16 de outubro de 2011

ALDEIA GLOBAL – O Horror Econômico, a Febre de Poder e a retomada de consciência do cidadão comum

A economia global já vem dando, há alguns anos, demonstrações de que segue como um trem fora dos trilhos... e que agora ameaça descarrilar de vez. Guiados por um conceito que toma a ganância como atitude muito natural, e refém dessa figura mítica em que se transformou o tal de “mercado financeiro”, para a qual o lucro é o único objetivo, a política e os negócios internacionais – através das pessoas que os exercem – foram tomados pela “febre de poder”, que desviou o foco das necessidades coletivas das populações, para se concentrar nos interesses corporativos de uma minoria de privilegiados...que são apenas os deles mesmos.
Assim, as manifestações populares iniciadas há poucos dias em Nova York - questionando as condições em que vem sendo gerenciada essa economia global - e que vêm se alastrando por outros países, não são exatamente uma surpresa. Aliás, sinceramente, acho que demoraram muito. Foi preciso que o nó apertasse o coração daquela que é ainda maior economia global, os Estados Unidos, para surgir uma reação à altura do problema. Num mundo em que só o dinheiro manda, fala mais alto quem ganha mais. Mas foi só os norte-americanos darem o primeiro grito, que a zoeria se espalhou... e agora as populações pelo mundo afora começam uma monumental retomada de consciência, e indo para as ruas na tentativa de dar um basta a esse estado de especulação e expropriação que nos assola, nos mais variados níveis.
O grande problema da economia global é que seus gestores, cansados de enganar “os trouxas”, também pretenderam dar uma volta na matemática, mas a ciência exata não é tão complascente como as pessoas, e chegou uma hora em que a conta não fechou mais. Parece brincadeira, mas é simples assim. Ninguém pode esperar lucrar sempre e mais, mas essa é a proposta das Bolsas de Valores. Não há como o crescimento aritmético das populações e das suas riquezas possam acompanhar uma busca de lucros em progressão geométrica. Mas o mercado financeiro se comporta como um dragão alucinado, que precisa de sempre mais. E quando falta dinheiro, maquia-se as contas, e inventa-se riquezas onde não existem... porque afinal, alguém vai pagar por isso, e não é o irresponsável que fez essa conta.
Todo esse quadro que hoje vivemos já foi – e muito bem – delineado, num livro que acompanha as minhas insônias há mais de uma década, “O Horror Econômico”, da ensaísta francesa Viviane Forrester. Publicado na França em 1996, e com edição brasileira em 1997, o texto nos mostra bem a dimensão da cegueira que já predominava no campo econômico, desde aquela época, na medida em que a remuneração do capital extrapolava condições realistas, em detrimento da remuneração do trabalho e outros investimentos não financeiros. O resultado dessa equação maldosa seria o do desemprego crônico de parcelas das populações, o que só vem se confirmando com o passar dos anos.
É lamentável que os doutos economistas, de aquém e d´além, com tanto acesso a informações, não tenham vislumbrado as conseqüências, e tentado evitá-las à tempo. Mas há o miraculoso fato de quanto os economistas são dados à sua própria prosperidade, como poderemos verificar nos currículos daqueles que foram autoridades no nosso país. Vários viraram banqueiros... essa deve ser a vocação natural de muitos economistas. Mas o fato é que não me lembro de nenhum que tenha levantado uma voz relevante, para avisar que navio muito pesado tem tendência para afundar.
E enfim, esse é que me parece o grande problema da economia global, o fator humano, e a febre de poder daqueles que detém os nossos bens – como o tal mercado financeiro – e os nossos destinos – os governantes de países e grupos de países. Como lembrar a quem anda de avião particular, transita em limusines, e vive em ambientes climatizados, que há gente com fome lá fora, que há desempregados sem ter como sustentar suas famílias, que a pobreza gera violência que afeta aos trabalhadores...eles já sabem muito bem de tudo isso, e têm a firme intenção de resolver todos esses problemas nos próximos anos... quando já tiverem realizado todos os seus próprios sonhos de consumo e de grandeza!!!!
Tenho a desagradável impressão de que, apesar de toda a “civilização” e tecnologia, nos aspectos humanos, continuamos séculos atrasados, sendo os reis e imperadores antigos, substituídos por novos déspotas econômicos, que decidem os nossos destinos ao sabor de suas ambições por mais e mais riqueza. O conceito de democracia está longe de atingir, se não a igualdade, mas pelo menos um certo equilíbrio econômico. Quem tem algum dinheiro, quer sempre mais... quem tem algum poder, não quer jamais abrir mão dele. E quem não tem poder nem dinheiro, vai reivindicar o quê e quando? Se o foco é cada vez mais poder e lucro, quando vai sobrar tempo e recursos para a ética, a igualdade, a fraternidade... tudo isso que todos os partidos, religiões e seitas pregam à exaustão, e que as corporações também prometem, sem a menor intenção de respeitá-las ou cumpri-las.
As manifestações que se multiplicam por países de todos os continentes, e mesmo descontando as motivações locais de muitas delas, confesso que me dá um certo alívio. Eu já vinha me perguntando que mundo é esse em que eu vivo, que apesar de toda a literatura de ficção, vem desembocando num 1984 atrasado, num Admirável Mundo Novo, num verdadeiro “rock-horror-show” sem Inteligência Criativa...Credo!!! Deve ser por isso que estou fazendo – e precisando muito – de terapia. O Horror Econômico, até além do que previa Viviane Forrester, está aí, batendo à nossa porta, e além de protestar, acho que nem sabemos mesmo o que é o caso de reivindicar.
Será que existe uma fórmula para combater o princípio da ganância que nos contagia, e que nos mantém prisioneiros da arrogância de quem tem mais dinheiro ou poder? Será que o erro está só nos outros, nos poderosos, ou também somos cúmplices, quando e se fazemos parte dessa corrente do lucro a qualquer preço? No momento em que temos a chance do “botar o nosso bloco na rua” para engrossar o coro em defesa de uma democracia verdadeira, que seja também uma democracia econômica, é tempo de também reconsiderarmos nossas próprias posições, e avaliar até que ponto estamos prontos para essa nova realidade, de retomar a consciência dos nossos papéis como cidadãos, e nos decidirmos a intervir na realidade.
No Brasil, além das motivações internacionais, temos razões demais para protestar. Em nenhum outro país se paga tanto imposto, em nenhum outro os juros são tão altos, pagamos caro para combater a miséria, mas ainda assim as filas nos hospitais são intermináveis, o atendimento na área de saúde é pra lá de lamentável...populações continuam habitando em áreas de risco, e morrendo às centenas à cada ano...a educação está sempre abaixo da crítica, não temos mão de obra adequada para um crescimento em expectativa...e a corrupção leva embora grande parte dos recursos que poderiam ser investidos em tudo...ainda vivemos na idade dos feudos eleitorais... São tantos os nossos problemas, que é difícil até decidir por onde começar.
A “febre do poder” é uma doença para a qual não se descobriu a cura, nem se desenvolveu nenhuma vacina. Ela se manifesta na forma da arrogância daqueles que chegam à uma situação privilegiada, e assim se acham superiores a todos e à tudo. Acomete sobretudo autoridades, como presidentes, senadores, deputados, juízes... e até categorias menos cotadas, como os reles vereadores.... até a pseudo-autoridades, como carguinhos em comissão, de gente que não sabe mandar nem em si mesmo...
Célia Borges