A apologia que o Presidente da República faz à sua própria ignorância seria ridícula, que alguém ainda se desse ao trabalho de achar alguma coisa nesse país ridícula, ou se a maioria da população tivesse discernimento para avaliar esse comportamento. Mas o caso é que não tem.
Há alguns poucos anos, ao abrir solenemente uma Bienal do Livro, nossa autoridade maior declarou que só havia lido um livro (ou seriam dois?) em toda a sua vida. E não disse isso encabulado, envergonhado, jurando que iria tentar se informar e aprender mais. Disse com indisfarsavel orgulho, como se estivesse se gabando da própria ignorância.
Tudo isso só confirma uma cena do folclore palaciano, que circula na internet há anos, segundo a qual numa reunião de ministros “sua excelência” teria dito a um deles que, “o que é que adianta ter tanto diploma? Eu não tenho nenhum, mas quem manda aqui sou eu”. Não sei se tal cena existiu, mas diante dos fatos, quem duvidaria disso?
O grande problema da ignorância, é que ela existe frequentemente associada à arrogância. Que lê, estuda, sabe das coisas, tem necessariamente a consciência de que ainda há muito o que aprender. O ignorante, que não tem a menor idéia do que pode aprender, esse acha que sabe tudo, que não precisa aprender nada.
Ao elogiar insistentemente a ignorância, e administrar o país dentro de conceitos que desvalorizam o conhecimento, nosso presidente está trafegando na contramão da história. Ele não tem noção, por exemplo, de porque os países do hemisfério norte integram aquilo que se convencionou chamar de “primeiro mundo”. Não tem idéia de que foi justamente através da educação de suas populações, da erradicação do analfabetismo, contando com uma força de trabalho cada vez mais qualificada, que chegaram à liderança do crescimento e do desenvolvimento.
Apesar das suas tantas viagens, o presidente não se deu ao trabalho de perceber que os outros países que disputam conosco a condição de “economias em expansão”, como a China, a Índia, a Coréia, estão baseando seu crescimento em maciços investimentos em educação, na multiplicação de escolas, universidades e centros de pesquisa, visando dar respaldo tecnológico ao desenvolvimento econômico pretendido.
No Brasil, entretanto, parece que a maioria acredita que estudar não é preciso. E o presidente da República está aí para provar e repetir insistentemente que ele não precisou estudar para chegar onde chegou. Então, por que é que o resto do povo precisaria? Além dele, alguns milhares de outros semi-analfabetos e iletrados ocupam cargos de comando, especialmente os oriundos do Poder Legislativo, onde a única competência que se exige atualmente é que seja “bom de voto” e ajude aos partidos a se perpetuarem no poder. Gente com educação, cultura, espírito crítico, tem restrito acesso, e os que se elegem, tem carreira curta na nossa rotina política.
A população segue o exemplo dos seus líderes. Já houve época em que os pobres, justamente para sair da linha de pobreza, se esmeravam na educação dos filhos. Hoje, há tantos apelos para ganhar dinheiro fácil, para se “fazer na vida” sem esforço, que a educação, e ainda menos, a boa educação, deixou de ser prioridade. Não é preciso mais ser professor, médico, engenheiro, economista, advogado. Quem ganha dinheiro mesmo são os jogadores de futebol, modelos, atores e atrizes... E tem também a carreira política, onde, se não se elege, sempre pode fundar uma ONG. Em último caso, ser selecionado para o próximo Big Brother, também promete um futuro radioso. Para uma minoria, é claro... mas a maioria nem quer saber desse detalhe.
Acho que foram os poetas e os artistas quem primeiro, como sempre, despertaram para essa condição. Como cantou Zé Ramalho, “Eiaô, vida de gado/povo marcado/povo feliz”. E é isso que se vê, como nunca antes nesse país, pelas ruas das cidades e estradas do campo. Cada vez mais gente que não pensa, que não quer pensar, que tem medo de pensar. O analfabetismo puro e simples está dando lugar ao analfabetismo funcional, que é o daquelas pessoas consideradas alfabetizadas para fins de escolaridade, mas que são incapazes de conceber o mais primário dos raciocinios, e ainda que isso interfira em suas próprias sobrevivências, como as questões de higiene pessoal e familiar, ou seus direitos como cidadãos.
Nunca antes na história desse país, como agora, o povo foi pago para não pensar. Basta ter bastantes filhos, que a comida chega à mesa. E o resto, Deus dará. Ou o presidente Lula... A dívida educacional e cultural que está sendo criada para com a população, por conta de tanta ignorância e estupidez, provavelmente nós não estaremos aqui tempo suficiente para avaliar.
Hoje, oferecer um livro para um adolescente ler, é recebido como uma ofensa. E talvez para a maioria dos adultos também. Ainda bem que ainda sobra uma boa parcela da população que gosta de ler, de estudar, de se informar. Mas se o elogio à ignorância continuar sendo feito com tanta persistência, não duvido que há de chegar o dia em que ainda vamos nos envergonhar de sermos estudiosos, cultos, leitores de livros. Já somos minoria, qualquer dia entraremos em extinção.
Célia Borges
15 de janeiro de 2009
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Um comentário:
Célia, fazia tempo que não lia uma reflexão tão verdadeira e aprofundada sobre a nossa realidade. Sabe quando você lê e pensa: é isso o que eu gostaria de escrever e (pagar para) publicar na primeira página do Estadão...
Sou sua fã, você sabe disso né?
Grande beijo e não perca as esperanças amiga, gostaria de sua autorização para linkar este artigo lá no blog.
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