27 de abril de 2008

Em memória de Élio Gouvea

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Ele era um homem pequeno, a pele morena ainda mais acentuada pela vida ao ar livre, dono de um olhar inquisitivo, que parecia estar sempre querendo ver além, através de coisas e pessoas. O biólogo Élio Gouvêa era também extremamente bem educado, o que não quer dizer que fosse sempre simpático: uma pontinha de mau humor, e uma certa impaciência com tudo o que achava “perda de tempo” não impediam, entretanto, que quem o conhecesse melhor, acabasse admirando-o, e descobrindo que por trás da expressão sisuda havia um homem culto, entusiasmado, encantador.
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Élio Gouvea foi um incansável pesquisador e defensor do meio-ambiente
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Durante os mais de cinqüenta anos em que viveu em Itatiaia, a maior parte do tempo como funcionário do Parque Nacional, realizou uma grande quantidade de trabalhos de relevante contribuição científica, foi um ativo professor, orientou e incentivou pesquisas, além de ter sido um incansável líder na luta pela proteção do meio ambiente e em defesa da ecologia.
Élio Gouvêa nasceu em Santa Leopoldina-ES, em 25 de setembro de 1924, e viveu no Rio de Janeiro entre 1940 e 1943, quando concluiu o curso de horticultura na Escola Wenceslau Belo. Voltou por pouco tempo à terra natal, onde trabalhou com o pai, Mário Gouvêa, na fazenda em Sapucaieira. No ano seguinte foi indicado pela direção da Escola Wenceslau Belo para trabalhar no Parque Nacional do Itatiaia, assim como outros colegas de curso, que possuíam formação técnica em assuntos agronômicos, desenhos e projetos de construções rurais, paisagismo e estudos topográficos.
No dia 15 de junho de 1944 ele desembarcou na estação ferroviária de Campo Belo: um jovem cheio de esperanças, e tomado pela surpresa diante do cenário de inesperada beleza. Sua vinda decorria da necessidade do administrador do parque na época, Dr. Wanderbilt Duarte de Barros, de preencher o quadro de pessoal auxiliar, para atender um programa de trabalho, que iniciou a bem sucedida trajetória administrativa desse grande técnico no Parque Nacional. Contratado do mesmo dia, na função de auxiliar de agrônomo, exerceu o cargo até 1960. Nesse período realizou levantamentos topográficos, desenhos e projetos de estradas, abrigos, residências, jardins e etc.
Devido ao seu interesse e dedicação, foi indicado para fazer um curso intensivo de Museologia, no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e outro de Ecologia, na Escola de Agronomia, que na época (1946 -1947) funcionava na Urca. O objetivo desse treinamento era a criação de um museu no parque, que mais tarde se materializou no Museu da Fauna e da Flora, importante referência científica e atração turística do parque durante várias décadas.
No regresso, após esses cursos, Élio Gouvêa passou a responder interinamente pela direção do Parque, devido ao afastamento do diretor Wandebilt Duarte de Barros, por motivo de férias. Nesta oportunidade ficou também responsável por acompanhar a naturalista e especialista em anuros, Dra. Berta Lutz, que em companhia de seu irmão, o médico Dr. Gualter Lutz, veio para estudar a região dentro da sua especialidade.
A vinda dessa naturalista para Itatiaia foi muito importante para Élio Gouvêa, pois com ela deu seus primeiros passos na atividade científica. Aos poucos, por sua influência, começou a enxergar e a ouvir os anuros, tendo sido incentivado à percebê-los inspirado no carinho e atenção que a Dra. Berta tinha por eles. Nas quatro viagens que ela fez à região – 1947, 1950, 1951 e 1957 – foram identificadas novas espécies, assim como realizadas coletas de espécies raras de altitude, cujo levantamento reuniu mais de 60 espécies geográficas, sendo consideradas de uma fauna excepcional.
Em dezembro de 1949 foi iniciada a organização do Museu da Fauna e da Flora, com o levantamento da fauna de vertebrados, após convênios assinados com o Serviço Florestal do Ministério da Agricultura e com o Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, tendo participado ativamente dessa inciativa. Essa época marca o início, também, de uma trajetória profissional de Élio Gouvêa, voltada para a conservação do Meio Ambiente, com sua especialização cada vez mais inclinada para a Ecologia.
A experiência prática exigia cada vez mais conhecimentos teóricos, e assim, com quase cinqüenta anos, empreendeu sua graduação em ciências biológicas, pela Sobeu, tendo se formado em 1976. Fez vários cursos antes e depois, como pós-graduação em Recursos Naturais da OEA, pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior pelo Cecope-Sobeu, além de estágios no Instituto Oswaldo Cruz e Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Em seu currículo estão ainda cursos como Biogreografia do Itatiaia, Observação e Anilhamento de Aves, além de uma infinidades de congressos, seminários e simpósios relacionados com o Parque Nacional do Itatiaia.
Participou também de inúmeras atividades de intercâmbio científico entre o Parque Nacional e entidades como o Museu Nacional, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, Serviço de Defesa Vegetal do Ministério da Agricultura-RJ, Serviço Florestal-RJ, Instituto de Botânica-SP, Serviço Florestal de Cantareira-SP, Instituto Butantã, Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola-SP, Instituto Biológico-SP, Departamento de Zoologia-SP, Parque da Água Branca-SP, Museu do Café de Ribeirão Preto-SP e Horto Navarro de Andrade, da Água Branca-SP.
Após 20 anos de dedicação, afastou-se do Parque Nacional em 1964, por motivo de saúde, retornando em 1970 por solicitação do presidente do IBDF, para reformular o acervo de exposição do Museu da Fauna e da Flora. Em março de 1976 foi classificado para a função de auxiliar de assuntos culturais do Parque. Participou como instrutor e coordenador da Operação Mauá, no parque; do V Curso de Anilhamento de Aves em 1982; requisitado pelo IBDF, integrou a equipe de levantamento florestal de essências nativas em Minas Gerais; admitido como professor de Zoologia da Sobeu, lecionou de 1980 a 1991, tendo respondido pelo Departamento de Zoologia dessa universidade, onde foi também professor pesquisador.
Como defensor do meio ambiente, criou, em 15 de junho de 1987, no cinqüentenário, e presidiu por muitos anos, a Apropani – Associação Pró-Parque Nacional do Itatiaia, tendo anteriormente dirigido também do Mover – Movimento Ecológico de Resende. No dia 10 de junho de 1996 assumiu a cadeira 14 da Academia Itatiaiense de História, que tem como “patronesse” a Dra. Berta Lutz, vindo a falecer em 19 de julho de 1999. As fontes desse texto foram o discurso de cerimônia de sua posse na Acidhis, por sua filha caçula Edinamara Gouvêa, e a primeira Revista da Acidhis, de 2005.