Se o mundo fosse um lugar justo, e se eu fosse respeitada como cidadã, com certeza isso não estaria acontecendo!!! Aliás, mais com outros do que comigo... Nós já vimos um filme parecido antes, mas parece que só eu tenho boa memória, pois tudo se passa diante dos nossos olhos, e nós, omissos ou distraídos, vamos deixando... quer dizer, nós não, porque eu não vou deixando nada!!! Eu reclamo, eu esperneio, eu simplesmente não me conformo!!!
No meio de toda essa loucura em que nós vivemos – internacional, nacional, estadual, municipal e, porque não reconhecer, até comunitária – eu ainda me espanto de ver essa mentalidade utilitarista que vai tomando conta dos nossos valores, de forma que só merece espaço quem tem potencial de produzir dinheiro ou poder (nesse último caso, e na maioria dos “ativos”, para outros, na forma de clientelismo, voto comprado, ignorância garantida). Segundo esse raciocínio, os velhos, como inativos, ficam reduzidos à uma espécie de “peso social”, sem voz e cada vez com menos direitos.
Quando digo que já vi filme parecido é porque me lembro da situação dos aposentados na época do “impeachment” do
Mas, como alegria de pobre dura pouco, o governo FHC (como se o próprio fosse um garotão), retomou a política de retaliação – sabe-se lá com que objetivo!!! – contra idosos e aposentados, política essa que chegou ao inimaginável, quando o governo Lula (teoricamente representante do trabalhador), conseguiu taxar pensões e aposentadorias, criar tetos e redutores, que só se aplicam aos que não têm voz ativa para protestar...porque os privilegiados continuam dispondo de todas as prerrogativas que garantem os “direitos” que para os comuns dos mortais, deixaram de existir.
A tal Reforma da Previdência, como quase tudo o que acontece no Brasil desde os tempos da colônia, foi “pra inglês ver”. Ou “pra americano ver”. Ou “pro mercado ver”... O tal rombo da previdência continua igual, ou muito maior, porque as fraudes não tiveram descanso nem intervalo. Roubaram a poupança dos velhinhos a troco de nada. Ou talvez a troco de garantir os recursos para o pagamento da dívida externa. Ou para programas preconceituosos e segregacionistas, que privilegiam grupos étnicos, ou mesmo preferências sexuais, mas não o conjunto da população. Esqueceram que entre os idosos também existem negros...e gays, todos eles relegados ao abandono. Relegados a um, digamos assim, democrático abandono...
O caso é que a população do país, assim como a população de todo o mundo, está envelhecendo. E a expectativa de vida aumentando. E enquanto isso ocorre, vamos enfrentando as conseqüências de uma política social que deixa essa parcela da população cada vez mais desprotegida, seja retirando-lhes os meios suficientes de sobrevivência através da redução dos seus vencimentos, seja por falta de programas e assistência adequada aos mais carentes, e até pelas dificuldades que lhes são impostas para se beneficiarem dos direitos legais a que fazem juz.
Só para dar um pequeno exemplo, existe uma legislação específica relativa ao pagamento de impostos, para maiores de 65 anos. O título VI, capítulo I, Seção III (Dos impostos da União), artigo 153, da Constituição Federal, diz o seguinte: “Os impostos não incidirão sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios às pessoas com mais de 65 anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos de trabalho”. Agora, me aponte um único cidadão idoso do país que nesse momento esteja se beneficiando dessa lei...porque eu não conheço nenhum.
Um notório sintoma do caos social e jurídico sob o qual vivemos é o fato de que o Estado, nas suas várias instâncias, não se sente obrigado a cumprir leis. Para se habilitar ao cumprimento de uma, o cidadão tem que – pasmem!!! – apelar para a Justiça. Justiça essa que, para a maioria dos cidadãos, vem se mostrando não apenas tarda, mas extremamente falha. O idoso que entra na Justiça para reclamar algum direito, mesmo que tenha sentença favorável, provavelmente vai morrer antes de ver seu esforço recompensado. A mesma Justiça que lhe dá ganho de causa, vai dar abrigo a uma infinidade de recursos, para adiar indefinidamente que o direito seja restabelecido.
Há alguns anos foi sancionado no país o Estatuto do Idoso, com toda a pompa e circunstância, com muitas promessas vãs, e que afinal, na maioria dos itens, como é praxe na legislação brasileira, virou letra morta. Apesar da publicidade feita em torno disso, a Justiça continua não dando prioridade aos processos envolvendo idosos. A legislação que permite que os credores de precatórios descontem do valor a receber seus débitos com o Estado (federal, estadual e municipal) também não é cumprida. Os custos de um processo, frequentemente, estão acima do poder aquisitivo do idoso. Advogados, principalmente bons advogados, custam caro. Diante disso, fica fácil lesar os mais velhos, porque a impunidade sobre o que se faz contra eles está cada vez mais garantida.
Ainda falta quase uma década para eu me enquadrar no bloco dos oficialmente idosos, por isso, não me considero reclamando em causa própria. Minha motivação é a de não conseguir compactuar com tanta injustiça, com tanta covardia. É a de ver os esforços de quem trabalhou toda uma vida, sendo sacrificados em benefício daqueles que nunca fizeram nada. De ver os recursos a que tinham direito sendo desviados para corrupção. De terem suas vidas – o final de suas vidas – trocadas por um sucesso econômico fundamentado no logro, na desonestidade e na injustiça.
Célia Borges
Nenhum comentário:
Postar um comentário