Essa discussão pode ser irrelevante nos estados em que o autoritarismo ainda predomina. Mas nos chamados “estados democráticos” ela deveria ser alvo de uma reflexão diária de cada cidadão, assim como quem profere uma oração. Porque é inquestionável a vocação de governos e poderes a se entrincheirarem em privilégios que os afastam do interesse comum. O poder corrompe, distorce as prioridades, alimenta vaidades, e isola as lideranças dos verdadeiros objetivos para os quais foram criadas. E cabe ao cidadão estar atento, estabelecendo limites ao poder do estado, para não ser engolido por ele.
A recente invasão de estudantes à reitoria da Universidade de Brasília, e seu desfecho, com o afastamento do reitor, mostram bem como a reação de cidadãos – e eu me sinto extremamente orgulhosa de ser compatriota desse grupo de pessoas que conseguiram seus objetivos driblando a violência – podem fazer diferença no restabelecimento da lei e da ordem, quando elas são tão nitidamente, tão obviamente, transgredidas. Estudantes, professores e funcionários daquela universidade, não estavam motivados por quaisquer dissenções de ordem política, mas por uma rigorosa exigência de respeito e responsabilidade no trato com os bens públicos. Sejam eles materiais, como os recursos financeiros desviados de seus objetivos, sejam subjetivos, como a falta que fizeram no conjunto da educação pública no país.
Esse episódio teve o mérito, além de seus próprios resultados práticos com o afastamento do reitor, de confirmar o quanto a força da opinião pública pode ser decisiva no combate à corrupção, à impunidade e à arrogância que parecem ter tomado de assalto a maioria dos setores da administração pública. Às vésperas de pedir licença do cargo, o reitor declarava nos noticiários, pura e simplesmente “não saio”. Não se dispunha a discutir, justificar ou se desculpar pelos desmandos. Iludido por uma garantia de impunidade que não se concretizou, ele resistiu até o último minuto. E acabou saindo pela porta dos fundos.
O que se tratou, nesse caso, foi de medir forças: por um lado a arrogância autoritária de um cidadão que achava que podia tudo, que se situava acima da lei e do interesse coletivo, contra a força da opinião daqueles que discordaram desse ponto de vista e se dispuseram a lutar por suas convicções. Um a zero. O Ministério Público Federal assumiu sua responsabilidade, o reitor está temporariamente afastado, o processo instaurado, e nós, aguardando para ver o resultado. Torcendo para que o Sr. Mulholhand não volte para o cargo. Pelo menos para esse cargo de reitor da UNB. Pelo menos até que o governo encontre uma solução ao gosto do momento, como um novo cargo, para premia-lo pelos deslizes ampla e publicamente constatados.
“Não saio” é uma expressão que vem sendo repetida por outras autoridades, de mais de um dos Poderes, à título de resistência à circunstâncias que desafiam a opinião pública. Foi assim com Severino, foi assim com Renan Calheiros. Quantos foram os ministros já que caíram, depois de igual manifestação de arrogância? Perdi a conta. Lembro do Zé Dirceu. Mas são tantos os ministros, e tantos os mal-feitos, que não dá pra lembrar de todos. Ah, tem aquela senhora da Integração Racial!!! Enfim, por mais apoio que recebam do nosso presidente da República – e por mais aprovação que esse presidente receba nas pesquisas de opinião – eles acabam caindo. Por menor que seja a nossa consciência dessa força, a opinião pública, em maior ou menor escala, ainda continua fazendo diferença. Principalmente quando conta com a sintonia da imprensa.
É pena que a educação deficiente da maioria da população torne a força da “opinião pública” um poder ainda incipiente em nosso país. Mas mesmo atuando apenas em alguns poucos momentos e circunstâncias, é inquestionável a sua influência. E ela tem sido exercida em momentos cruciais da nossa história recente. Ela é o derradeiro reduto da ética e da moralidade, o “cartão vermelho” que a população dá a quem não “anda direito”. Ela é o lembrete aos poderosos, de que governos existem para servir à população e não o contrário. Afinal, “todo o poder emana do povo, e em seu nome deve ser exercido”. Não é isso que diz a nossa Constituição?
Célia Borges
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