28 de julho de 2008

CREDORES SE REUNEM CONTRA ESTADO (RJ) CALOTEIRO

O jornal O Globo do último domingo (27/7/2008) publicou carta de um professor, sob o título “Estado caloteiro”, onde o missivista narra suas desventuras, que transcrevo a seguir: “Sr. Governador, em junho de 2007 foi publicada no D.O. do Estado a minha reassunção no cargo de professor docente I. Trabalhei com afinco, sem faltas ou atrasos, de julho a dezembro, sem receber salário. Sé em fevereiro de 2008, após muitas andanças, consegui restabelecer o pagamento; porém, o período de 2007 não foi pago”.

Mas o pior da carta vem à seguir: “Fui informado que foi transformado em reconhecimento de dívida, por parte do estado, sem previsão de pagamento. Soube que existem pessoas esperando o reconhecimento da dívida desde 1991, sem qualqu4er atualização dos valores a serem recebidos. Ficam as perguntas: será que trabalhei de graça para o estado durante meio ano? Será que algum dia vou receber?”

Prefiro não revelar a identidade do autor, e quem quiser conferir pode ir à coleção do jornal. O que me mobiliza é o conteúdo, que revela uma espécie de “submundo da administração pública”, onde os direitos do cidadão são jogados, sem qualquer respeito ou complacência, para debaixo de algum tapete governamental. E o que me assusta é a cumplicidade entre os Poderes, que torna tudo isso possível.

O cidadão, consumidor e contribuinte, tem que estar em dia com suas obrigações tributárias, federais, estaduais e municipais, estando sujeito à várias e rigorosas penalidades pelo não cumprimento desses deveres. O estado, entretanto, em seus vários níveis, pode se arvorar no direito de não cumprir seus deveres para com o cidadão, sem temer qualquer tipo de punição.

Além de funcionários que trabalharam sem receber (professores e policiais, médicos e merendeiras, profissionais de várias categorias funcionais, e geralmente cumpridoras dos seus deveres), estão também aqueles que tiveram suas propriedades desapropriadas para fins de obras públicas e outros interesses, os que ganharam processos na Justiça contra o estado, inclusive os que esperam indenizações pela perda de familiares (como crianças e idosos), e até os que, por responsabilidade do poder, ficaram impossibilitados de trabalhar.

As filas de credores à espera de pagamento se estendem, não durante anos, mas durante décadas, sendo comuns processos com mais de 20 anos de espera. Pessoas que perderam seus bens e que precisaram sobreviver de favor (como, por exemplo, à nível federal, os ex-moradores do Palace II). Outras que adquiriram deficiências físicas e outras doenças, sem ter tido acesso aos tratamentos que lhes eram devidos. Famílias que perderam seus bens, e não puderam dar aos filhos a educação que tinham direito e mereciam. Gente que teve a vida roubada, de várias maneiras, por conta do comportamento autoritário, arrogante e irresponsável de nossas autoridades.

Afinal, que democracia é essa, cujo governo pode impor prejuízos materiais aos seus cidadãos, sem prestar contas à ninguém? Que democracia é essa, em que o Judiciário só age em benefício de seus próprios interesses, e dos interesses corporativos do Poder, deixando esquecidos no fundo das gavetas os processos que poderiam fazer justiça ao cidadão comum? Que democracia é essa em que senadores, deputados e vereadores são ágeis em aumentar seus salários, mas se esquecem que exigir o cumprimento das leis que eles mesmos criaram?

Ainda mais estarrecedora é a omissão da sociedade diante de tal comportamento, assumindo uma postura de “vassalagem” que nos remete aos valores da Idade Média, em que a nobreza e a aristocracia tinham a palavra final sobre tudo. Embora o tipo de pessoas atualmente no poder não lembrem em nada nobreza e aristocracia, a submissão é equivalente. Ao invés das dinastias, temos as bancadas: a bancada do tráfico, a bancada da igreja evangélica, a bancada dos produtores de cana, a bancada dos planos de saúde, e por aí vai...

Enfim, e como não se pode enganar todo mundo o tempo todo, começam a surgir grupos por todos os lados, dispostos a reagir. Com relação ao assunto que deu início à essa prosa, pessoas cansadas de serem vítimas (e de certa forma cúmplices) do descaso oficial do governo do estado do Rio de Janeiro para com suas dívidas, decidiram criar a Associação de Pensionistas e Credores do Estado do Rio de Janeiro (APECERJ), de forma a unir esforços para, inclusive, combater as manobras políticas para adiar interminavelmente esses pagamentos.

Atualmente, o governo de estado se gaba de estar pagando, por exemplo, os famigerados precatórios, APENAS com dez anos de atraso. Entretanto, como mostra a carta do professor n’O Globo, há outras dívidas anteriores que não foram honradas, assim como os processos que sofreram o “golpe do acordo”, muito comum nas administrações da dupla Garotinho/Rosinha, em que acordos foram assinados mas não cumpridos, deixando uma multidão de credores “à ver navios”.

A APECERJ tenta reunir associados, para ganhar a legitimidade suficiente para propor Ação Civil Pública por Improbidade, medidas cautelares requerendo seqüestro dos bens, bloqueio e investigação de bens de governantes, assim como o afastamento das atividades públicas, daqueles que não cumprirem decisões judiciais. Quem quiser aderir, pode ligar para (021) 2533-3310/2532-6596/2292-8759.

Além dessa associação, tenho notícias e troca de correspondência com duas outras vertentes de resistência civil, sendo que uma é a Campanha do Não, em fase de organização no Rio de Janeiro (capital) e outra, o Movimento Tiradentes, sobre o qual escreverei numa próxima postagem. Incansavelmente em defesa da cidadania e dos direitos de cada um de nós,

Célia Borges

ITATIAIA HISTÓRICA - A IGREJA CATÓLICA NO MUNICÍPIO DE ITATIAIA

A criação e a identidade do município de Itatiaia estão estreitamente ligadas à religiosidade, tendo se desenvolvido em torno de uma igreja, assim como centenas, ou mesmo milhares de municípios, Brasil afora. Os registros históricos locais indicam que em 1939, D. Silvéria Soares Lucinda doou uma área de terreno para que fosse ali erguida uma capela sob a invocação de São José. Em cinco de abril desse mesmo ano, Lei Provincial instituiu o Curato de São José.

É interessante observar que a localidade, sob o nome de Campo Belo, só seria elevada à condição de Vila 100 anos mais tarde, pela Lei Federal no 311 de 2 de março de 1939. Só em 31 de dezembro de 1943, pelo Decreto-Lei no 1056, a vila tornou-se distrito de Resende, já com o nome de Itatiaia.

Nesses 100 anos, a influência do catolicismo no desenvolvimento do povoado foi decisiva, algumas vezes como poder moderador, mas outras vezes com relevante participação, tanto nos aspectos políticos e sociais, como até mesmo no administrativo, como revelam alguns episódios da História.

A união da comunidade em torno da igreja foi indiscutível, tanto que em 1842 os moradores da localidade que se mobilizaram para conseguir que o Curato fosse elevado à Freguesia (Lei n0 272, de 9 de maio de 1842), permitindo a transformação da Capela em Igreja Matriz. Isso com o apoio do capelão Padre Francisco de Oliveira e Silva, do Capitão José Ferreira Pinto, de D. Silvéria e de D. Clara (???), também próspera fazendeira na época.

Em 24 de agosto de 1944, após sua nomeação, o Padre Francisco funda a Irmandade de São José, com o apoio de toda a comunidade, e com a ajuda financeira do Comendador Pereira Leite e da referida fazendeira D. Clara, que doaram, cada um 80 braços quadrados de terras nas circunvizinhanças da capela, para formar o patrimônio do padroeiro. Foi também o Padre Francisco que, inspirado na beleza da paisagem, sugeriu que o nome da Irmandade, além de São José, tivesse o epíteto de Campo Belo.

Nessa época iniciou-se a construção da igreja matriz, inaugurada dois anos depois. A freguesia então prosperava, sob a riqueza dos vastos cafezais, que produziam com abundância, com reflexos dessa prosperidade na vida religiosa, alimentada pela presença constante na igreja da “aristocracia rural”, e de suas generosas contribuições. Em 1853 foi inaugurado o transporte fluvial pelo Rio Paraíba do Sul, levando a produção agrícola local, e também de Engenheiro Passos, Queluz e Areias até o Porto de Resende.

Os episódios mais significativos sobre a influência da igreja na comunidade foram observados, entretanto, à partir de 1863, quando o Padre Joaquim Thomaz de Aquino assumiu a direção espiritual da freguesia, que exerceu durante 16 anos, prestando tais serviços em benefício dos mais necessitados, e agindo com tal iniciativa e coragem, que inscreveu seu nome na História do município, sendo patrono de uma das cadeiras da Academia Itatiaiense de História, homenagem à altura do seu desempenho.

Investido no cargo por portaria do dia 30 de setembro de 1864, o espírito empreendedor e a vocação para a liderança do Padre Aquino ficaram claros desde que assumiu a paróquia. Ao chegar, encontrou em ruínas o prédio da Matriz, possivelmente em conseqüência de um empobrecimento repentino da comunidade, devido a uma praga que entre 1956 e 1864 dizimou grande parte dos cafezais. Reclamou providências ao Imperador, e só depois de longa espera, conseguiu que o Governo Provincial mandasse demolir o templo, vendendo em hasta pública o material aproveitável. O vigário alugou então, para o culto, um outro prédio, por 50 mil réis, pagos às suas próprias expensas.

A demora na reconstrução da Matriz foi circunstância adversa, mas deu a ele a oportunidade de empreender a primeira, e a mais renhida, de suas lutas à frente da liderança religiosa de Itatiaia. Episódio em que enfrentou, não apenas as autoridades administrativas, mas até mesmo as eclesiásticas, com o objetivo de “dar abrigo decente às práticas religiosas” de sua comunidade.

Depois de longa espera, e esgotadas todas as possibilidades diplomáticas para obter os recursos necessários à reconstrução da Igreja Matriz de São José do Campo Belo, o Padre Aquino se expôs aos riscos de castigos e retaliações, e foi à imprensa denunciar o que considerava o “descaso oficial”. E mesmo diante da interferência do bispo, tentando “arrefecer a intrepidez de seu subordinado hierárquico”, ele persistiu destemidamente, até obter os resultados necessários ao projeto.

Outro episódio que revelou a coragem e o desprendimento desse Padre foi o surto de varíola verificado em 1865, que atingiu grande parcela da população, fazendo muitas vítimas. Além de atuar como enfermeiro, cuidando e alimentando com recursos de doações os doentes, ele assumiu até mesmo o papel de coveiro, carregando os cadáveres e abrindo as covas para enterra-los, diante da recusa dos coveiros profissionais em fazer o trabalho, devido ao temor de se contaminarem.

No período em que esteve à frente da paróquia, até seu falecimento em 27 de janeiro de 1880, o Padre Aquino exerceu um poder extremamente agregador, reunindo em torno das festividades da Igreja tanto a comunidade quanto aos representantes das classes mais abastadas, e conseguindo reconquistar para as solenidades, a pompa e o brilhantismo da época de sua inauguração.

As festas do Glorioso Patriarca São José eram celebradas todos os dias 25 de março, com cantata, sermão, procissão e o Te-Deum. O púlpito era ocupado por distintos e eloqüentes oradores. Havia Banda de Música dos Festeiros, e dois ou três dias antes da festa eram organizados os leilões de prendas, oferecidas pelos devotos. No dia 24 havia um espetáculo pirotécnico em frente à Matriz. Os Festeiros também trabalhavam junto à comunidade para que iluminassem a frente de suas casas na noite do dia 25, honrando assim, de modo esplêndido, a solenidade do padroeiro.

O Padre Aquino não só conseguiu seu objetivo, de construir a igreja Matriz de São José, como atraiu para a região seus familiares, como o Capitão Virgínio Thomaz de Aquino, sobrevivente da Guerra do Paraguai, e que em 1870 escolheu Campo Belo, onde residia o irmão, para se radicar. Dessa migração resultou numerosa prole, sendo que um dos descendentes da família, Luis Carlos de Aquino, foi o primeiro prefeito do município de Itatiaia, após a emancipação em 1989, tendo sido empossado em 1990.

À falta da influência do Padre Aquino são atribuídos os distúrbios verificados em Campo Belo e suas vizinhanças, em seguida à sua morte, com o assassinato do agente dos Correios Barreto de Farias, e uma situação de terror que se instalou nas fazendas e sítios próximos da Serra. Consta no livro de Itamar Bopp que, liderados pelo escravo Antonio Theodoro Leal de Mesquita, formou-se um quilombo na Fazenda Palmital, abrigando escravos foragidos, que ameaçavam sitiantes e visitantes, depredando propriedades. Teriam sido mais de cem criminosos, em seguida dispersados pela polícia.

Nos anos seguintes, a seqüência dos ocupantes e episódios da paróquia podem ser assim resumidos: em 1881 é nomeado vigário de Campo Belo o Padre Benito Carrera; seu sucessor foi o Monsenhor Mariano Capellini, nomeado em 1902, e que fundou o Apostolado do Sagrado Coração; em 1904 foi nomeado o vigário Padre Paulo Cortes; em 1916 o Bispo D. Benassi visita a sede da freguesia, que festivamente recebe o ilustre prelado, e durante cuja visita foram crismadas 1.120 crianças e ministradas 2.800 comunhões; em 1926 é nomeado vigário, com jurisdição em Campo Belo, o Padre Cícero Machado Sales.

Em 1930 uma outra personalidade marcante surge no cenário religioso de Itatiaia, reacendendo o carisma da Igreja diante da comunidade: foi o Padre José Sandrup, figura que se elevou na simpatia do povo, um verdadeiro “Bom Pastor” que percorria à cavalo estradas inacessíveis, semeando a caridade e seu apoio, sem distinção de classes sociais. Ele foi reconhecido com o nome de uma rua, no munípio de Resende, em sua homenagem. Mas seu trabalho no município merece ser melhor estudado, porque é uma das personalidades religiosas cuja memória permanece viva e ainda reverenciada entre os moradores de Itatiaia. Seu substituto, em 1944, foi o Monsenhor Ludovico Stanuch, que faleceu em Resende, em 1985.

Após um período de vigários substitutos e provisórios, Itatiaia veio a ter um dos seus mais influentes líderes religiosos, cuja história esteve ligada ao município no decorrer de 40 anos, desde 1962, quando foi nomeado, até seu falecimento em 2002: o Padre José Wyrwinski, ou, simplesmente, o “Padre José”. Dono de uma considerável cultura eclesiástica, e de uma experiência de vida igualmente rica, poderia sem dificuldades ter se alçado a algum cargo representativo na hierarquia da Igreja, mas optou por uma paróquia do interior, onde exerceu o sacerdócio com extraordinária grandeza espiritual, em contraponto com uma extrema simplicidade de hábitos de vida.

O Padre José Wyrwinski, de origem polonesa, nasceu em 15 de janeiro de 1912, em Bieczyny, estado de Poznán, nono filho dos 12, do casal de agricultores Francisca Roszak e Francisco Wyrwinski. Fez seus estudos básicos na região de origem, e em 1933 entrou para a Congregação da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, atraído pelo exemplo de um seu grande amigo, mais tarde Padre Francisco Anders. Concluiu o noviciado na Casa da Congregação, em Cracóvia, e no dia 15 de agosto de 1934 fez seus primeiros votos religiosos.

Nesse mesmo ano foi enviado à Roma, onde permaneceu na Casa Generalícia da Congregação, no Seminário Internacional, convivendo com estudantes de diversas nacionalidades, como italianos, búlgaros, norte-americanos e até mesmo outros poloneses. Estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana, licenciando-se em Filosofia e Teologia. Durante a II Guerra Mundial, foi ordenado sacerdote, em 7 de junho de 1941, na Basílica de São João Latrão. Foi nomeado Chefe dos Noviços, que exerceu durante dois anos, período em que estudou o Direito Canônico.

Além dos árduos e dedicados períodos de estudos, o Padre José Wyrwinski viveu e sobreviveu á experiências de risco pessoal, tendo sido capelão no Exército Polonês, que lutava ao lado dos ingleses. Acompanhou o Exército até à luta ao norte da Itália, tendo sido condecorado com a Cruz de Prata, pelos méritos, e medalhas de Guerra da Inglaterra, Itália e Polônia. Em setembro de 1946, acompanhando soldados poloneses, foi embarcado para a Inglaterra, e dois anos depois, desmobilizado, foi transferido para a paróquia de Biasca, Tkcino, na Suíça.

Em 1950 foi enviado à Viena, ainda ocupada pelos exércitos aliados, sendo nomeado Superior da Casa da Congregação e Reitor da Igreja, para dar assistência religiosa aos poloneses de Viena, e da Áustria em geral. Sete anos mais tarde ele retornou à Roma, onde encontrou D. Agnello Rossi, na época Bispo de Barra do Piraí, que então procurava padres dispostos a vir trabalhar no Brasil.

O Padre José aceitou o convite de D. Agnello, e no dia 9 de março de 1959, junto com o Padre Wojtyniak, desembarcou no Brasil. Ambos foram enviados à Resende, onde fundaram a Paróquia de Santa Cecília, no Manejo. Lá trabalhou durante três anos como Vigário Cooperador, sendo em seguida convidado por D. Agnello para assumir a Paróquia de São José, em Itatiaia, onde tomou posse no dia 22 de maio de 1962. Ali atuou ininterruptamente durante 27 anos, não apenas como o Pároco de Itatiaia, mas como um autêntico cidadão brasileiro e itatiaiense, cujo título aliás, outorgado pela Câmara Municipal, lhe foi oferecido em 1990.

Ao contrário do Padre Aquino, que se notabilizou pelo enfrentamento nas situações de conflito, o Padre José se caracterizou pela diplomacia. O poder que exerceu é difícil de ser avaliado, por ter sido um poder sutil. O que se pode observar vem do grande poder que a Igreja Católica exerceu sobre a comunidade de Itatiaia durante sua liderança religiosa. Foi um novo período de grande agregação em torno da Igreja, com o Salão Paroquial sempre aberto as atividades comunitárias, lindas festas em homenagem ao Padroeiro, intensa atividade da comunidade para reunir recursos para as obras e manutenção do imóvel. A campanha emancipacionista do município ocorreu, em muitos momentos, sob aquele teto, assim como as entidades voltadas para o desenvolvimento comunitário, cultural e comercial ali encontraram abrigo, sempre que era necessário encontrar um local para se reunir.

A aposentadoria do Padre José Wyrwinski, em 31 de janeiro de 1988, pegou a comunidade de Itatiaia de surpresa. Justamente às vésperas da emancipação, para a qual ele havia tanto colaborado, ia ser uma espécie de “grande ausente”. Após uma seqüência de festas de despedida, às quais comparecia sempre com uma espécie de alegria infantil, ele partiu em 1989 para Curitiba, onde obedientemente, e com a atitude filosófica que sempre demonstrava, foi exercer ofício no Seminário do Cristo Ressuscitado.

Mas, para a população de Itatiaia, o Padre José era uma espécie de “patrimônio espiritual”, único e insubstituível. Por força da opinião pública, em 1990 recebeu o título de Cidadão Itatiaiense, no primeiro ano em que o prêmio foi instituído. As pressões não pararam por aí, e foram tantas que, finalmente, em 1992 o Padre José voltou à paróquia de Itatiaia, como uma espécie de “morador honorário”, onde apesar da saúde debilitada, e atuando apenas como auxiliar, não se recusava a celebrar casamentos, batizados e outras festas.

Nos dez anos que se seguiram, até seu falecimento, em 2002, ele foi uma espécie de talismã para a comunidade, sempre convidado, e na medida em que a saúde permitia, sempre presente aos eventos mais significativos, tanto os particulares quanto aos promovidos pelos poderes públicos. Mesmo dos bastidores, ele continuou a exercer seu poder cativante, usado sempre no sentido da conciliação, do entendimento, da solidariedade e do perdão. Circulou nos salões do poder, mas também esteve presente nas reivindicações dos carentes, sendo ouvido e recebido em ambos os casos, com igual respeito e reverência.

Não seria exagero dizer que o Padre José foi um ecumenista, porque além de compreender essa questão (que tive o privilégio de discutir pessoalmente com ele), agia de acordo com esse conceito, recebendo pessoas de outras orientações religiosas nos rituais, sempre que a situação permitia. Seus aniversários nunca foram esquecidos, e sempre comemorados em Itatiaia, com boa parcela da comunidade se mobilizando, como quem comemora uma data oficial. A influência dessa personalidade tão peculiar e marcante, talvez não tenha a distância, no tempo, à ponto de ser devidamente avaliada.

UM ADITIVO: CURIOSIDADE HISTÓRICA

Além da Matriz de São José, a única igreja com conotação histórica ainda existente no município de Itatiaia é a Capela de Nosso Senhor dos Passos. Ela foi mandada construir por D. Mariana da Rocha Leão, personagem histórica que inclusive dá o nome à praça da Matriz. As obras, iniciadas em 1898, foram concluídas em 1914, constituindo-se portanto em um prédio às vésperas do centenário.

As terras da capela e cercanias pertenciam ao Desembargador Manoel da Rocha Leão, e a construção foi idealizada por sua esposa, D. Mariana, muito religiosa, como promessa pela recuperação do marido. A obra, do ponto de vista arquitetônico, retrata as tendências da “art-noveau”, levantada inicialmente pelos negros do regime colonial, e concluída por alforriados negros e pedreiros devotos de Campo Belo.

Todo o aparato clerical do ritual católico foi adquirido, pelos clérigos da época, em ouro maciço, em Minas Gerais, com recursos das doações dos devotos. A capela foi palco de muitas celebrações importantes, como missas em latim, casamentos, primeiras comunhões e crismas. Havia duas plenárias laterais para as famílias destacadas, e os demais, escravos e libertos, permaneciam nos bancos frontais ao altar, que possuía uma pintura barroca em seus afrescos, e imagens de santos de cerâmica portuguesa, entre os quais se destacava a imagem de Nosso Senhor dos Passos.

D. Mariana da Rocha Leão não obteve êxito em seu pleito, tendo perdido o marido em seguida. E a capela, tão bonita, encontra-se em estado de abandono, apesar dos esforços da Academia Itatiaiense de História de transformar o prédio em Patrimônio Histórico, para assim tentar obter os recursos necessários para as obras de restauração.

Célia Borges

14 de julho de 2008

ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE – Receitas naturais para combate às pragas, usando recursos vegetais


A ocorrência de pragas em qualquer tipo de planta, seja de jardins, hortas ou pomares, é geralmente indício de algum tipo de desequilíbrio, e portanto, antes de iniciar o combate aos sintomas, é recomendável pesquisar as causas. Devemos ter em mente que um vegetal manejado adequadamente, bem alimentado e suprido em todas as suas necessidades, dificilmente será afetado por pragas e doenças.

Varias circunstâncias podem contribuir para esse desequilíbrio, como falta ou excesso de umidade, adubações e podas insuficientes ou exageradas, o efeito de agrotóxicos aplicados indevidamente, estresses de todos os tipos (inclusive alguns decorrentes do tipo de enxertia), inadequação climática e muitos outros fatores. A observação cuidadosa, e uma atenta pesquisa sobre as necessidades de cada planta, pode dar a pista do que é que está sendo feito errado.

Corrigir a causa é importante, mas não menos é combater os efeitos, e a utilização de soluções naturais, que não agridam a natureza nem afetem o meio ambiente, são aquelas que devem ser privilegiadas. Além das muitas receitas baseadas em ingredientes orgânicos, como as que apresentei nas postagens anteriores, existem outras utilizando as próprias espécies vegetais como ingredientes de fórmulas inseticidas.

Em fase de pesquisa sobre o assunto, vou relacionar abaixo algumas que já consegui encontrar, limitando-me às espécies de uso comum e de fácil acesso na nossa região sul-fluminense, no Rio de Janeiro, e na região sudeste de um modo geral.

Urtiga – o macerado de urtiga é um tradicional recurso no combate aos pulgões, uma das pragas mais comuns em todo o tipo de planta. Os ingredientes são apenas 10 litros de água para cada cem gramas de urtiga, devidamente macerada e manejada com cuidado, pois é planta que causa irritações na pele. Primeiro a planta deve ser deixada em infusão por três dias, em um litro de água, e depois ter a mistura coada e diluída no restante da água, e assim pronta para ser pulverizada, o que pode ser repetido a cada quinze dias. O preparado resiste a armazenamento até três dias.

Angico – o chá de angico é um eficiente recurso no combate às lagartas, e pode ser conseguido da seguinte forma: 100 gramas de folhas de angico para cada litro d’água, sendo que o preparado deve ficar em repouso por dez dias, mexendo-o um pouco, diáriamente. Coar e guardar em garrafa tampada, sendo que no momento da utilização, deve ser diluída uma parte desse extrato para cada dez de água, e pulverizado sobre as plantas.

Pimenta – o extrato de pimenta é muito utilizado, e com sucesso, no combate à praga chamada “vaquinha”, uma espécie de besouro extremamente voraz na destruição de vários tipos de plantações. A receita indica o uso de meio quilo de pimenta para cada dois litros d’água, batidos no liquidificador, depois de coado, misturar a outros dois litros d’água onde tenham sido diluídas 50 gr de sabão de coco. Cada litro dessa mistura pode ser diluído em outros dois litros d’água, e nessa proporção, pulverizados sobre as plantações afetadas.

Cerveja – Caramujos, lesmas e tatuzinhos podem ser facilmente atraídos para latas de pouca espessura, contendo restos de cerveja misturada com um pouco de sal. Os insetos são atraídos, e dessa forma rapidamente exterminados.

Outros vegetais – muitos outros vegetais são úteis no combate às pragas, e na impossibilidade de dar detalhes sobre todos, vou relacionar os nomes e indicar os usos, prometendo mais detalhes em próximas postagens: Allamanda nobilis (inseticida); Alho (inseticida, repelente, bactericida, fungicida e namaticida); Anonas (inseticida, larvicida e repelente); Araucária (inseticida para animais); Arruda (inseticida); Cálamo ou Acorus calamus (inseticida); Camomila (fungicida e indutor de resistência a doenças); Coentro (inseticida); Cravo de defunto ou Tagetes minutas (inseticida, nematicida e repelente); Erva de rato ou palicourea marcgravii (raticida); Eucalipto (repelente); Escila vermelha ou unginea maritma (raticida); Fumo (inseticida, repelente, fungicida e acaricida); Hortelã (repelente); Jacatupé ou pachyrrhizus tuberosus (inseticida); Mamão (fungicida); Pimenta do reino (inseticida); Pimenta vermelha (inseticida, repelente, inibidor de vírus e inibidor de ingestão).

Esperando estar contribuindo para uma vida mais saudável e para um mundo melhor para todos nós, deixo aqui meu caloroso abraço.

Saudações botânicas,

Célia Borges

ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE – Ferrugem na jabuticabeira? Receitas naturais para essa e outras pragas


A necessidade é a mãe do conhecimento. E certamente, uma das molas que move o mundo. Pude comprovar isso, mais uma vez, há alguns meses, quando a jabuticabeira – única frutífera do meu quintal e menina dos meus olhares botânicos – apresentou sintomas de ferrugem. Depois de produzir seis vezes em 18 meses, desde fevereiro, na última frutificação e quando apareceu sobre os frutos aquela poeira amarelo-alaranjada, ela parou de corresponder aos meus cuidados. Foram safras e safras anteriores dedicadas à geléias e licores, e meus amigos já estavam mal acostumados com os mimos do meu quintal...

Após uma limpeza manual de galhos e tronco, adubações e muita rega, sem resultados, decidi partir para a pesquisa das soluções possíveis para o problema. Mas depois de consultar algumas pilhas de revistas e livros sobre plantas, percebi que isso não seria assim tão simples. Para quase todas as pragas e parasitas parece haver solução rápida e fácil. Mas sobre a ferrugem, na maioria dos casos, apenas citava-se o problema, sem apresentar qualquer indício de solução.

Frustrada nas fontes escritas, recorri à internet. Onde redescobri que a pesquisa botânica é uma espécie de aventura, onde o pesquisador precisa ser tão persistente quanto um Sherlock Holmes. Não vou narrar aqui as minhas desventuras até encontrar a solução – afinal, tão simples quanto aquelas dos romances policiais – mas o fato é que depois de passar por uma infindável coleção de textos repetitivos, e de tratados com fórmulas sobre as quais não consegui entender nada, tropecei na resposta quando já estava prestes a desistir.

Enfim, não foi através do nome popular da doença, nem do nome científico, que consegui resultado: foi seguindo de pista em pista, através de sites de “receitas naturais de combate às pragas”. A experiência, auspiciosa e até mesmo deslumbrante para uma curiosa botânica como eu, foi como o de alguém que procura uma única flor, e que acaba se deparando com um enorme jardim. Colecionando dezenas de fórmulas naturais para jardins e quintais, consegui descobrir como curar a minha jabuticabeira, e também muitas outras dicas, que passo a partilhar com vocês... Espero que possam fazer bom proveito!!!!

Ferrugem nas jabuticabeiras e outras frutíferas – Ferrugem é uma doença que ataca as jabuticabeiras, mas que foi originalmente observada em goiabeiras, e identificada em outras frutíferas, como as macieiras. Provocado pelo fungo Puccinia psidii wint, afeta folhas, botões, frutos e ramos, não só com manchas necróticas circulares, como por um pó amarelo vivo. Seu combate pode ser feito através da pulverização de calda bordalesa (cuja receita segue abaixo), ou no caso de grandes plantações, de produtos químicos à base de fungicidas cúpricos, mancozeb ou benomyl, produtos que só podem ser adquiridos com receituário apropriado.

Calda bordalesa: ingredientes para 10 litros – 100 gr de sulfato de cobre, 100 gramas de cal virgem e 10 litros de água; preparo: quatro horas antes ou no dia anterior, dissolver o sulfato de cobre préviamente amarrado num pano de algodão limpo, em um litro de água morna; pouco antes do preparo, colocar cal em recipiente de 10 litros, adicionando 9 litros de água aos poucos, até dissolver, e em seguida misturando a água do sulfato. Misturar bem. Para testar o PH, use uma faca de metal comum, bem limpa, mergulhando por três minutos na mistura. Se escurecer está ácida, e precisa mais cal. Se não sujar, a calda estará pronta para uso.

Pulverizar sobre as plantas, cuidando para usar botas, luvas e proteger o rosto contra a inalação do produto. Além da ferrugem, a calda bordalesa é eficiente no combate a quase todos os tipos de fungos, bactérias e outras pragas, tendo a vantagem, sobre as fórmulas químicas, do baixo custo e de não deixar resíduos tóxicos. Ela também contribui para o fortalecimento das folhagens, fornecendo nutrientes importantes como cálcio, cobre e enxofre. Substitui inseticidas e adubos artificiais.

Calda sulfocálcica – Muito eficiente no combate aos ácaros, é também opção contra a ferrugem. Para cada 100 gr da solução (que pode ser comprada em lojas de produtos agropecuários) a diluição é em 10 litros de água. Pulverizar a cada quinze dias, até obter resultado no controle do problema.

Calda de fumo e sabão de coco – Um rolo de fumo, 50gr de sabão de coco e um litro de água para a diluição. Deixe curtir por 24 horas, coe e adicione mais 5 litros de água, pulverizando em seguida em plantas infestadas por ácaros, lagartas e pulgões, repetindo a cada semana, ou sempre que necessário.

Emulsão de óleo – A mais eficiente fórmula de combate às cochonilhas é a emulsão de óleo, obtida através de 8 litros de óleo mineral, 1 kg de sabão comum e 2 litros de água, misturados e levados à ferver. O produto será uma pasta, que pode ser guardada, e na hora da aplicação, dissolvidos 50 gr da pasta em 3 litros de água morna, devendo ser aplicados com algodão ou pano limpo sobre as folhas infestadas.

Enfim, esse é só o primeiro capítulo. Minhas pesquisas botânicas sobre receitas naturais no combate às pragas de plantas renderam muito mais, o que vocês poderão conferir numa próxima postagem.

Por enquanto, vou deixando um grande abraço aos meus tão queridos e fieis leitores...

Célia Borges

ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE – Receitas naturais para o combate às pragas de jardins, hortas e pomares


O uso de produtos químicos, como inseticidas, pode ser muito eficiente, mas também cobra um alto preço, do ponto de vista do meio ambiente. A contaminação do solo e das águas, sem falar nos riscos de intoxicação pelo consumo de frutas, legumes e hortaliças que recebem esse tipo de tratamento, se somam à possível resistência de insetos, fungos e bactérias aos princípios ativos utilizados, contra-indicando seu uso sempre que for possível evita-los.

A consciência dos riscos dessas fórmulas tem sido de grande incentivo para a pesquisa de soluções naturais, não só por instituições científicas, como as universidades, a Emater e outras, mas também por parte de pesquisadores independentes, instituições regionais e entidades comunitárias. O resgate de soluções caseiras utilizadas por nossos antepassados, assim como a identificação de novos produtos orgânicos nos meios acadêmicos, vêm contribuindo para o uso e difusão de práticas mais adequadas e menos perigosas, como algumas que enumero abaixo.

Dando seqüência às receitas de caldas orgânicas que publiquei na postagem anterior, vão aí algumas novas fórmulas:

Cinzas – a cinza de madeira é um material rico em potássio, e muito recomendado na literatura mundial para o controle de pragas e doenças dos vegetais, sendo eventualmente aplicada em mistura com outros produtos naturais. Uma das suas utilizações mais populares, contra lagartas e vaquinha dos melões, é a seguinte: meio copo de cinza de madeira, meio copo de cal virgem e quatro litros de água. A cinza deve ser misturada antes com a água, repousando 24 horas, e finalmente acrescentando-se cal virgem, misturando bem e pulverizando em seguida.

Farinha de trigo – a farinha de trigo é recurso eficiente no controle de ácaros, pulgões e lagartas em horas domésticas e comunitárias. Sua aplicação deve ser feita em dias quentes e secos, de preferência com sol. Diluir uma colher de sopa de farinha para cada litro d’água e pulverizar sobre as folhas infestadas, de preferência na parte da manhã, pois a mistura cria uma película quando em contato com o sol, envolvendo os organismos invasores, facilitando sua remoção manual ou pela ação do vento. Repetir a cada duas semanas, até a solução do problema.

Leite – na forma natural ou como soro, o leite é indicado no controle de ácaros e no combate de lagartas, fungos e vírus, além de ser um eficiente atrativo para lesmas, facilitando sua remoção. Seu emprego é recomendado principalmente em hortas domésticas e comunitárias, através da diluição de um litro de leite para cada cinco de água, e pulverizando sobre as plantas. Contra insetos o processo pode ser repetido a cada três semanas, e para outras doenças, a cada dez dias.

No combate às lesmas, a recomendação é embeber com uma mistura de água e leite em partes iguais, um saco de estopa ou pano de algodão limpo, que deve ser colocado no pé da planta infestada, sob o qual elas se abrigarão durante a noite, e que poderá ser retirado facilitando o recolhimento das mesmas, pela manhã.

O leite, misturado com cinza de madeira, também é indicado no controle de míldio. Outra utilidade do leite é como fungicida, nas culturas de pimentão, pepino, tomates e batata, podendo ser usado também em hortaliças, nas diluições anteriormente recomendadas.

Sabão – o sabão (não confundir com detergente!!!) tem efeito inseticida, e pode ser ainda mais eficiente se acrescentado de outros defensivos naturais. Sozinho, tem efeito satisfatório no combate de insetos como pulgões, lagartas e mosca branca. O preparo mais comum é feito através da solução de 50 gr de sabão (de preferência de coco, mas também podendo ser do comum) em 5 litros d’água quente, que depois de fria e bem misturada, deve ser pulverizada sobre as plantas.

Para aumentar a eficiência contra insetos sugadores, como ácaros e cochonilhas, é indicada a mistura com 20 ml de querosene na fórmula anterior, sendo que neste caso é indispensável a aplicação imediata da mistura. A pulverização é a forma mais eficiente de aplicação, mas na falta desse equipamento, pode ser usado também o regador.

As receitas naturais não acabam aqui!!! Ainda tenho algumas, baseadas no uso de plantas, que vou mandar para vocês na próxima postagem. Por enquanto, vou mandando beijocas botânicas!!!

Até!!!

Célia Borges

ALDEIA GLOBAL XXXII – Quando nem os juizes se entendem, o que podemos esperar do Judiciário?

Os noticiários dos últimos dias seriam alarmantes, se é que alguma coisa nesse país ainda pode ser mais alarmante. O banqueiro Daniel Dantas é preso (????) tentando subornar autoridades, tendo o descaramento de deixar entrever, por seus cúmplices, que “o problema” era só na Primeira Instância, porque o resto ele “tirava de letra”. E foi isso exatamente o que aconteceu, com ele entrando e saindo da prisão, por conta de garantias jurídicas concedidas.... pelo Supremo Tribunal Federal!!! Justamente uma das instâncias das quais o banqueiro dizia que não tinha nada que temer!!!

Estou certa de que não estou delirando!!! Está tudo aí, nas páginas dos jornais, desde o início da semana, nesses meados de julho de 2008. Desde as falcatruas do Juiz Lalau, há mais de décadas, as vísceras do Judiciário vêm sendo postas à mostra, mas nunca em tão aflitiva circunstância, como esta que expõe tanto a mais alta autoridade, do mais alto dos nossos tribunais.

Há muito tempo que o Judiciário vem se expondo à opinião pública, por conta de decisões que ninguém entende, e mais expostos que os demais, estão os ministros do Supremo. Que aliás, do ponto de vista do cidadão comum, vivem “pisando na bola”. Mas alguns, pelo menos se dão ao respeito de justificar aquilo que fazem, enquanto outros preferem se entrincheirar na arrogância, se refugiar num poder de conotações absolutistas, já que se consideram acima das próprias leis e do bom senso.

Essa disputa judicial que coloca em campos opostos um Juiz Federal de Primeira Instância, Fausto Martin de Sanctis, e o atual presidente do STF Gilmar Mendes, pode ser uma dolorosa, mas também é uma salutar oportunidade para se reavaliar o desempenho do Judiciário. Vivemos sob o jugo de uma Justiça, para dizer o mínimo, decepcionante. Mas, definitivamente, não podemos culpar a todos os juizes. Há muitos, como o Dr. De Sanctis, que levam sua missão à sério. O problema é que, quanto mais alta a Instância, maiores as dificuldades do processo, maior a morosidade, maior a... incompetência.

Do alto de seu poder e autoridade, Juizes de instâncias superiores acreditam que não precisam cumprir prazos, que não tem que ter exigências de produtividade, que podem engavetar processos indefinidamente, que podem ter metade do ano de férias, recessos, licenças e outros privilégios trabalhando o mínimo possível, que podem ganhar mais do que todos, mas não querem conferir essa prosperidade a outras categorias funcionais... e que não admitem nunca ser questionados!!!

As decisões do STF do Ministro Gilmar Mendes vêm nos demonstrando que a Justiça, no Brasil, é realmente um privilégio para poucos. Enquanto o “habeas-corpus” do banqueiro Daniel Dantas sai em velocidade de nave espacial, há processos de cidadãos comuns que repousam naquelas gavetas há décadas, mais lentos que o ritmo dos burros de carga. Enquanto isso, as decisões dos Juizes de Primeira Instância vão virando letra morta, com sentenças que, eventualmente, jamais serão cumpridas. Dependendo do poder econômico do condenado, de repente a vítima é que vai pagar a pena. Porque não existem compromissos com a verdade, com realidade, nem com a justiça propriamente dita.

As desventuras de Kafka, no Brasil dos nossos dias, deixou de ser uma alegoria literária, e conquistou o desconfortável contexto de realidade. Se não, quem pode acreditar que centenas de juizes precisem se manifestar contra os desmandos de um Ministro do Supremo. Entre juizes, procuradores, promotores e demais jurisconsultos – e pasmem!!! até entre eles há gente tão descontente à ponto de se manifestar – mais de duzentos já assinaram manifestos.

Até agora foram 130 juizes federais do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (que reúne São Paulo e Mato Grosso de Sul), numa onda de protestos que começou com uma carta assinada por 42 procuradores da República de diversos estados, e pode contar com ainda muito mais adesões. O presidente da Associação dos Juizes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou-se há poucos dias, dizendo não apenas que o Juiz De Sanctis é um dos melhores juizes brasileiros, como também que, pela brilhante atuação, merece a confiança daquele entidade. Também se manifestaram em sua defesa a Associação dos Juizes Federais do Estado de São Paulo (Ajufesp) e a Associação Nacional dos Procuradores da República.

Os depoimentos dados sobre o juiz revelam uma personalidade rigorosa e discreta, cuja dedicação faz superar a estrutura mínima de que dispõe, e com a qual já conseguiu proezas tais como condenar o doleiro Toninho da Barcelona, seqüestrar obras de arte do banqueiro Edemar Cid Ferreira e mandar prender o magnata russo Boris Berezovsky, demonstrando seu ponto de vista de que “não pode haver criminosos intocaveis”. A questão sobre a prisão de Daniel Dantas, aliás, não é a primeira que o coloca em conflito com ministros do STF.

O que parece haver de inédito na atual situação não é autoritarismo do STF, cujo presidente preferiu defender-se de suspeitas, mandando investigar o juiz e acusando-o de um grampo telefônico inexistente, mas a expressiva reação de parcelas do Judiciário, mostrando que em seu corpo existem muitas áreas saudáveis, prontas para exigir aquilo que todos nós queremos, que é Justiça. E respeito pela Justiça.

O importante não é a queda de braço, em si, entre o STF e a Primeira Instância, mas o que vai resultar desse conflito, que finalmente expõe algumas das mazelas dos nossos poderes, e sobre o qual temos a chance de nos manifestar. Se os próprios juizes entendem que a situação está passando dos limites, é hora de darmos o nosso parecer, e mostrar às autoridades, tanto do Judiciário, quanto do Legislativo e do Executivo, de que a “trincheira do poder” não vai protege-los do julgamento da opinião pública.

Célia Borges

13 de julho de 2008

ALDEIA GLOBAL XXXI – Todo tipo de discriminação é produto da estupidez

Sempre compreendi que qualquer tipo de discriminação é estupidez. Aprendi isso em casa, através da austera educação recebida, e que sempre foi um motivo de orgulho familiar. Ter boa educação, aliás, não significava freqüentar escolas, e até mesmo as pessoas sem nenhuma escolaridade se preocupavam em ser “bem educadas” no seu trato social. E disso fazia parte a convivência e o respeito pelos seus “semelhantes”, por mais diferentes de si que fossem, em origem racial, cor da pele ou hábitos culturais.

As escolas públicas de boa qualidade contribuíam para nos igualar – isso lá pelos anos 50 e 60 – e ninguém pensava estar ofendendo ninguém, chamando o outro de “neguinho” por exemplo, que aliás era até uma expressão carinhosa. A religião já nos ocupava tanto com as nossas culpas pessoais, que não sobrava tempo para culpas coletivas, e por isso mesmo elas não existiam.

Tive colegas de classe negros e judeus, descendentes de europeus, árabes, orientais e hispânicos. Havia os tímidos e os populares, havia os estudiosos e os que viviam “pendurados”. Mas na época de provas, nos ajudávamos uns aos outros, e faziamos trabalhos em conjunto, visitando as casas uns dos outros, sem qualquer preconceito pelo fato de uns serem mais pobres e outros mais abastados.

Eu mesma, tão branquela, vivia numa casa extremamente humilde, mas nunca tive vergonha de receber meus colegas. Em alguns períodos precisei estudar à noite, onde se concentravam os estudantes que também trabalhavam, justamente os mais pobres. Quando perdi minha mãe, aos 17 anos, e por ter tido necessidade de faltar muitas aulas para cuidar dos meus irmãos menores, foi com o apoio deles que consegui recuperar as matérias, e graças ao incentivo deles que não parei de estudar nessa época.

Isso não aconteceu por uma questão de escolaridade, mas por aquele tipo de educação que se cultivava, e que ensinava, entre outras coisas, a solidariedade entre as pessoas. Independentemente da cor da pele e da classe social. Cresci cultivando a crença de que, por mais problemas e pobreza que o país enfrentasse, o Brasil era um lugar especial, onde todas as raças podiam se sentir irmanadas. Poderia haver preconceitos, pois preconceitos existem contra todo o tipo de coisa ...mas discriminação racial, jamais.

Afinal, preconceitos e discriminação são frutos da estupidez... e da ignorância. E eu acreditava, e acreditei sempre, que só havia um caminho a seguir no futuro, e que era o dos estudos, do desenvolvimento tecnológico e econômico, do crescimento e do conhecimento. Por isso, ao chegar à idade madura, é tão desconcertante concluir que caminhamos todos esses anos, como nação, na contramão daqueles sonhos e projetos.

O desenvolvimento tecnológico e o econômico existem, mas são apenas relativos, nada de realmente substancial. Mas continuamos também relativamente ignorantes e incultos, e agora caminhamos a passos largos no caminho de novos preconceitos e discriminações. ´Se não temos inimigos, combatamos moinhos de vento”. E então, quando menos esperamos, nos vemos reféns de um jogo político baseado em alimentar todo o tipo de discriminação.

O jurista Ives Gandra Martins escreveu, há poucos dias, um artigo sob o título: “Você é branco? Então cuidado!...” onde dizia: “Hoje, tenho a impressão de que o cidadão comum e branco é agressivamente discriminado pelas autoridades, a favor de outros cidadãos, desde que sejam indios, afrodescendentes, homossexuais ou se declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos”.

A política de cotas no ensino superior foi a primeira, de uma lista de absurdos, ou como analisa o professor Gandra, “se um branco, um índio ou um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas universidades, e as vagas forem limitadas, o branco será excluído de imediato em favor de um deles. Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.”

A questão da demarcação de terras indígenas também descambou para a ilegalidade, pois enquanto o artigo 231 da Constituição reserva a eles o direito às terras que ocupassem até 5 de outubro de 1988, lei infraconstitucional posterior deu-lhes o direito à terras que ocuparam no passado. Como comenta o jurista, “meio milhão de índios brasileiros – não contando os argentinos, bolivianos, paraguaios e uruguaios que pretendem ser beneficiados também – passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto outros 183 milhões de habitantes dispõem dos demais 85%. Nessa exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não índios foram discriminados”.

A lista de absurdos é imensa, e passa por questões como a dos “quilombolas” beneficiados por lei que discrimina todos os demais cidadãos que não se enquadrem nesse conceito, a dos “homossexuais” que receberam verbas publicas para promover um congresso (discriminando assim todos os heterossexuais), legitimando invasões de terra quando a maioria dos trabalhadores têm que trabalhar muito para ter sua casa própria, e finalmente premiando com pensões milionárias minorias de pretensos prejudicados pela ditadura militar enquanto a maioria dos realmente prejudicados nunca recebeu nada...

Ao invés de promover a união, de ressaltar o orgulho nacional de um povo que sempre foi aberto a todas as raças, nosso governo parece mais interessado em promover todo o tipo de discriminação, dividindo-nos e contaminando o conceito de democracia. Se isso não é estupidez, deve ser de péssimas, misteriosas, não reveladas intenções.

Célia Borges