Um verdadeiro tesouro artístico, relíquia da arte moderna brasileira, se abriga discretamente no Parque Nacional do Itatiaia: as pinturas feitas por Alberto da Veiga Guignard nas portas, janelas, paredes e traves da cabana, e na sede do Hotel Donati, onde morou nos anos 40. Considerado um dos mestres da nossa pintura, seus quadros alcançam altas cotações no mercado de arte internacional, ao nível de Portinari e Tarsila do Amaral.
Embora não se comparem em valor à maioria de seus quadros, os trabalhos de Guignard no Hotel Donati são característicos de uma certa faceta do pintor, que transbordava criatividade além do limite das telas e outras bases tradicionais, e pintava sobre as mais variadas superfícies, atendendo a pedidos ou segundo sua própria inspiração.
Dono de uma personalidade das mais originais, a biografia de Alberto Guignard mostra que os inúmeros conflitos de sua vida pessoal se contrapõem a uma produção artística repleta de leveza e alegria, com destaque para as paisagens e cenas populares, com seus balõezinhos coloridos. O domínio rigoroso da técnica, desenvolvido através de seus estudos na Alemanha, se dilui numa busca de simplicidade, que o leva a ser frequentemente confundido como primitivo.
Guignard nasceu
No ano seguinte a mãe casou-se com o barão Ludwig Von Schilgen, radicando-se em Vevey, na Suíça. Guignard foi mandado estudar agronomia e zootecnia em Munique, em 1915, mas adoeceu e voltou para casa. Percebendo o talento do filho para o desenho, a mãe matriculou-o em 1917 na Real Academia de Belas Artes de Munique, onde estudou, alternando períodos em Grasse, na França, e em Florença, na Itália, além de algumas viagens ao Brasil, para onde retornou definitivamente em 1929.
Em 1922 começou a participar de exposições na Europa. Em 23 casa-se com uma estudante de música alemã, Annie Doering, mas o casamento dura apenas a lua de mel. Sem sorte no amor, Guignard se recompensa na arte. Em 24 ganha menção honrosa no Salão Nacional de Belas Artes, em 28 participa do Salão de Outono de Paris e da Bienal de Veneza. Em 29 ganha medalha de bronze no Salão Nacional de Belas Artes, e expõe também no Salão dos Independentes de Paris e no IX Salão de Artes de Rosário, na Argentina.
A volta ao Brasil marca uma temporada de sucessos e intensa produção. No ano seguinte faz individual
Di Cavalcanti dizia que ele era um santo. Amigos e alunos referiam-se a ele, frequentemente, como um anjo ou uma criança. Num ponto todos concordavam: vivia com a cabeça nas nuvens. Era proverbialmente um distraído, o que era agravado por seus hábitos boêmios e pelo excesso de bebida. Vivia em dificuldades financeiras, mas quando vendia um quadro – e já vendia muito bem naquela época – gastava o dinheiro comprando balas e brinquedos para as crianças.
Essa generosidade também se manifestava quanto ao seu trabalho, e Guignard não era exatamente um bom gerente de sua produção: doava seus quadros para as moças pelas quais se apaixonava, platônicamente aliás, e também a amigos e conhecidos, trocando-os às vezes por quantidades de cerveja e outros materiais de que necessitasse no momento.
Em 1940, depois de uma temporada em Friburgo, sua terra natal, Guignard refugia-se
As pinturas feitas por ele nas portas externas e internas, janelas, vidraças, paredes e traves, tanto da cabana que ocupou quanto na sede do hotel, foram sua forma de pagamento pela hospedagem e hospitalidade. Elas são os exemplos mais frequentemente citados do transbordamento criativo, que produziu pinturas em janelas e móveis ainda preservados no Pouso Chico Rei e na casa de Rodrigo de Melo Franco de Andrade (ambas
Muitos desses trabalhos foram destruídos, e outros tantos preservados, como uma Paisagem de Minas, de 1945, óleo sobre laje de 50m2, na Rua Caraça 200, em que a casa foi demolida mas a pintura preservada, e integrada ao prédio construído no lugar.
Célia Borges
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