24 de abril de 2008

ALDEIA GLOBAL XXVIII – Crianças e idosos: porque é tão fácil abusar dos mais fracos?

O recente e chocante episódio do assassinato da menina Isabela Nardoni nos coloca cara a cara com a triste constatação da índole violenta do ser humano. Prefiro acreditar que ela não é inerente a todos nós, até porque eu, pessoalmente, tenho horror a qualquer tipo de violência. “Mea culpa” se cometi eventualmente alguma violência escrita ou verbal, porque é difícil atravessar a vida sem nenhum pecado, mas estou certa de não ter passado disso. Pude, entretanto, por essa mesma experiência de vida, observar a violência sob seus mais variados aspectos e requintes.

A profissão de jornalista nos expõe a uma carga intensa e variada de informações, muitas das quais, inclusive, nem são publicadas, num desfile de horrores que frequentemente leva o cidadão a desembocar num cinismo sem remédio, no alcoolismo, na úlcera gástrica ou no psiquiatra. Embora, é claro, muita gente sobreviva à profissão sem maiores traumas...

Um caso como esse, da menina Isabela, que provoca grande comoção popular, além do choque pelo fato em si, também proporciona uma oportunidade para se refletir sobre que mundo é esse, em que procuramos sobreviver, criar filhos, construir uma cidadania. Que mundo é esse, em que uma vida vale tão pouco? Em que a sobrevivência, a integridade, a dignidade de uma pessoa são tratadas como um mero e inoportuno detalhe? Em que direitos garantidos a alguns sejam negados à maioria?

Não tenho, infelizmente, a menor dúvida, de que vivemos num mundo cruel e covarde. Ao contrário do homem primitivo, não se trata entre nós de uma luta pela sobrevivência. Ou pode até se tratar, dependendo da perspectiva de quem comete a violência, mas não do ponto de vista da sociedade. Quem mata uma criança covardemente está lutando para sobreviver a que? E quem maltrata e tortura? E quem abandona e rejeita uma pessoa indefesa, criança ou velho?

A situação de permissividade e omissão em que vivemos é um incentivo à violência, porque quem comete o crime, o abuso ou a fraude, está se sentindo garantido na perspectiva de impunidade. A ação eficiente da Justiça é uma espécie de loteria às avessas, mas o criminoso pode sempre contar com o estado de normalidade, que é aquele baseado na morosidade, na inoperância, e até mesmo na irrelevância de um Judiciário, que está longe de “dar conta do recado”.

Uma educação que valorizasse o conhecimento técnico sem esquecer o peso da cultura e da perspectiva humanista do ensino, poderia contribuir para neutralizar ou minimizar essa índole violenta. Mas são tantos os exemplos de pessoas com boa escolaridade que cometem crimes atrozes e hediondos, que é o caso de que considerar que o temor do castigo ainda é o maior “freio” social para a criminalidade. E, infelizmente, esse freio anda em falta.

Além da impunidade geral, ainda temos que enfrentar o incentivo à violência que se verifica através dos desafios à legalidade, no comportamento das autoridades de todos os poderes, quando burlam, fraudam, mentem descaradamente, e assim justificam para o cidadão comum que façam o mesmo. Se os poderosos podem desrespeitar e afrontar as leis, e descumprir decisões judiciais sem o menor temor de serem por isso responsabilizados, por que qualquer pessoa não pode agir igual?

As leis, e o desempenho do Judiciário, nos garantem muito pouca Justiça. É fácil, principalmente, descarregar a agressividade pelas dificuldades do dia a dia, naqueles que têm pouca ou nenhuma chance de defesa. Nas crianças e nos idosos de preferência. E se assim não fosse, não haveriam tantos casos escabrosos de violência contra eles, como nos mostram aquilo que é divulgado pela imprensa. E o que é pior, naquilo que a imprensa nem divulga, nos inúmeros casos que se perdem do noticiário, diante da “banalidade” da violência.

É tão cruel e covarde esganar uma criança de cinco anos e atira-la de uma janela, encarcerar e torturar um adolescente, quanto atirar em alguém pelas costas por vingança, ou negar os direitos de um cidadão idoso retirando-lhe os meios para a sobrevivência. Esses são apenas alguns tipos de violência que nos subjugam, mesmo quando ainda não somos diretamente vítimas.

Quando a violência anda solta pelo mundo, o caso de ela bater à nossa porta é apenas uma questão de tempo. Pedir Justiça pela morte de Isabela Nardoni, como parte da população tem se esmerado em fazer nos últimos dias, é muito pouco. É preciso lutar por Justiça como um todo. É preciso exigir Justiça para todos. A omissão e o comodismo são, no fundo, uma forma de cumplicidade. E se você espera o crime, a injustiça ou a impunidade baterem à sua porta, para só então reclamar, não se esqueça que aí pode ser tarde demais.

Célia Borges