13 de dezembro de 2007

V - Cidadania ou Partidarismo

Crer é morrer, pensar é duvidar... Adoro essa frase poético-filosófica de Fernando Pessoa, pois ela encerra a minha mais profunda convicção, com relação ao mundo e à vida. Outra frase que diz mais ou menos a mesma coisa é a da música popularizada por Milton Nascimento: “Fé cega, faca amolada”. Não é que eu queira contestar a crença ou a fé de cada um...isso é questão pessoal, e eu não discuto religião, simplesmente porque respeito todas.
A crença e a fé a que me refiro, no caso, são aquelas que, muitas vezes ingenuamente, e indevidamente, dedicamos aos nossos próprios semelhantes, indivíduos ou grupos. É o engajamento radical a algum partido político, a uma torcida de futebol, ao fã-clube de um artista da moda. É o culto à personalidade, tipo “getulismo”, “lacerdismo”, “brizolismo”, “peronismo” e por aí vai. É aquele estágio de comportamento que beira, ou já chegou, ao fanatismo.
Por mais que gostemos, admiremos, queiramos apoiar pessoas, grupos ou personalidades, nada nos impede de manter uma reserva de “livre-arbítrio”, uma margem de “consciência pessoal” com relação à tudo o que nos cerca. Creditar a outros uma perfeição que nem nos mesmos temos, entregar-se sem reservas ou espírito crítico aos desígnios de terceiros, esse é o papel de quem desistiu de pensar, abriu mão da própria personalidade, abdicou da cidadania.
Tudo isso é pra falar da minha perplexidade diante da confusão que encontro, no dia a dia, entre os conceitos de cidadania e partidarismo. Existe uma tendência em nossos dias, de ver todas as questões políticas sob o ponto de vista de uma polarização do tipo “quem não é à favor, é contra”. Pior que isso, “quem não é à favor de tudo o que acontece no país, é contra o governo Lula”. É claro que, num regime presidencialista como o nosso, o governo e o presidente são, em última análise, os responsáveis por tudo.
Mas convenhamos, Lula não é Deus – embora às vezes ele pareça ter essa ilusão – e o “governo” não é o reino dos Céus...Todos eles, como nós, são humanos e portanto, passíveis de errar. Então não dá pra entender porque é que, quando eu reclamo da “farra” dos Bancos, com seus lucros estratosféricos; contra o abuso do mau atendimento nas agências; contra as tarifas exorbitantes e desnecessárias; contra a diferença absurda entre os juros que cobram e os rendimentos da poupança, aí tem sempre alguém pra me dizer: “Ah, mas o governo está acabando com a miséria, dando bolsa-família, bolsa-escola...etc...etc...
Se eu reclamo dos Bancos, sou contra o governo. Se reclamo dos Cartórios, estou falando mal do governo. Se critico os políticos corruptos, eu sou contra o Lula. Todos nós sofremos, e constatamos “na carne” as dificuldades do país em termos de educação, saúde, meio ambiente, cultura....mas se alguém abre a boca pra reclamar...ah, está contra o governo. Por acomodação, ignorância ou fanatismo, essas pessoas cometem o erro de pensar que é se calando que estão colaborando com “o governo”.
Cidadania não tem nada a ver com partidarismo. Ou até pode ter, mas não no sentido que se atribui atualmente. Quando levantamos a nossa voz para reclamar daquilo que não funciona, quando nos mobilizamos pra denunciar carências e deficiências em nossa comunidade, quando nos preocupamos em manifestar nossas opiniões, eventualmente críticas, quando nos organizamos para reivindicar melhores condições sociais, melhor qualidade de vida, não estamos “criticando o governo” pura e simplesmente, mas estamos dando a ele os subsídios para as suas próximas ações.
É sempre bom nos lembrarmos que o Poder é exercido de forma transitória – hoje um partido está na presidência, amanhã pode ser outro – mas as instituições são perenes. Se não formos nós mesmos a colaborar, tanto com o Poder transitório quanto à competência e eficiência das instituições - políticas, sociais, culturais e etc... – estaremos definitivamente reféns dessa falsa polarização do “pró” e do “contra”. E nessa guerra de interesses dos outros, vamos nos esquecendo, vamos abrindo mão, de lutar pelos nossos próprios interesses, como indivíduos, como comunidades, como nação.
Não importa se o presidente é do PT ou do PSDB, se é do DEM ou é do PRONA. Importa é que na escola do seu filho não tem os professores necessários, e aí, você tem que reclamar. Importa se precisou de um médico no Posto de Saúde e não encontrou, então você tem que reclamar. Importa é se a mata está pegando fogo na frente dos seus olhos e ninguém faz nada, aí você tem que reclamar...Se você está sendo lesado, desrespeitado, espoliado, você tem que reclamar. Você não vai estar contra o governo, você vai estar lutando pelo aperfeiçoamento das instituições que o regulam, e das quais depende a sua própria vida. E se o governo que você quer, o presidente que você admira, não respeitarem a sua opinião, então é porque não merecem seu apoio, sua participação.
Ninguém é perfeito, nem nós, nem governos. Mas lutar por melhorias na nossa comunidade, por um país melhor, por um mundo melhor é uma oportunidade que só temos uma vez...e é durante essa nossa vida. Muitos preferem se acomodar, preferem em nome de religiões, acreditar no “Deus dará”. “Procure a paz pessoal e deixe o barco correr”. Considero que pensar apenas em sua “paz pessoal” e não usar sua força, sua energia, sua inteligência pelo bem de todos, é covardia. E não acredito que covardia leve ninguém ao “reino dos céus”...
Célia Borges

Um comentário:

amarnempensar disse...

Oi Célia..Gostei muito de seus escritos.Parabéns...cibelesb@linkway.com.br