31 de março de 2008

ALDEIA GLOBAL XXIII – Abaixo o “foro especial” para autoridades

Todos são iguais perante a lei. Menos os deputados, senadores, governadores, promotores, procuradores, juizes, desembargadores, ministros, presidentes e vice-presidentes da República. Quem lê sempre essa coluna vai pensar que a frase é minha, mas na verdade ela abre um artigo do deputado federal Marcelo Itagiba no jornal O Globo de hoje (31/03), onde escreve sobre sua proposta de emenda à Constituição federal (PEC n0 130), destinada a acabar com o foro especial para o julgamento de crimes dos quais sejam acusadas autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A minha confiança na classe política é bem reduzida, mas quando aparece alguém com uma iniciativa dessa natureza, não tenho dúvidas de que merece apoio. Segundo o deputado, a proposta foi elaborada com base em preceitos defendidos pela Associação dos Magistrados Brasileiros, em seu seminário “Juizes contra a corrupção”, e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Mas creio que, para que ela seja aprovada até as últimas conseqüências, vai ser preciso uma grande mobilização da opinião pública, capaz de deter o corporativismo dos poderes.

Só costumo publicar textos que eu mesma escrevo, mas nesse caso me atrevo a transcrever abaixo outros trechos do artigo do deputado, que considero brilhante: “ É injustificável a manutenção da prerrogativa do chamado foro privilegiado nos ilícitos penais, em favor de quem quer que seja, perante o Supremo Tribunal Federal ou quaisquer outras cortes. Tal prerrogativa está degradada à condição de inaceitável privilégio, que transgride o principio de igualdade e promove o desequilíbrio da cidadania, com enormes danos, próximos ao irreversível, à crença num país justo”.

E ele continua: “O foro privilegiado é um direito que já nasceu retrógrado e injusto. Não podemos mais continuar nos reconhecendo, vergonhosamente, como um país formado por milhões de pessoas que têm seus direitos primordiais negados – e o à Justiça é um deles – e uma minoria de “cidadãos especiais” cujos privilégios os aproximam da impunidade”.

Não vou transcrever o artigo inteiro por respeito ao direito autoral, mas acho importante sua conclusão: “Somos um país cuja desigualdade vai do supermercado aos tribunais, onde o homem comum, na condição de réu e de vítima, não recebe qualquer tratamento privilegiado. Não é possível que autoridades continuem se alimentando do privilégio de responder a acusações de crimes comuns em cortes especiais num país que tem fome e sede de justiça”

Nunca votei no Sr. Itagiba nem tenho opinião formada por seu desempenho em Brasília, mas com essa postura, passou a merecer pelo menos o meu respeito. Hoje são muito poucas as figuras do nosso Congresso sobre as quais posso dizer o mesmo. Surpreendentemente, encontro uma ou outra figura ética, e nos mais variados partidos. E já vi também, muitos desses que considerava éticos, debandarem para o lado do inimigo. Confiar no deputado talvez já seja um exagero, mas apoiar sua iniciativa, e lutar por ela em todas as frentes possíveis, isso é uma exigência da cidadania.

Célia Borges

Um comentário:

Antonio Sebastião de Lima disse...

Prezada jornalista. Transcrever trechos de artigos, citando a fonte, não é pecado algum. Li seu artigo anterior sobre o judiciário. A matéria não é simples, por isso mesmo, vou abordar o assunto em partes no meu blog. O fim do foro privilegiado é uma tese que defendi há alguns anos, inclusive em 1987/1988, quando a assembléia constituinte estava ativa. Insisti nessa tese em artigo publicado na Tribuna da Imprensa (vou ver se encontro no meu arquivo). Fiquei contente quando soube que, finalmente, ela se tornara projeto de emenda constitucional. Em uma república democrática que repousa sobre o princípio da igualdade, da publicidade e da responsabilidade, esse privilégio soa como sobrevivência do regime monárquico, um anacronismo na vigente ordem constitucional brasileira.