26 de junho de 2010

ALDEIA GLOBAL – Eleições e o “conto” da pesquisa de opinião



Eu gostaria de encontrar um matemático, ou um estatístico, que me desmentisse. Mas à luz do bom senso, não há nada que me convença de que essas tais pesquisas de opinião não passem de lenda. Alguém me explique, por favor, como é que num universo de mais de 200 milhões de habitantes, a opinião pública possa ser medida pelo que pensam duas mil pessoas.
Enquanto espero alguém que tente me convencer da validade dessas pesquisas, quero tomar a liberdade de fazer minhas próprias continhas: digamos que nós trabalhamos numa empresa com 100 funcionários, e precisamos decidir sobre uma festa, mas como não dá tempo de consultar a todos, os organizadores se valham de uma pesquisa de opinião. Que ouçam, por exemplo, 10% dos funcionários, ou seja, dez pessoas. Vai ser uma vitória extraordinária se a opinião dessas pessoas representar o pensamento de pelo menos metade dos funcionários. Se forem mil funcionários, os 10% seriam 100 pessoas, e mesmo assim é difícil acreditar que sua decisão satisfizesse pelo menos a metade, ou seja, 500 pessoas.
Agora, se tomarmos a proporção de 200 milhões para 2.000, eu enlouqueço a minha calculadora e não chego ao resultado. Deve ser coisa tipo 0,000001%, e nem sei se coloquei os zeros suficientes, o que na minha pouca compreensão da matemática, é algo como quase nada. Ouvir 2.000 pessoas numa eleição municipal, com um universo de eleitores de 200 mil habitantes, por exemplo, já é uma exorbitância, mas para fins estatísticos, talvez ainda seja razoável. Nas principais capitais, com populações de sete, oito, dez mil habitantes, duvido que a opinião de 2.000 representem significativamente alguma coisa. No país, então...
Além do número irrisório de entrevistados, o que facilita a realização de pesquisas tão freqüentes, me atrevo a questionar também os critérios na escolha de entrevistados. Dependendo de onde, como e quando, não é muito difícil orientar pesquisas para se obter resultados previsíveis. Não estou questionado a idoneidade deste ou daquele instituto de pesquisas, apenas a forma como estas são realizadas, e que apesar de serem feitas sem nenhum tipo de controle, ganham notoriedade como se fossem verdadeiros oráculos modernos.
Pesquisas de opinião com 2.000 entrevistados, talvez fossem mais representativas se houvesse uma escolha aleatória, envolvendo todas as unidades da federação e municípios, assim como as mais variadas categorias profissionais e sociais, coisa que parece impossível. Como se os entrevistados fossem sorteados pelo número do telefone... ou pelo endereço, como uma espécie de loteria. Mas nem todos tem telefone, e nem todos tem onde morar, então já excluiríamos assim uma parcela da população. Mas duas mil pessoas, em poucas capitais e cidades do país? Não vejo como, nem acredito, que seja possível avaliar o termômetro eleitoral dessa maneira.
Não escrevo isso devido ao aumento de intenções de voto em pesquisas, na candidata do PT. Essa é minha opinião há muito tempo, e até imagino que, dependendo de onde forem feitas as pesquisas, D. Dilma já possa até ser dada como eleita. Para minha grande tristeza, aliás, pois gostaria de eleger uma mulher como presidente, mas não esta. Mas não se trata de partidarismo, e sim de simples e pura descrença.
É bem provável que muitos leitores torçam o nariz diante dessa minha dúvida, e mais ainda, da coragem que estou tendo de expressá-la. A maioria das pessoas que conheço está tão acostumada a acreditar em todo e qualquer absurdo que os políticos, a imprensa, e as pesquisas de opinião nos impõem, que já perdeu o hábito de questionar. Aliás, o saudável hábito de questionar. Nos últimos meses, entretanto, depois que a opinião pública provou que ainda vale alguma coisa, pressionando o Congresso para a aprovação do decreto da “ficha limpa”, tive uma “recaída” da esperança de que o eleitorado nacional está despertando para suas responsabilidades. Então, acho que não custa nada “meter o bedelho” em mais esse nicho do processo eleitoral, contribuindo, quem sabe, para o seu aperfeiçoamento.
Meu poeta predileto, Fernando Pessoa, escreveu um dia uma frase lapidar: “Crer é morrer; pensar é duvidar”. E como eu penso, não só confirmo assim minha existência, mas privilegio o uso do meu cérebro por sua própria conta, e não na fácil crendice por contos antigos ou modernos. Se algum defensor dessas pesquisas tiver a chance de ler meu desafio, que me responda, por favor. Confesso que aguardo ansiosa por um debate.
Célia Borges