18 de fevereiro de 2010
ALDEIA GLOBAL – O Haiti que nos rodeia
Foi comovente ver a mobilização do povo brasileiro para ajudar as vítimas do terremoto no Haiti, em 12 de janeiro. Além dos esforços da sociedade, através de campanhas e doações, o governo “tirou da cartola” alguns milhões de dólares, em dinheiro e outros tipos de doações, inclusive com grande mobilização de pessoal especializado, entre civis e militares. De certa forma, fico orgulhosa de ver tanta solidariedade e calor humano, tanto empenho em apoiar a população de um país vizinho, já tão pobre, e castigada por tão devastadora circunstância.
Somos campeões em generosidade. Principalmente quando se trata de ajudar “aos outros”. E quando escrevo “aos outros” não me refiro apenas a outros países. Há décadas me lembro de ver grupos de pessoas e instituições se desdobrando para ajudar vítimas da seca no nordeste, das enchentes no sul... quanto mais longe, mais desprendidos e generosos nos mostramos.
Não quero que esse comentário, em tom um tanto crítico, induza o leitor a erro: não sou contra nosso caráter generoso e solidário, ao contrário, acredito mesmo que ele faz parte da nossa natureza, assim como outros traços bem menos edificantes. Desse, pelo menos, eu posso me orgulhar. O que me assusta é essa nossa capacidade de ajudar a quem está longe, e não termos olhos solidários para toda a pobreza que nos cerca.
O Haiti tem cerca de 9 milhões de habitantes, dos quais dois milhões foram diretamente afetados pelo terremoto. O Brasil tem uma população mais de 20 vezes maior. E não tenho a menor dúvida que nela, cabem diversos Haitis. E não é preciso ser um pesquisador social, ir ao submundo ou aos canfundós do país. A nossa pobreza está todos os dias nos noticiários, e fica ainda mais explicita nesse período de chuvas intensas, revelando as moradias precárias, a falta de estrutura, o abandono a que estão condenadas tantas das nossas populações.
Apenas três dias depois do terremoto no Haiti, uma matéria n´O Globo mostrava que “No Brasil, 285 mil índios são miseráveis”. E no subtítulo: “Relatório da ONU mostra que comunidades correm risco de extinção”. Há anos leio e escrevo sobre grande quantidade de crianças indígenas que vêm morrendo de desnutrição e diarréia, mas jamais tomei conhecimento de uma mobilização da sociedade ou de um esforço concentrado por parte do governo, para enfrentar essa situação. Indios não dão voto e suas dificuldades não alcançam as primeiras páginas.
As estatísticas garantem que com políticas como o Bolsa-Família, tiramos alguns milhões de brasileiros da linha de pobreza. Será que R$ 100 reais por mês é capaz de fazer esse milagre? Estatísticas são apenas estatísticas, onde os cidadãos estão reduzidos a números. E nelas nunca aparece muito destacada a quantidade de população que vive em condições miseráveis.
Não precisamos nem de terremoto. Se em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, e suas respectivas regiões metropolitanas, podemos assistir ao drama de dezenas de milhares de pessoas desabrigadas pelas chuvas, imaginemos apenas o que pode estar acontecendo nos rincões mais distantes do país, e que não chegam ao noticiário.
A diferença, e o que nos imobiliza, é que enquanto para ajudar a quem está longe basta mandar dinheiro, roupas e mantimentos, para enfrentar a nossa precisamos de participação, reivindicações e cobranças às nossas autoridades. Mas para os nossos pobres, achamos que já pagamos impostos, e isso basta. Para que lutar por eles, se é tão mais fácil nos acomodarmos e permanecermos omissos? Para ajudar a reconstruir o Haiti, mandamos doações e dinheiro. Para solucionar a nossa pobreza, a maioria acredita que basta rezar, e pedir à Deus.
Célia Borges
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Um comentário:
Oi, parabéns pelo texto. Penso exatamente como você. O Haiti é aqui mesmo. Beijos.
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