23 de novembro de 2012

Brasil, o país do "faz de conta"

O titulo acima não é original, e já foi estampado em livro, e em inúmeros artigos, mas o que vêm acontecendo nos nossos dias o torna muito, e cada vez mais, atual. Meu primeiro choque com a consciência desse faz de conta veio por um artigo do ex-ministro da Educação Cristovão Buarque, e no qual, numa única frase, ele sintetizou a situação da maior parte da nossa população, em relação a esse tão importante setor da nossa vida e da administração pública: “No Brasil, os professores fazem de conta que ensinam, e os alunos fazem de conta que aprendem”. Isso foi logo no início do primeiro mandato do Lula, quando esse admirável criador do “bolsa-escola” foi defenestrado, por conta de suas posições tão éticas quanto desconfortáveis para o governo. De lá pra cá, sua brilhante ideia inicial foi desdobrada em todo o tipo de oportunismo e manipulação política, com a distribuição de variados tipos de bolsa, invertendo totalmente o seu objetivo, que era privilegiar a obrigatoriedade do ensino e investir na educação. Que afinal, na equação desenvolvimentista do governo petista, acabou em último plano. E para constatar isso, é só olhar em volta. É claro que esse “faz de conta” não começou com o novo século, nem com os governos petistas, mas é desalentador observar que o que era antes uma questão de “interpretação da realidade”, acabou se transformando numa pura e simples negação da realidade, e a sua substituição por uma espécie de nova realidade dialético-virtual, ou popularmente “tapar o sol com a peneira” via satélite. Para o grande contingente de analfabetos funcionais desse país, o que a televisão anuncia, é a verdade. O rádio tem igual credibilidade. E se a autoridade declara, o povo acredita. Ou faz de conta que acredita...quando se acomoda e não questiona, o que é o comportamento da maioria. Não existe mais respeito à opinião pública, porque as nossas autoridades “decretaram” informalmente que não existe opinião pública. Afinal, se “como nunca antes na história desse país” tivemos um presidente que não lê, e que ainda declarou isso com uma espécie de orgulho, então até faz sentido que a maior autoridade do país “não sabia de nada” das falcatruas ocorridas durante seu governo. E dessa maneira, faz de conta de que nunca aconteceram. E digam o que quiserem ao contrário... porque não “estamos nem aí”. Então, e por conta desta aparentemente aceita negação da realidade, todos os absurdos passam a ser possíveis, tanto nos poderes executivo, legislativo e judiciário, quanto nas diversas instâncias da administração pública, federal, estadual e municipal. Todos os dias somos brindados com mais exemplos de desonestidade, o que deflagrou uma espécie de “licença geral” para que cada um, empresas, pessoas e imprensa, torçam a realidade em seu proveito, antecipadamente justificados, e se acreditando “isentos de culpa”, diante do clima de impunidade que nos cerca por todos os lados. Se o presidente, ou a presidente, anunciam uma medida hoje e são desmentidos pelos fatos na semana seguinte... tudo bem!!! Então as empresas concessionárias de serviços podem fazer cobranças indevidas, e esperar que os incautos não percebam, e assim ela vai aumentando seu lucro. Bancos e cartões de crédito também se arriscam a “cometer erros” sempre a custo do cliente, mas tudo bem, é só um engano, e você que passe meses tentando provar que tem razão. Empresas aéreas te deixam na mão, mas tudo bem, é assim mesmo... vivemos no Brasil, onde o cidadão, consumidor, contribuinte e eleitor, não tem direito à muita coisa. Você até pode reclamar, e se tiver um bom advogado, ter seu direito reconhecido. Mas se isso acontecer, pode se considerar uma “agulha no palheiro”. Vivemos num tal labirinto de leis que nunca são cumpridas, que fica até difícil saber onde começam e onde terminam nossos direitos. Engabelados pelas estatísticas oficiais, que fazem propaganda de uma prosperidade que não vemos, acreditamos que o país pode realizar eventos de grande projeção internacional, como uma Copa do Mundo de futebol, e as Olimpíadas, enquanto pessoas de todas as idades, mas principalmente crianças e idosos das faixas mais carentes de renda, ainda morrem na porta dos hospitais por falta de atendimento. A negação da realidade implica também num inversão de valores que nos remete às portas do caos social. Enquanto boas escolas e boas universidades poderiam nos redimir da dependência econômica, científica e cultural, seguimos na direção de um clientelismo sem volta, com bolsas de todos os tipos para matar a fome, mas sem a boa educação que ensinaria a pescar. Temos uma população enorme, cheia de jovens em busca de oportunidade, mas vamos importar mão de obra qualificada para sustentar nosso desenvolvimento industrial. A falta de educação já desponta como uma espécie de doença social hereditária, passada de pais para filhos, e justifica todo o tido de violência que podemos suportar. Um exemplo disso foi matéria veiculada hoje na TV, sendo entrevistado um jovem assaltante, de 20 anos de idade, que cometeu latrocínio contra uma senhora de mais de 70 anos. “A culpa foi dela”, diz o assaltante: “Eu não queria matar, só pedi a bolsa dela. Mas ela reagiu e eu atirei. Eu só queria roubar”... Amigo leitor, eu gostaria de fazer de conta que... sei lá!!! Ainda pudesse ser possível restabelecer a realidade, para vivermos num mundo de VERDADE!!! Célia Borges

12 de julho de 2012

DOM OTTORINO ZANON - UM ENSAIO DE HISTÓRIA

Frango, coelho, cabrito. Muita verdura e legumes...o que o colégio Dom Ottorino Zanon produziu, durante mais de duas décadas, era suficiente para alimentar seus alunos, e ainda distribuir o restante entre os demais colégios da rede municipal. Construído e fundado para ser uma escola para crianças carentes, o Dom Ottorino Zanon foi afinal uma completa instituição de ensino, com ênfase no ensino profissionalizante, e que chegou a ter uma gráfica e uma marcenaria, e até uma fábrica de vassouras, para o aprendizado de seus alunos e para conseguir os recursos para sua manutenção. O colégio foi criado pelo padre Flávio Azambuja no início dos anos 60, sensibilizado com o número de crianças órfãs e carentes da região, construído em terreno doado pelo Dr. Arnaldo Marzotto, e com apoio da comunidade local, especialmente os italianos que moravam em Penedo na época. Ele surgiu primeiro como um internato, sob o nome de Lar dos Meninos, mas posteriormente passou a semi-internato, aceitando também meninas, e como Patronato. O ensino profissionalizante foi um dos principais objetivos do colégio, de forma a dotar as crianças ali atendidas de um ofício que lhes garantisse o futuro. No amplo terreno foi iniciada a criação de pequenos animais, assim como uma horta para atender ao ensino de técnicas de agricultura e pecuária, que passaram a abastecer a cozinha do colégio. Com o aumento do número de alunos, e diante da grande área de terreno disponível, a produção também aumentou, chegando a abastecer a merenda de outras escolas, durante os anos 70 e 80, e até mesmo, depois da emancipação de Itatiaia, a rede escolar do novo município. Embora fundado, administrado e tendo professores padres e freiras, foi sempre um colégio leigo, sob o regime da secretaria municipal de educação de Resende até 1989, e após a emancipação, da secretaria municipal de educação de Itatiaia. Com a aposentadoria e falecimento dos religiosos no decorrer dos anos – inclusive do padre Azambuja, que é nome de rua em Resende – foram desmontadas, e vendidos os equipamentos da gráfica e da marcenaria. A criação de animais também foi reduzida, até acabar, restando no início dos anos 90 apenas a horta, assim como o curso de técnico agrícola. O COLÉGIO NUNCA FICOU ABANDONADO: NÓS CUIDADOS DELE O Dom Ottorino Zanon ainda tem na ativa, funcionários que ali trabalham há mais de 30 anos. Com mais de 25 anos, existem vários. É o caso da servente Maria Anália da Silva Esperança, que com 26 anos de serviço, tem o colégio como uma espécie de segunda casa. Alí estudaram seus quatro filhos, um dos quais é hoje engenheiro e trabalha na Embraer. E ali também ela aprendeu muito do que sabe hoje, como corte e costura, que estudou num dos muitos cursos que o colégio ofereceu para pessoas da comunidade, no decorrer dos anos. O curso de corte e costura servia para que as alunas fizessem os uniformes do colégio, e era mantido juntamente com os de crochet, tricot e bordado. “Muitas pessoas aprenderam uma profissão e tiveram meios de ganhar a vida graças aos cursos do colégio, porque além de atender aos estudantes, os padres sempre tiveram grande atenção para com a população. As verduras e legumes, por exemplo, eles vendiam o que sobrava para os funcionários e moradores do bairro”, conta Anália. Na época em que começou a trabalhar no Dom Ottorino, Anália diz que o colégio chegou a ter quase 2.000 alunos, que eram atendidos por onze ônibus escolares, trazendo estudantes de todos os bairros, devido aos cursos profissionalizantes: “Além do curso de técnico agrícola, que durou muitos anos, também teve o curso de formação de professores, e como era um dos poucos da região, vinha muita gente estudar aqui, até de outros municípios”, conta ela, que começou como funcionária contratada, fez concurso há 20 anos e hoje, aos 55 anos, já conta tempo para se aposentar. Maria Anália, que ainda tem dois sobrinhos estudando no Dom Ottorino, faz questão de lembrar que há funcionários mais antigos que ela, como a merendeira Cida, que já trabalha lá há 33 anos. Os professores mais antigos já estão lá tanto tempo quanto ela, cerca de 26 anos. Ela mesma quando fez concurso, teve a chance de trabalhar em outro lugar, mas preferiu ficar: “Essa escola é um caso de amor. Muita gente que chega aqui, não quer sair mais” comenta Anália, sorrindo. Ela só fica séria quando se pergunta pelas dificuldades que a escola passou há alguns anos, depois de perder os cursos profissionalizantes e ter passado mais de dez anos sem manutenção: “Não gosto de falar disso, porque não quero me meter em política. Só posso dizer que a escola não ficou abandonada, porque nós não deixamos. Vamos dizer que ficou meio adormecida. Mas nós cuidados dela nesses tempos difíceis, e é uma alegria ver que agora ela parece renascer, toda novinha e bonita”, diz ela. Maria Anália se refere às obras, que estão sendo concluídas neste mês de julho, e que reformaram completamente o colégio, do telhado ao piso. “Só tenho pena que não tenha mais os cursos profissionalizantes. Os jovens de hoje precisam muito aprender uma profissão, isso seria muito importante para não ficarem desocupados nem cair no vício”, diz ela. PORQUE UM ENSAIO DE HISTÓRIA Considero o texto acima um ensaio, porque ele é apenas um esboço de uma história muito mais ampla, e que eu gostaria muito que os leitores ajudassem a escrever. Ainda pretendo entrevistar, para jogar um pouco mais de luz sobre o assunto, outros funcionários antigos do colégio. Mas gostaria de ter contato com pessoas que tivessem estudado e trabalhado lá nos anos 60, 70 e 80, para que pudéssemos resgatar nomes, fatos e datas, e assim reconstituir uma história que, estou certa, deve ter muitos belos capítulos. Considero que a história é uma ciência dinâmica, e não aquele grupo de conhecimentos armazenados nos livros da estante. Aquilo que vivemos e fazemos, as nossas experiências pessoais, fazem parte de uma cadeia de informações que em algum momento vão se transformar em história. A nossa história individual é reflexo da nossa época, e partilha-la é uma forma de reconstituir o mosaico de conhecimentos sobre o momento em que vivemos. Assim, quem tiver a sua história dentro dessa história, seja benvindo para conta-la. Tive grande prazer em pesquisar e escrever esse pequeno ensaio de história, e tenho enorme alegria em partilha-lo com vocês. Célia Borges