5 de abril de 2008

ALDEIA GLOBAL XXIV – Nós e os outros: a imagem do Brasil e do brasileiro no exterior

Os problemas enfrentados por brasileiros que tentaram entrar ou passar pela Espanha há cerca de um mês não são exatamente novidade: nossos turistas e viajantes já tiveram outras fases difíceis para entrar em vários paises em nossa história recente, principalmente EUA e Inglaterra. Há alguns anos, na época em que esteve em exibição a novela América, uma situação semelhante se verificava com relação aos brasileiros que tentavam entrar clandestinamente nos EUA através da fronteira com o México. E de como isso também dificultava a vida dos conterrâneos lá residentes.

A questão da migração de grupos humanos entre países já foi muito mais amena do que nesses nossos dias de Aldeia Global. Sem entrar no mérito do passado remoto e das suas condições peculiares, como os movimentos colonizadores, mas pensando no mundo por assim dizer “moderno”, da metade do século XIX pra cá, vemos muitas ondas migratórias aceitas de forma positiva e receptiva. E na formação de países “novos” como os EUA e o Brasil, essas ondas migratórias foram decisivas.

Muitas circunstâncias contribuíram para mudar esse panorama, mas isso seria assunto para um tratado sociológico que não cabe nesse espaço. O que se pode constatar é um agravamento, nas últimas décadas, dos conflitos e interesses migratórios. Questões econômicas e culturais passaram a alimentar uma xenofobia (rejeição ao que é estranho ou estrangeiro) latente nos paises mais desenvolvidos, contra os imigrantes oriundos de países pobres e subdesenvolvidos.

A tomada de parte dos EUA pelos latino-americanos desde os anos 60, assim como a verdadeira invasão de muçulmanos aos paises do bloco europeu desde a década de 90, contribuíram para instigar esse sentimento. Mas onde é que os brasileiros entram nisso? Estamos acostumados a nos ver como um povo alegre, simpático, hospitaleiro... um país de gente brilhante, como Santos Dumont!!! Como Sergio Vieira de Melo!!! Campeões mundiais do futebol. Da vela. Do tênis. Escritores como Paulo Coelho e Jorge Amado... cantores e músicos tão famosos. E o carnaval!!!! Então porque é que merecemos ser discriminados?

Acostumados que estamos com a nossa origem tão miscigenada, nos soa estranha a idéia de segregação, mesmo quando ela é imposta dentro do nosso próprio país. Até há poucos anos nos víamos como um povo onde cabiam todas as cores de pele, nacionalidades e credos. Abertos para receber tanto imigrantes quanto turistas estrangeiros, com um orgulho simples e peculiar. Então, porque é que agora eles nos fecham as portas?

O exemplo, não sei se melhor ou pior, que posso dar para explicar a nossa imagem para os estrangeiros vem justamente do cinema americano, veículo tão fortemente formador de opinião em todo o mundo: cada vez que um bandido, traficante, delinqüente de qualquer tipo, quer fugir da lei nos Estados Unidos, ele quase sempre vem para o Brasil. Mais especificamente para o Rio de Janeiro, que parece ser a capital mundial da impunidade. E eu já nem duvido que seja mesmo...

Se não somos os piores, estamos bem cotados como os mais mal educados turistas do mundo, daquele tipo que fura filas, que joga lixo na rua, que faz algazarra no hotel...que rouba “souvenirs” só por diversão. E não vamos pensar que isso é “coisa de pobre”, porque pobre não tem dinheiro pra fazer turismo na Europa nem em outro lugar qualquer. É o puro e simples reflexo de quem não tem educação. Não falo da falta de escolaridade, mas da educação como um bem coletivo, como uma norma de comportamento em todos os sentidos e momentos. Infelizmente é preciso constatar que somos um povo mal educado. E ponto final.

Finalmente, o mais comum e triste dos motivos, é que o perfil do brasileiro que tenta imigrar, geralmente clandestinamente, é o daquele cidadão com alguma escolaridade, mas que por falta de emprego no Brasil, ou por puro desespero, sonha em encontrar em outros paises oportunidades de uma vida melhor. Podem não ser os mais pobres, miseráveis e famintos, mas são aqueles que lutam para justamente não serem tragados pela tal “linha de pobreza”. São professoras que vão trabalhar como babás, são pais de família desempregados que vão lavar carros ou engraxar sapatos. São advogados que vão trabalhar como garçons...

São, enfim, o reflexo da nossa pobreza, e os países ricos não querem mais tantos pobres em seus territórios. Nem mesmo pobres com boa escolaridade, porque não vão perder tempo verificando isso. Somos exportadores de prostitutas e travestis, e esse é um dos motivos pelos quais a Espanha não nos quer por lá. Mesmo que nossas mulheres sejam lindas e tenham “bunda grande”...

Nossa fama é uma das piores, mundo afora. E para isso, contribui também, e bastante, o comportamento dos nossos próprios governantes e autoridades. Por mais que viajem e participem de eventos internacionais respeitando a “liturgia” de seus cargos, por mais que recebem homenagens formais, não estão isentos de uma análise crítica à nível internacional. Eles podem até merecer respeito pelas vias diplomáticas, mas as mazelas e verdades do país estão na imprensa internacional. E é ilusão pensar que a nossa imagem, como país e como pessoas, possa escapar desse filtro.

Célia Borges

ITATIAIA HISTÓRICA – Ville Virkilla, um artista finlandês em Penedo


Alguns dos traços mais marcantes deixados pela colonização finlandesa em Penedo dizem respeito aos aspectos cultural e artístico. Do ponto de vista cultural as manifestações são as mais variadas, como a culinária, a sauna, a música e a dança folclóricas. Quanto à arte, pode-se dizer que, se não houve quantidade, é indiscutível a qualidade. A tapeceira Eila e o pintor Toivo Suni são um bom exemplo disso. Menos conhecido, mas não menos brilhante, o escultor Ville Virkilla produziu uma incontável coleção de trabalhos em madeira, e perpetuou seu talento na escultura símbolo de Penedo, Aves de Arribação, situada na principal praça desse recanto turístico.

Ville faleceu na Finlândia há cerca de dez anos, mas deixou descendentes em Penedo, como a filha Annie Virkilla, que criou e dirige o Centro Cultural Penedo, e Virve, que mantêm a casa onde os pais moraram no Brasil. E apesar da produção intensa, seus trabalhos são hoje raridade no país, sendo que a maioria dos exemplares conhecidos são de propriedade das próprias filhas. Na Finlândia, onde passou os últimos anos de sua vida, entretanto, tem uma considerável quantidade de obras preservadas e admiradas.

Em entrevista concedida em novembro de 95 à Revista Regional, Annie revelou um pouco da personalidade do pai: “Ele nunca teve, ou eu nunca percebi nele enquanto morou no Brasil, exatamente uma ambição artística. Ele esculpia com a mesma naturalidade com que andava, comia, respirava e amava. E se, enquanto estivesse esculpindo, aparecesse alguém e dissesse “mas que lindo!!!”, ele concluía o trabalho e dava de presente para a pessoa”, contava ela, concluindo: “Se tivesse ficado no Brasil seria um pobre artista falido”.

Nascido em Kotka, na Finlândia, desde cedo Ville Virkilla manifestava um talento que só se revelou plenamente na maturidade: com um canivete, divertia-se esculpindo barquinhos em madeira, com os quais enriquecia o acervo de brinquedos da garotada – irmãos e amigos com os quais convivia.

O entalhe e a escultura ficaram relegados à condição de hobbies na adolescência. Soldado na Segunda Guerra, Ville foi ferido. Submetido à convalescência em Helsinque, aproveitou o período de limitada atividade física para estudar Belas Artes naquela cidade. As circunstâncias, entretanto, impediram que ele mantivesse a dedicação à arte.

Preocupado em garantir o sustento da família que começara a formar, através do casamento com Vaike, que já esperava a primeira filha, ele aceitou uma proposta de trabalho no Brasil, em 1950, estabelecendo-se com uma fábrica de móveis em São Paulo. souberam da existência da colônia de Penedo, e em 51 programaram uma visita. Do encontro com os compatriotas, surgiram grandes e sólidas amizades.

Os Virkilla começaram a freqüentar Penedo nos fins de semana e nas férias, hospedes quase sempre do pintor Suni. Em 1965 resolveram construir sua própria casa, onde passaram a permanecer por períodos cada vez maiores, com os filhos Marianne (Annie), Inga, Virve e Jussy.

O talento artístico do empresário Ville não passou despercebido em São Paulo. Mesmo produzindo de uma forma simples e despretenciosa, seus trabalhos mereceram espaço e reconhecimento: em 1957, menção honrosa do Museu de Arte Moderna de São Paulo; em 58, exposições no Museu de Belas Artes e no Clube Escandinávia; em 59, medalha de bronze no MAM-SP e em 62, exposição na Galeria Domus.

A convivência com Penedo, onde encontrou identidade entre artistas e boêmios, foi um estímulo à sua criatividade. Tocando sanfona com Toivo Suni – que respondia no violino – e ambos em conjunto com qualquer outro músico que quisesse aderir, independente do instrumento, nacionalidade ou idade, era presença constante nas noitadas musicais que se realizavam em plena rua. Na platéia, finlandeses e brasileiros, velhos, jovens e crianças, confraternizavam na paisagem simples, sob o céu do Penedo.

A filha Annie lembra alguns detalhes desse tempo: “Quando eu queria falar com meu pai, saia atrás das lasquinhas de madeira que ele ia deixando pelo caminho, desde o portão de casa até o lugar onde ele parasse para conversar”. As lasquinhas eram sobras de pedaços de madeiras nativas, como o cedro, o jacarandá e o pinho-de-riga, que ele transformava em personagens brasileiros e universais: o homem do campo, o pescador, a lavadeira com a trouxa de roupas na cabeça, o artesão, o músico, o bêbado, o lutador de capoeira, e tantas outras figuras típicas, que a sensibilidade e a destreza de Ville traduziam em arte.

A consagração do artista só se deu em 1071, quando em viagem à Finlândia para rever a família, levou na bagagem um conjunto dos seus trabalhos. Um irmão, também escultor naquele país, convidou-o para dividir com ele uma exposição na Galeria Becksbacka, em Helsinque. Recortes de jornais finladeses da época refletem o impacto e o sucesso da mostra, com os críticos destacando o movimento e a vivacidade que o artista emprestou, principalmente, aos tipos brasileiros.

O reconhecimento obtido nesta e em outras exposições – Estocolmo e Tampere em 72, e diversas galerias de Helsinque em 73, 74, 75 e 76 – valeram sua admissão como membro da Associação Internacional de Artes Plásticas da Unesco, com direito inclusive a uma pensão vitalícia, para garantir a continuidade de seu trabalho. Em 75 Ville voltou a viver na Finlândia com Vaike, mas durante anos ele fazia visita regulares à Penedo, inclusive em 1979, quando veio inaugurar a escultura Aves de Arribação, verdadeiro cartão postal do lugar. O trabalho em bronze, cujo pedestal domina a Praça Finlândia, representa a colonização finlandesa em Penedo.

Na Europa as nobres madeiras brasileiras foram substituídas pelo pinho branco, resultado da consciência ecológica e da disponibilidade do material. Com ela produziu admiráveis painéis em alto relevo, das cidades que conheceu, como São Francisco, nos Estados Unidos, onde expôs em 1983, e que enriquecem hoje o acervo de um artista que exercitou seu talento com a humildade de quem recebeu um dom de Deus.

Célia Borges