12 de julho de 2012

DOM OTTORINO ZANON - UM ENSAIO DE HISTÓRIA

Frango, coelho, cabrito. Muita verdura e legumes...o que o colégio Dom Ottorino Zanon produziu, durante mais de duas décadas, era suficiente para alimentar seus alunos, e ainda distribuir o restante entre os demais colégios da rede municipal. Construído e fundado para ser uma escola para crianças carentes, o Dom Ottorino Zanon foi afinal uma completa instituição de ensino, com ênfase no ensino profissionalizante, e que chegou a ter uma gráfica e uma marcenaria, e até uma fábrica de vassouras, para o aprendizado de seus alunos e para conseguir os recursos para sua manutenção. O colégio foi criado pelo padre Flávio Azambuja no início dos anos 60, sensibilizado com o número de crianças órfãs e carentes da região, construído em terreno doado pelo Dr. Arnaldo Marzotto, e com apoio da comunidade local, especialmente os italianos que moravam em Penedo na época. Ele surgiu primeiro como um internato, sob o nome de Lar dos Meninos, mas posteriormente passou a semi-internato, aceitando também meninas, e como Patronato. O ensino profissionalizante foi um dos principais objetivos do colégio, de forma a dotar as crianças ali atendidas de um ofício que lhes garantisse o futuro. No amplo terreno foi iniciada a criação de pequenos animais, assim como uma horta para atender ao ensino de técnicas de agricultura e pecuária, que passaram a abastecer a cozinha do colégio. Com o aumento do número de alunos, e diante da grande área de terreno disponível, a produção também aumentou, chegando a abastecer a merenda de outras escolas, durante os anos 70 e 80, e até mesmo, depois da emancipação de Itatiaia, a rede escolar do novo município. Embora fundado, administrado e tendo professores padres e freiras, foi sempre um colégio leigo, sob o regime da secretaria municipal de educação de Resende até 1989, e após a emancipação, da secretaria municipal de educação de Itatiaia. Com a aposentadoria e falecimento dos religiosos no decorrer dos anos – inclusive do padre Azambuja, que é nome de rua em Resende – foram desmontadas, e vendidos os equipamentos da gráfica e da marcenaria. A criação de animais também foi reduzida, até acabar, restando no início dos anos 90 apenas a horta, assim como o curso de técnico agrícola. O COLÉGIO NUNCA FICOU ABANDONADO: NÓS CUIDADOS DELE O Dom Ottorino Zanon ainda tem na ativa, funcionários que ali trabalham há mais de 30 anos. Com mais de 25 anos, existem vários. É o caso da servente Maria Anália da Silva Esperança, que com 26 anos de serviço, tem o colégio como uma espécie de segunda casa. Alí estudaram seus quatro filhos, um dos quais é hoje engenheiro e trabalha na Embraer. E ali também ela aprendeu muito do que sabe hoje, como corte e costura, que estudou num dos muitos cursos que o colégio ofereceu para pessoas da comunidade, no decorrer dos anos. O curso de corte e costura servia para que as alunas fizessem os uniformes do colégio, e era mantido juntamente com os de crochet, tricot e bordado. “Muitas pessoas aprenderam uma profissão e tiveram meios de ganhar a vida graças aos cursos do colégio, porque além de atender aos estudantes, os padres sempre tiveram grande atenção para com a população. As verduras e legumes, por exemplo, eles vendiam o que sobrava para os funcionários e moradores do bairro”, conta Anália. Na época em que começou a trabalhar no Dom Ottorino, Anália diz que o colégio chegou a ter quase 2.000 alunos, que eram atendidos por onze ônibus escolares, trazendo estudantes de todos os bairros, devido aos cursos profissionalizantes: “Além do curso de técnico agrícola, que durou muitos anos, também teve o curso de formação de professores, e como era um dos poucos da região, vinha muita gente estudar aqui, até de outros municípios”, conta ela, que começou como funcionária contratada, fez concurso há 20 anos e hoje, aos 55 anos, já conta tempo para se aposentar. Maria Anália, que ainda tem dois sobrinhos estudando no Dom Ottorino, faz questão de lembrar que há funcionários mais antigos que ela, como a merendeira Cida, que já trabalha lá há 33 anos. Os professores mais antigos já estão lá tanto tempo quanto ela, cerca de 26 anos. Ela mesma quando fez concurso, teve a chance de trabalhar em outro lugar, mas preferiu ficar: “Essa escola é um caso de amor. Muita gente que chega aqui, não quer sair mais” comenta Anália, sorrindo. Ela só fica séria quando se pergunta pelas dificuldades que a escola passou há alguns anos, depois de perder os cursos profissionalizantes e ter passado mais de dez anos sem manutenção: “Não gosto de falar disso, porque não quero me meter em política. Só posso dizer que a escola não ficou abandonada, porque nós não deixamos. Vamos dizer que ficou meio adormecida. Mas nós cuidados dela nesses tempos difíceis, e é uma alegria ver que agora ela parece renascer, toda novinha e bonita”, diz ela. Maria Anália se refere às obras, que estão sendo concluídas neste mês de julho, e que reformaram completamente o colégio, do telhado ao piso. “Só tenho pena que não tenha mais os cursos profissionalizantes. Os jovens de hoje precisam muito aprender uma profissão, isso seria muito importante para não ficarem desocupados nem cair no vício”, diz ela. PORQUE UM ENSAIO DE HISTÓRIA Considero o texto acima um ensaio, porque ele é apenas um esboço de uma história muito mais ampla, e que eu gostaria muito que os leitores ajudassem a escrever. Ainda pretendo entrevistar, para jogar um pouco mais de luz sobre o assunto, outros funcionários antigos do colégio. Mas gostaria de ter contato com pessoas que tivessem estudado e trabalhado lá nos anos 60, 70 e 80, para que pudéssemos resgatar nomes, fatos e datas, e assim reconstituir uma história que, estou certa, deve ter muitos belos capítulos. Considero que a história é uma ciência dinâmica, e não aquele grupo de conhecimentos armazenados nos livros da estante. Aquilo que vivemos e fazemos, as nossas experiências pessoais, fazem parte de uma cadeia de informações que em algum momento vão se transformar em história. A nossa história individual é reflexo da nossa época, e partilha-la é uma forma de reconstituir o mosaico de conhecimentos sobre o momento em que vivemos. Assim, quem tiver a sua história dentro dessa história, seja benvindo para conta-la. Tive grande prazer em pesquisar e escrever esse pequeno ensaio de história, e tenho enorme alegria em partilha-lo com vocês. Célia Borges