29 de fevereiro de 2008

ALDEIA GLOBAL XVII - Herbert de Souza (Betinho) e o preconceito contra a maturidade

A profissão de jornalista traz privilégios, alguns dos quais aprecio muito, como o de criar oportunidades para que se possa conhecer pessoas a quem admiramos. Quase sempre meus trabalhos permitiram que eu criasse as minhas próprias pautas, e assim consegui privar, mesmo que pelo curto tempo de uma entrevista, com alguns ídolos (enorme concessão, porque não sou pessoa de cultivar idolatrias). É o caso de Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo e cidadão que, por tudo o que fez pelo Brasil, merece um reconhecimento muito maior do que atualmente recebe.

Estou certa de que o amigo leitor sabe sobre quem escrevo, mas para quem desconhece, lá vai uma síntese: superando a condição de aidético, tendo contraído a doença em conseqüência da hemofilia, criou e dirigiu o IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, através do qual lançou o primeiro grande movimento social em favor dos menos favorecidos, que foi a Campanha da Cidadania. Campanha essa que mobilizou a sociedade brasileira num movimento solidário de doações que atravessou todo o país, e que teve desdobramentos tais como o Natal sem Fome.

Conheci Betinho no primeiro sábado de novembro de 95, em sua casa em Itatiaia, justamente no dia em que completava 60 anos. Ele era um sobrevivente à freqüentes crises e internações, mas persistia no trabalho, até além do que a saúde permitia: extremamente franzino, pesava então 47 quilos para os seus 1,70 de altura. Mas perto dele não nos ocorria falar de doenças... ele emanava pura energia, e tinha assuntos muito mais importantes (segundo ele mesmo) para tratar e sobre os quais falar.

Posso transcrever com fidelidade suas palavras, porque a entrevista foi publicada na edição 5 da Revista Regional, daquele mesmo mês. Sobre ele mesmo, comentou que “se houvesse um Guiness, o livro dos recordes, sobre hemofílicos, já estaria nele. São poucos os aidéticos que chegam aos 60 anos”. E sobre seus sonhos: “Gostaria de ver a passagem do século, de chegar ao ano 2000. Basta eu viver mis cinco anos, até os 65”. (sonho esse que, infelizmente, não concretizou).

Ele só olhava para a frente, só pensava no futuro: “Este ano nosso trabalho (na Campanha da Cidadania) se concentrou prioritariamente nos jovens, pela urgência de se encontrar soluções nessa área, mas precisamos pensar que o Brasil é um país que está envelhecendo, e o idoso também está exigindo uma atenção especial”. Mas ele se preocupava muito também com a faixa intermediária, da sua própria faixa etária: “Entre os 50 e os 60, 65 anos, o cidadão está em plena capacidade profissional. Não é justo que seja colocado de lado. E um momento de reconhecer seu próprio valor e lugar pelo seu espaço”, disse ele, destacando o indiscutível preconceito que ronda a maturidade.

Para efeitos legais, o cidadão só é idoso à partir dos 65 anos. Mas vá alguém concorrer a qualquer tipo de emprego, depois dos 48, por exemplo... e assim descobrir que toda a sua experiência, toda a sua capacitação profissional, toda a sua perfeita saúde física e mental podem não servir de muita coisa. Mesmo considerando o aumento da expectativa de vida, no Brasil e no mundo, e a melhora na qualidade de sobrevida, o cidadão maduro acaba classificado, arbitrariamente, como um idoso.

Não pretendo escrever um tratado sobre assunto (não só porque não o domino tanto, quanto porque não cabe nesse espaço), mas ele me mobiliza porque estou em minha plena maturidade, assim como a maioria dos meus amigos. Somos incentivados a voltar a estudar, a reciclar nossos conhecimentos, a adotar novas profissões, mas para onde quer que nos viremos na hora de encontrar trabalho, estaremos na maioria dos casos, em situação de inferioridade.

É difícil enfrentar o mercado de trabalho competindo com os mais jovens... e afinal, eles precisam muito de seus empregos. E não existem fórmulas mágicas para encarar essa situação. Vivemos numa época do “cada um por si”, e já não existe nem ao menos o consolo do “Deus por todos”. Pouco nos resta senão transformar, como o Betinho, nossa força em energia, e apelar para a criatividade.

Célia Borges