19 de março de 2010

O ICMBIO E A POLÍTICA AMBIENTAL QUE OPRIME O CIDADÃO E DESPREZA A NATUREZA



A política ambiental do país, sob o comando do Ministério do Meio Ambiente e exercida pelas instituições a ele vinculadas, deveria proteger o patrimônio natural ainda existente, e zelar para reduzir o impacto do crescimento populacional e das necessidades econômicas dele resultantes, sobre o meio ambiente. O assunto é complexo, as exigências são prementes, e as prioridades precisam ser definidas com extrema responsabilidade, diante dos limitados recursos disponíveis para essas finalidades.
O problema é que temos uma política ambiental, e não uma gerência, ou uma administração ambiental, que é do que precisamos. E quando a política entra na questão, vira uma questão política como outra qualquer. E quando o meio ambiente se transforma numa questão política, o país e a população se tornam reféns de interesses que têm pouco ou nada a ver com aquilo a que ela se destina, que é a preservação da natureza.
Uma gestão ambiental entregue a apadrinhados políticos, em detrimento de profissionais competentes e experientes na área, não há como não ser mais política do que propriamente ambiental. E é isso o que podemos ver, em todos os níveis do atual governo para o setor: um “oportunismo ambiental”, que apenas finge que se destina à preservação, e que atira sua incompetência para todos os lados, criando problemas, ao invés de apresentar soluções.
O caso do Parque Nacional do Itatiaia, a mais antiga reserva ambiental do país - criada em 1937 - é apenas um, entre os inúmeros exemplos pelo país afora, onde a intervenção do ICMBio se esmera em provocar conflitos, nesse caso pelo menos, desnecessário. Apesar de poder dispor de uma área de mais de 28 mil hectares de mata, no Maciço do Itatiaia/Serra da Mantiqueira, aquele órgão se dispõe a gastar alguns milhões de reais para desapropriar as propriedades de uma área de menos de 2 mil hectares, do Núcleo Colonial do Itatiaia, uma comunidade que existe desde 1908, portanto há mais de cem anos. E 29 anos mais antiga do que o próprio parque.
O programa de manejo apresentado para o Parque Nacional do Itatiaia, em junho de 2007, por ocasião dos 70 anos daquela unidade de conservação é, para dizer o mínimo, surpreendente, diante daquelas que deveriam ser as prioridades da gestão ambiental. Admirado internacionalmente por suas características biológicas – riquíssimas em diversidade - e geológicas, o Maciço do Itatiaia tem tido grandes extensões de mata nativa destruídos por incêndios, ano após ano, com comprometimento irrecuperável da fauna. Além da ação de caçadores e palmiteiros, predadores tão ou mais nocivos, por serem constantes.
Há décadas as populações do entorno do Parque, em especial os moradores do Núcleo Colonial do Itatiaia - que tanto se empenharam, nesses cem anos, em preservar a natureza e recuperar a cobertura vegetal em suas propriedades –assistem impotentes, e aguardam ansiosamente, por medidas que impeçam, ou pelo menos reduzam o impacto de tal devastação. A criação de uma Brigada de Incêndios, treinada e equipada para intervenções em emergências, e uma Guarda Florestal suficiente e eficiente, são algumas das reivindicações dessas comunidades, e para as quais nunca houve recursos.
Assim, uma proposta que dá prioridade ao gasto de alguns milhões de reais na desapropriação de propriedades particulares, que representam menos de 2% da área total da reserva, em medida que fere a legislação, para ali criar um “complexo de educação e lazer” com objetivos comerciais, se constitui numa pura e simples inversão de valores. Os hotéis que já existem, continuariam sendo hotéis, apenas administrados por outras pessoas. Um deles pode ser transformado num centro universitário, de Diversidade e Gastronomia (sendo que esse último destinado à pesquisa culinária de espécies selvagens) para 1.500 estudantes num fluxo diário, além de professores e funcionários. Há previsão de áreas de camping, e atividades esportivas, com impacto muito maior do que o eventualmente provocado pela estrutura atual.
Os objetivos e responsabilidades de uma gestão ambiental comprometida com a natureza, estão sendo completamente desprezados. Mais grave ainda, estão sendo desconsiderados os aspectos históricos, culturais e sociais que envolvem essas comunidades. Além dos científicos, dos quais nossas ilustres autoridades não querem nem ouvir falar. Uma política ambiental baseada na ignorância e na arrogância, exercida por quem, sem mais o que fazer, precisa mostrar trabalho e impor sua inadequada autoridade.
Em Itatiaia - como em alguns outros lugares com problemas semelhantes - a comunidade decidiu se mobilizar e reagir. Em janeiro foi apresentada na Justiça Federal de Resende, de uma proposta de Ação Civil Coletiva, visando restabelecer os aspectos legais para a aplicação do programa do ICMBio, apresentado através do Instituto Chico Mendes. A ação, da Associação dos Amigos do Itatiaia, que representa os moradores do Núcleo Colonial do Itatiaia, foi medida extrema, depois de mais de dois anos de frustradas tentativas de diálogo. A AAI propôs inicialmente a reclassificação da área para Monumento Natural, de forma a se enquadrar na condição de reserva ambiental, mas sem a necessidade das desapropriações, mas não foi considerada. Para a associação, essa opção traria inúmeras vantagens, pois cumpre a lei, não onera a União, não tem impacto ambiental, e preserva o patrimônio histórico, cultural e social do núcleo e da comunidade do município.
Mas, o caso de Itatiaia é apenas um, entre muitos. A criação do Parque Nacional Altos da Mantiqueira, por exemplo, cuja proposta é transformar uma área de 87 mil hectares na Serra da Mantiqueira, entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, em uma unidade de conservação integral, vem provocando protestos e descontentamento dos proprietários e autoridades ambientais locais. O projeto do governo federal, coordenado pelo Instituto Chico Mendes, pretende abranger áreas urbanas e propriedades rurais que se encontram dentro dos limites do projetado parque.
Os proprietários de terras na região reclamam por terem sido surpreendidos com a proposta, que não levou em consideração a opinião e os interesses dos moradores e dos municípios. O projeto prevê, além de desapropriações, o fechamento de estradas vicinais. O Parque abrange 16 municípios, sendo nove deles no Vale do Paraíba paulista – Campos de Jordão, Cachoeira Paulista, Cruzeiro, Guaratinguetá, Lavrinhas, Pindamonhagaba, Piquete, Queluz e Santo Antonio do Pinhal. Depois de intensa mobilização, população e autoridades conseguiram reunir-se no dia 12 de março passado, inclusive com representantes do ICMBio, tendo sido criado um grupo de trabalho, para discutir a proposta e soluções alternativas.
No estado de Minas Gerais também existem reações, tanto com relação ao Parque Altos da Mantiqueira quanto pela expansão do Parque Nacional do Itatiaia, com considerável número de municípios afetados nas duas frentes, sob ameaça de desapropriações e sujeitos à atitudes autoritárias, como o caso da Pousada dos Lobos, em Itamonte, cuja interdição pelo Instituto Chico Mendes vem sendo alvo de protestos e descontentamento.
Outro ponto de conflito, também em São Paulo, é a região da Juréia-Itatins, segundo maior maciço preservado de Mata Atlântica no estado. Criada em 1986, a estação biológica engloba também parte dos municípios de Iguape, Peruíbe, Miracatu e Itariri, somando 82 mil hectares. Num esforço para manter os moradores na região, o governo estadual implantou há quatro anos um conjunto de áreas protegidas, de uso sustentável e proteção integral, unidas nos cerca de 110 mil hectares, no chamado Mosaico de Juréia-Itatins.
Em ação proposta pelo governo federal, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em junho do ano passado, considerou inconstitucional o bloco de unidades de conservação. A decisão desmontou o mosaico, reativou a estação biológica de 1986, e abriu nova discussão sobre o futuro da área, envolvendo moradores, especuladores imobiliários, conservacionistas, pesquisadores, e os governos estadual e federal.
Outras áreas de conflito se multiplicam pela país, diante de uma política ambiental que se esmera em atuar de forma unilateral, dando prioridade às desapropriações de propriedades particulares, e ao deslocamento das populações já estabelecidas, e deixando em segundo plano as medidas – e recursos – que garantam a preservação do patrimônio natural ainda existente. Nossa tão admirada diversidade encontra-se ameaçada, na acelerada extinção de espécies da flora e da fauna, mas para sua proteção não existem recursos.
Em outros pontos do país, como no nordeste, existem áreas de preservação ambiental que vem sendo invadidas, para a construção de mansões, como é o caso dos Lençóis Maranhenses. São invasões promovidas por representantes da classe política, de autoridades do governo, e de seus protegidos, cuja impunidade se encontra garantida. Os representantes do Instituto Chico Mendes, nesses locais, dizem apenas que não há recursos para fiscalizar e coibir esses abusos. Nunca há recursos para o que é indispensável... mas sobram para desapropriar o que é alheio, em iniciativas inúteis e desnecessárias.
Célia Borges