O cidadão razoavelmente informado, que ouve, vê ou lê algum noticiário, já deve ter tido, em algum momento, noção da existência dessa entidade subjetiva chamada “mercado”, que os melhor informados podem traduzir automaticamente por “mercado de capitais”. O tal mercado tem influencias mais amplas além de apenas as Bolsas de Valores, mas essas são as arenas do grande circo econômico, onde o Sr. Mercado pode demonstrar cabalmente a sua força..
O Sr. Mercado, para simplificar nosso raciocínio, é o “dono do dinheiro”. São os banqueiros e demais detentores das grandes fortunas mundiais, oriundos dos mais diversos países (inclusive alguns bastante pobres), e donos de recursos cujas origens não parecem interessar a ninguém. São ricos, e pronto.
Ninguém quer saber se ou de quem roubaram, quantos e a quem mataram, para amealhar seus tesouros. De vez em quando um escândalo pipoca pelo mundo, pondo às claras bastidores das mais sujas negociatas, que sustentam algum desses magnatas desavisados, que não foi suficientemente esperto, ou por uma maré de má sorte, acaba “dando com os burros n’água” (desculpem, mas adoro essas expressões do tempo da minha avó). Mas o mercado, como um todo, continua incólume, e cada vez mais fortemente afortunado, absorvendo rapidamente os rescaldos do incêndio alheio.
A função do “mercado” deveria ser a de prover os paises dos investimentos necessários ao seu crescimento. Mas o “mercado” não investe, ele especula. Ou, sejamos justos, ele até investe... mas especula muito mais. Porque a especulação atende melhor à expectativa de lucros, quanto mais fáceis e imediatos, melhor. O “mercado” até parece uma criança que acredita em Papai Noel, sendo que o bom velhinho deles é aquele capaz de promover a produção de lucros e mais lucros, sem qualquer limite.
O mercado não sabe, coitado, que a produção de bens, pelo planeta e por sua população, tem um limite. Como criança insatisfeita, ele quer ganhar mais, sempre mais, cada vez mais. Mesmo que para isso tenha que usar de recursos artificiais e eventualmente desonestos, na ingênua crença de que não vai ter que prestar contas do que faz. O problema é que a ingenuidade do mercado nos custa muito caro. Porque o mercado não quer perder dinheiro “nem que a vaca tussa” (olha eu aí, de novo). E quem vai pagar a conta, no fundo, somos todos nós, não importa quanto nos custe.
O exemplo disso esta aí, nas páginas de todos os jornais, nas rádios e nas TVs: o “mercado” pisou na bola, especulou demais, gastou demais, e agora os governos dos mais diversos países vão precisar lançar mão dos recursos de suas reservas, para financiar a “recuperação” de um bando de milionários que se comportaram mal. Por que afinal, o povo pode ficar sem o feijão com arroz, mas o “mercado” não pode sobreviver sem seus jatinhos, seu champagne e seu caviar.
O mercado, coitado, também não sabe fazer contas. Se soubesse, as indústrias automobilísticas jamais poderiam trabalhar com a previsão de crescimento que prometeram ao seus acionistas. Como produzir tantos mais veículos da cada ano, sem acompanhar o crescimento da renda “per capita” mundial para absorver tal produção, sem o crescimento do número de motoristas pelo mundo que justifique tal quantidade? Será que tais “gênios das finanças” não percebem que todo crescimento tem limites? (ou será que sou só eu, e nesse caso, estou mesmo falando sozinha?!?!?!)
A crise que nos ameaça é um reflexo da falta de cérebros no comando dos países. Faltaram administradores, diplomatas e cientistas que conseguissem enxergar além dos interesses políticos imediatos, prevendo e impedindo que as economias dos paises e blocos econômicos ficassem reféns do mercado, como se encontram agora. Não é por outro motivo que os governos tem se mobilizado tanto no esforço para “salvar’ empresas e nichos econômicos. No fundo eles sabem que não mandam mais nada, e que as economias nacionais são reles prisioneiras do Sr. Mercado.
O Sr. Mercado, entretanto, é uma entidade que não tem pai nem mãe, que não vai à missa, nem presta contas à ninguém, de seus mandos e de seus desmandos. E ainda não deu sinais de que esteja disposto a abrir mão de seus privilégios, para manter a economia mundial funcionando. O Sr. Mercado precisa, exige, remuneração cada vez maior para o seu capital, não importa que seja à custa dos empregos de alguns milhões de pessoas ao redor do mundo – e no nosso país também.
Caprichoso, ganancioso, egoísta e cruel, o Sr. Mercado segue fazendo seus estragos, e não acredito que todos esses trilhões de dólares liberados por norte-americanos e União Européia, além dos tigres (ou seriam gatinhos) asiáticos, sejam capazes de sacia-lo. Não há riquezas, suor e vidas suficientes para saciar uma sede por lucro sempre crescente. É como se tivéssemos um emprego, e a cada mês quiséssemos ter um ganho real de 1% a mais. Nosso patrão iria à falência, e nos perderíamos o cargo.
O Sr. Mercado precisa cair na realidade, mas enquanto for essa entidade subjetiva, dando guarita à um punhado de egos insaciáveis, não há meios de se vislumbrar um fim para a crise. O Sr. Mercado tem um exemplo brilhante da sua mentalidade, no comportamento dos bancos brasileiros, que segundo o noticiário de hoje (28/01/2009) pensam em aumentar os juros ao consumidor, diante de uma expectativa de aumento da inadimplência.
É claro que aumentando os juros, a inadimplência vai aumentar. Aliás, se os bancos não estivessem sustentando tão monumentais recordes de lucros, durante tantos anos, seria até provável que a inadimplência de seus clientes fosse infinitamente menor do que a que tem sido verificada. É um caso típico de transferência unilateral de renda, dos pobres contribuintes para a rede bancária, na usura institucionalizada e até protegida pelo Estado cúmplice. Cúmplice dos banqueiros, cúmplice do Sr. Mercado.
A solução da crise é uma simples questão de matemática e bom senso. Mas passa por reeducar tanto o caprichoso Sr. Mercado quanto às demais autoridades, para verem que lucro menor é melhor do que nenhum, e que ele é muito mais seguro se for distribuído em maior escala, beneficiando o conjunto da população, com a criação de mais sólidos “mercados”... Como diria a minha avó, é muito simples: só falta ver quem é que vai amarrar o guizo no tigre...
Célia Borges
28 de janeiro de 2009
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