Em janeiro passado, após perder o direito de cobrar CPMF (???) de quem movimenta contas bancárias, o governo federal baixou uma série de medidas compensatórias, oportunamente batizadas pelos comentaristas políticos e econômicos como um “baú de maldades” contra a classe média, visando garantir as verbas teoricamente ameaçadas da área da Saúde. De lá para cá a arrecadação de impostos bateu recordes consecutivos, superando até as previsões mais otimistas dos nossos magos das finanças encastelados em Brasília.
Nesses pouco mais de cinco meses já tivemos conquistas memoráveis na área econômica, como recursos suficientes para garantir o pagamento da dívida externa e uma cotação privilegiada quanto às oportunidades para investimentos estrangeiros, além da valorização dos nossos produtos no mercado externo. Mas, enquanto a nossa economia decolou e viaja em “céu de brigadeiro”, a saúde continua num plano inferior, sempre sujeita à chuvas e tempestades.
Entre tantas deficiências reveladas país afora, uma das mais chocantes é o estado de falência atravessado pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, popularmente conhecido como Hospital do Fundão, criado para ser um prolongamento da Faculdade de Medicina da UFRJ, mas que abandonado pelo Ministério da Educação nessa condição, acabou como refém do SUS – Sistema Único de Saúde.
O Hospital do Fundão é referência nacional em procedimentos de alta complexidade, como os transplantes de fígado e outras especialidades. É também recordista em atendimentos em procedimentos mais simples, como cirurgias de catarata para idosos. Atende a clientes do país inteiro, que ali encontravam, até há pouco tempo, a última esperança de tratamento para tipos raros de câncer, por exemplo.
Mas, segundo sua direção, transplantes e outros atendimentos estão temporariamente suspensos, porque o Hospital “passa por processo de endividamento e sucateamento”, devido à falta de repasse de verbas por parte do município do Rio de Janeiro, que é beneficiário do maior número de atendimentos, assim como pela defasagem da tabela de pagamentos por serviços, não reajustada desde 2004.
A dívida gira em torno de 10 milhões, o que se pensarmos bem, é uma migalha no conjunto das contas públicas do país. O prejuízo em termos dos tratamentos que deixarão de ser feitos, a expectativa de vida de tantas pessoas que deixarão de ser atendidas, e a própria sobrevivência de quem não vai mais poder contar com cirurgias tão necessárias, esses são valores não tem preço.
Acredito que mesmo que a CPMF tivesse sido prorrogada, como queria o governo federal – que na pessoa do presidente Lula defendeu essa medida tão ardorosamente – a situação seria igual. Nosso problema, como tudo indica tão claramente, não é a falta de dinheiro. Não é a falta de recursos para a Saúde. O que falta é tratar das questões da Saúde Pública como prioridade, em detrimento da corrupção desenfreada e dos cartões corporativos. O que falta é compromisso em investir prioritariamente naquilo que é realmente importante, como a Saúde e a Educação.
A falência do Hospital do Fundão seria motivo suficiente para envergonhar nossas autoridades, teoricamente responsáveis pelo assunto. Mas nossas autoridades parecem não estar dispostas a ter vergonha de nada. Envergonhemo-nos pois, nós cidadãos e eleitores, que fomos responsáveis por delegar poder a pessoas tão irresponsáveis.
Já tive a chance de levar pessoas para tratamento no Hospital do Fundão. Conheço bem a diferença que isso fez nas suas vidas. Felizmente, e por enquanto, não precisei dos tratamentos que eles ofereciam, nem eu, nem ninguém da minha família. Mas não estamos livres dessa necessidade, e é uma responsabilidade que precisamos assumir. Garantir o funcionamento do Hospital do Fundão pode ser resultado da nossa opinião, do nosso posicionamento, da nossa mobilização. Assim, aliás, como de todas as demais unidades de saúde do país. Pagamos impostos demais – e se não para nós, que ainda pagamos por planos de saúde particulares, mas para a maioria da população – temos direito à uma competente e suficiente gestão dos recursos destinados à Saúde.
Célia Borges