronta pra lutar por um país mais justo. O que me mobiliza é ser uma pessoa cada vez melhor. E tanto quanto possível, isenta de preconceitos...

Célia Borges

XI - Os caramujos africanos e o parasitismo humano

As chuvas começaram, e com elas, surgem, mais numerosos e persistentes do que nunca, os tais caramujos gigantes, ou africanos, que nos últimos anos vêm invadindo o Brasil afora. Nos centros urbanos eles passam meio despercebidos, mas em regiões como a nossa, ainda com vocação rural, eles encontram ambiente perfeito pra se multiplicar. E fazer o seu estrago. Que não é pouco...e em grande parte é invisível.

Tenho vocação pra budista, filosofia em que maltratar ou matar animais é covardia, mas no caso desses aí temos que deixar nossos bons propósitos de lado. O caramujo africano é uma espécie “invasora exótica”, algo assim como uma “barbeiragem” ambiental de gente incompetente, do tipo que hoje, segundo o site do IBAMA na internet, “é a segunda maior causa de perda de biodiversidade no planeta”.

Além de devorar plantas com apetite voraz, o antipático ainda compete com outros moluscos do ambiente que invade, podendo leva-los à extinção, transmite várias doenças, inclusive duas de difícil diagnóstico, que são a angiostrongilíase meningoencefálica e a angiostrongilíase abdominal, que sem tratamento, podem ser fatais.

A praga, como o nome diz, veio da África. Algum engraçadinho achou que podia ganhar dinheiro com ela, como substituto do “escargot”. Isso aconteceu no Paraná, e na década de 80. O projeto (será que não pesquisaram antes? E quem deu licença pra isso?) não deu certo...Os bichos, abandonados, saíram pelo mundo. Mas não seria o caso de se perguntar por quê é que, nesse tempo todo, não se fez nada para controla-los?

Bem, com certeza fizeram vários congressos, encontros, reuniões...esse é o problema do nosso Meio Ambiente: muito projeto, muita burocracia, muitos recursos pra viagens, carros de luxo, escritórios confortáveis. E não sobra nada pra se plantar uma única árvore. Alguém me responda, por favor, quando é que se ouviu falar, pela última vez, em projeto de reflorestamento? Em recuperação de matas (não no papel, mas objetivamente)? O clima está mudando, os rios estão secando. Mas qual foi o órgão, federal, estadual ou municipal, que terá trabalhado na recuperação de nascentes e leitos este ano? Eu não conheço, e leio jornal todo dia.

Enquanto tento controlar os caramujos do meu quintal, fazendo as contas de quanto vou ter que gastar de sal pra impedir que eles destruam meu canteiro de ervas medicinais e invadam novamente a minha cisterna, fico pensando em quanta gente tem aí, ocupando cargos onde teriam, por obrigação, ter evitado que isso chegasse a esse ponto. Há algumas semanas um grande jornal publicou matéria sob o título: “Elite de 74 mil servidores tem diversas mordomias e ganha cinco vezes mais que a dos EUA”.

Deve ter gente desse time na área de Saúde – pois o problema do caramujo é uma questão de Saúde Pública – e na do Meio Ambiente. Se eles ganham bem, tudo bem!!! Mas estão fazendo o quê? Esse é o problema do empreguismo no Brasil: colocar nos lugares mais cruciais, gente que não entende nada do assunto. Já que não dá pra escapar da politicagem, do nepotismo, pelo menos podiam fazer isso melhor, colocar gente apadrinhada, mas que gostasse do que teria que fazer. Mas o loteamento político é feito no atacado, não há tempo para esses sutilezas.

O problema é que esse parasitismo humano, produto da politicagem, está nos levando sempre, e cada vez mais, a andar pra trás. Não sou de julgar ninguém, e falar mal de quem ganha mais do que eu pode parecer inveja, o que não é o caso. Mas digamos que, em algum lugar desse cipoal burocrático, tenha alguém que, se tivesse sido colocado no lugar certo, poderia até, e há muito tempo, ter acabado com os benditos caramujos.

Tenho pena dos talentos desperdiçados em cargos errados. Tenho pena de gente tão inteligente e pungente, que definha seus conhecimentos e entusiasmo, não fazendo nada, não tendo competência, pesando no bolso de contribuinte, em troca de um salário seguro, mas eventualmente até menor do que o que poderia ganhar, se estivesse lutando e trabalhando no que gosta. E tenho pena de cada um de nós, que tem, com o suor da cada dia, pagar essa conta.

A falta de compromisso com a competência, a falta de responsabilidade para com o Meio Ambiente, as ambições políticas desenfreadas, tudo isso desfila pelos meus olhos, na forma de caramujos gigantes africanos. São pobres animais, afinal...parasitas que não tem culpa de estarem onde estão. E que, por mais nocivos que sejam, não chegam nem aos pés de muitos parasitas que se deslocam, rápidamente, em duas pernas, andam de carro importado, viajam de avião...

Célia Borges