25 de abril de 2008

ITATIAIA HISTÓRICA – Contribuições científicas e visitantes ilustres na área do Parque Nacional


A pesquisa que se segue não é de minha autoria. Apenas tive a oportunidade de trabalhar nela como revisora e redatora, tendo sido responsável pela síntese e adaptação do texto, além da atualização dos dados. Foi escrita pelo biólogo Élio Gouvêa, falecido em 1996, e só me atrevo a publicá-la nesse espaço em sua homenagem, e para que esse trabalho não corra o risco de ficar esquecido. Rogo aos eventuais pesquisadores do texto que dêem crédito ao seu legítimo autor.

“Antes de fazer qualquer comentário sobre a existência do Parque Nacional do Itatiaia, é necessário reportar-me a fatos históricos e científicos que deram origem à criação da primeira unidade de conservação do Brasil. O movimento de elevado nível científico-cultural dos viajantes naturalistas que passaram por aqui teve início há 186 anos, e levou a região do Itatiaia a ser conhecida mundialmente.

As viagens desses estudiosos ao Brasil se deram graças à abertura dos portos, em 1808. Muito antes da criação do parque, em 1937, especialistas botânicos, zoólogos e geólogos, descobriram no maciço do Itatiaia, mais especificamente no planalto, que havia algo novo e surpreendente para todos: o revestimento florístico era inteiramente desconhecido para a ciência, rico em endemismos; uma fauna também bastante rica, e adaptada ao rigor das condições climáticas do altiplano. E o aspecto topográfico rochoso foi por muitas décadas assunto polêmico sobre suas origens, atribuídas primeiramente ao peri-glacial, depois vulcânica, e finalmente, de magma intrusivo.

Tais informações se propagaram rapidamente, trazendo para esta região não apenas naturalistas pesquisadores, mas sobretudo pessoas ilustres, que puderam avaliar de perto o que lhes fora comentado e descrito pelos viajantes. O aspecto cênico da região foi amplamente apreciado, desde a topografia acidentada até a exuberância da flora, da fauna e das águas límpidas e encaichoeiradas, que justificam sua condição impar como região turística.

Inúmeros naturalistas visitaram Itatiaia em missão científica. Podemos dividi-los em quatro períodos: de 1822 a 1899, com doze cientistas; de 1899 a 1930, com outros 21; de 1930 a 1960, num total de 48; e finalmente, desde 1960 a 1992 quando encerramos esse levantamento, outros 11. Das 92 referências biográficas, apenas 22 eram do Brasil, e os demais, de estrangeiros.

O primeiro visitante a pesquisar Itatiaia foi o botânico Auguste Saint-Hilaire (1822), seguido de outros botânicos como Frederic Sellow (1830), e Auguste François Marie Glaziou (1872), primeiro a escalar as Agulhas Negras em companhia da Princesa Isabel. O quarto naturalista botânico foi H. Wawra Ritter von Fernsee (1879), viajando em companhia dos príncipes de Sachsen-Corburg.

Em meados de 1872 passaram pelo vale do rio Paraíba do Sul, rumo à São Paulo, dois naturalistas importantes, Spix e Von Martius, em missão zôo-botânica, sendo responsáveis pela classificação de centenas de animais e plantas brasileiras. Desta viagem pelo Brasil foi editada uma coleção de 23 volumes da “Flora Brasiliensis”, ilustrada com centenas de gravuras e desenhos, com detalhes das plantas estudadas. Na ocasião de sua passagem pela região foram identificados apenas remanescentes arbóreos da flora atlântica.

As referências mais significativas ocorreram à partir de 1894, com Ernesto Ule, sub-diretor do Museu Nacional, e do botânico sueco Pér Karl Hialmar Dusén (1902/1903) cujos resultados encontram-se arquivados no Museu Nacional e no Arkiv for Botanik (volume 8, n0 7 e volume 9, n0 5) da Real Academia da Suécia, e mais tarde publicado no boletim n0 4 do Parque Nacional do Itatiaia, sob o título “Contribuições para a flora do Itatiaia”.

À partir de 1913 diversos pesquisadores botânicos brasileiros também contribuíram, sendo eles Firmino de Tamandaré Toledo Jr. (1913), Alberto J. de Sampaio (1927), Paulo Campos Porto (1914/1938), G. F. Edmundo Pereira e Eduardo Cunha Melo (1951) e muitos outros. Este último, agrônomo, desenvolveu o “Estudo dendrológico de essências florestais do Parque Nacional do Itatiaia e os caracteres anatômicos de seus lenhos”, publicado no boletim n0 2 do Parque Nacional.

No entanto a obra científica mais importante sobre a flora de região foi escrita por Alexandre Curt Brade (1913/1954) sob o título “A Flora do Parque Nacional do Itatiaia”, boletim n0 5 (1956), descrevendo inúmeras espécies novas, relacionando mais de uma centena de plantas endêmicas e identificando outras tantas consideradas exóticas, procedentes dos Andes peruanos, Austrália e Europa.

As primeiras coleções do herbário registradas no acervo do parque datam de 1913, para as quais, além de Brade, contribuíram também Paulo Ochioni, Graziela Barroso, F. S. Viana e ainda os professores Alberto Castellanos, da Argentina, H.F. Martins e J.P.P. Carauta, resultando de suas colaborações o trabalho publicado no Boletim n0 8 (1956) sobre as pteridófitas da região. À partir de 1943, com a vinda do Dr. Wanderbilt Duarte de Barros para a direção do parque, reiniciaram-se as coletas botânicas, sendo construídos os móveis de exposição e arquivo do antigo Museu da Fauna e da Flora, recentemente desativado pelo governo federal.

Na fauna regional figuram inúmeras referências zoológicas, entre vertebrados e invertebrados, onde os primeiros registros foram da avifauna e anuros, coletados por Carlos Moreira e Ernest Hemmendorff (1901/1903), seguidos pelo zoólogo Alípio de Miranda Ribeiro (1904), relacionando 43 espécies de aves, estudando e classificando anuros, répteis e pequenos mamíferos, além das duas únicas espécies de peixes da região, e cujos trabalhos encontram-se no Arquivo do Museu Nacional (1905).

O Museu Paulista estudou a avifauna dos campos do Itatiaia, enviando vários ornitólogos à partir de 1906. Em 1907 Charles E. Hellmayer publicou considerações sobre algumas novas espécies descobertas. Entre 1921 e 1922 o Museu Nacional volta a estudar a região, trazendo Pedro Pinto Peixoto Velho, cujo relatório de viagem foi publicado no Arquivo do Museu Nacional (1923).

Entre os pesquisadores que estudaram a avifauna do Itatiaia, o ornitólogo norte-americano Ernest G. Holt, que aqui esteve entre 1921 e 1922, foi o cientista de maior significado, elevando a lista de aves para 150 formas geográficas. Deste trabalho tem-se notícia apenas bibliográfica, tendo sido publicado no Boletim do Museu Americano de História Natural, sob o título “Ornitholgical Survey of the Serra do Itatiaia – Brazil”. Suas referências foram citadas por Olivério Pinto, no Boletim n0 3, “Aves do Itatiaia” (1954).

Dando continuidade ao estudo dos vertebrados, visitou Itatiaia a naturalista Berta Lutz, especialista em anuros e pesquisadora do Museu Nacional. Procedeu-se então o estudo dos anfíbios, identificando 64 espécies, e descrevendo novas formas dos gêneros Hyla, Hylodes, Holoaden, Crossodactylus e Megaelosia. Boa parte desse material encontrava-se no acervo cientifico do parque, recentemente desativado e distribuído entre outras instituições, e o Museu Nacional. (Obs: outras espécies de anuros foram descritas por Élio Gouvêa, autor desse texto, sozinho e em parceria com o professor Eugênio Izekson, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).

Em função da criação do Museu da Fauna e da Flora vieram novos pesquisadores, publicando trabalhos como “Mamíferos do Parque Nacional do Itatiaia”, de Fernando Dias Ávila-Pires e Élio Gouvêa, no Instituto Oswaldo Cruz; o zoólogo Rudolf Barth (1958/1960) produziu dois trabalhos, o primeiro sobre “A Fauna do Parque Nacional do Itatiaia” e o segundo sobre “Órgãos odoríferos dos Lepidópteros”, boletim n0 7 (1960).

A fauna insecta foi minuciosamente estudada por vários especialistas. Entretanto foram José Francisco Zikan e seu filho Walter Zikan (1923/1954) os que mais contribuíram para o levantamento biológico e sistemático da insectofauna regional, produzindo uma das mais famosas coleções do extinto museu. Entre os trabalhos por eles desenvolvidos, o mais importante é o estudo sobre vespas, registrado no Boletim n0 1, “O gênero Mischocytarrus Sassure (Hymenosptera Vespidae), com a descrição de 82 espécies novas (1949).

Sua coleção particular somou mais de 30 mil espécimes, e foi adquirida pelo governo federal, ficando depositada no Instituto Oswaldo Cruz (RJ). O diretor do parque, Dr. Wanderbilt Duarte de Barros, procurou novos pesquisadores, como os entomologistas Person e L. Travassos (1945), com o objetivo de aumentar as coleções, pois não podia mais contar com Zikan, que veio a falecer em São Paulo.

A geologia também foi estudada, sendo feitas as primeiras notas por J.F. da Silva (1876), porém as principais referências geológicas pertencem a A. Von Lasaulx (1885). Outros estudos foram realizados: A.B. Paes Leme (1923) e O. Maull (1930). Porém foi Alberto Lamego quem divulgou um estudo completo do Itatiaia.

Outros geólogos continuaram com as pesquisas: E. de Martonne (1943), M. S. Pinto (1938), J. D. da Silveira (1942), F. Ruellan (1943), R. Ribeiro Filho (1948), Heinz Ebert (1960), D. Teixeira (1961) e finalmente Evaristo Ribeiro Filho e Faustino Penalva (1960 a 1964), que divulgaram excelente trabalho: “Geologia e Petrologia dos Maciços Alcalinos do Itatiaia e Passa-Quatro” e “Geologia e Tectônica da região do Itatiaia” (1967), cuja tese outorgou-lhes os títulos de doutores em geologia”. (Élio Gouvêa)

Célia Borges

Os cem anos dos núcleos coloniais de Itatiaia e Visconde de Mauá

A criação dos Núcleos Coloniais de Itatiaia e de Visconde de Mauá, que promoveu a vinda do maior grupo de imigrantes europeus para a região, está completando cem anos. O primeiro passo foi dado em 30 de abril de 1908, quando o governo do Estado do Rio de Janeiro, representando a União, propôs ao Comendador Henrique Irineu de Souza – filho e herdeiro do Visconde de Mauá – a compra do conjunto de fazendas de sua propriedade no maciço de Itatiaia.
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O negócio foi fechado rapidamente, e no dia 4 de junho do mesmo ano, lavrada a escritura de compra pelo governo federal de 48 mil hectares, englobando sete fazendas e suas benfeitorias, ao preço de 130 contos de réis. E, finalmente, em dezembro de 1908, chegaram os primeiros grupos de colonos, formados principalmente por famílias alemãs. Divididos entre os dois Núcleos, adquirem os lotes vendidos pelo governo federal, que entretanto se compromete a assumir toda a responsabilidade sobre o empreendimento, o que foi mantido apenas até 1916.
O objetivo dos Núcleos Coloniais era a produção de frutas européias, de cereais, tubérculos e a criação de gado de clima temperado, além de pequenos animais. A área dos dois núcleos foi dividida em lotes rurais de 25 hectares, custando de 10 a 20 mil réis o hectare, e lotes urbanos, próximos às sedes, de 3.000m2, a preços de 10 a 40 mil réis por metro quadrado. Quem teve recursos para pagar à vista recebeu seu título de propriedade, mas nas vendas à prazo os colonos recebiam apenas um título provisório. O prazo dado para o início do pagamento das prestações foi até 1911.
Outros grupos de imigrantes europeus foram chegando nos anos seguintes, formados principalmente por alemães, franceses, belgas e italianos, ocupando os lotes ainda disponíveis. Em 1912, por exemplo, chegaram ao Núcleo de Itatiaia doze famílias de colonos holandeses. Nessa época, as despesas da União com a implantação dos núcleos, incluindo a aquisição de terras, construção de casas e estradas, foi avaliada em 307 contos de réis.
O apoio do governo federal cessou em 1916, quando através do decreto 12.083, de 31 de maio, o Núcleo Colonial de Itatiaia foi emancipado, o que já estava previsto, e que significava autonomia para os colonos. Desde então, os lotes que não satisfaziam aos seus proprietários, ou que ainda não tinham sido quitados, puderam ser vendidos. Muitos foram adquiridos por mineiros residentes em áreas vizinhas, para a produção de leite, especialmente na região de Visconde de Mauá. Passaram a ser considerados como “colonos nacionais”.
Essa época marcou também o despertar da vocação turística da região, quando as famílias de origem européia passaram a receber turistas em suas próprias casas. Nos anos seguintes surgiram as primeiras pousadas. Em 1924 Josef Simon comprou o lote 90 do Núcleo de Itatiaia, onde mais tarde construiria o Hotel Simon. Roberto Donati adquire o lote 128, onde em 1931 inauguraria o Hotel Repouso Itatiaia, hoje Hotel Donati. Em Mauá, os Bühler também passaram a se dedicar ao turismo.
A criação do Parque Nacional do Itatiaia, em 14 de junho de 1937, não causou maiores problemas aos colonos, já que o decreto 1.713 dessa data não incorporava os lotes do Núcleo Colonial pertencentes a particulares. Foram incorporados apenas os lotes do Ministério da Agricultura, pertencentes à União e que não tinham sido vendidos aos colonos, além da área da Estação Biológica, num total de 11.943 hectares.
A convivência pacífica entre o núcleo colonial e o Parque, entretanto, começou a ser ameaçada 45 anos mais tarde, em 1982, quando o decreto 87.586, de 20 de setembro, sancionado pelo então presidente João Figueiredo, ampliou os limites da reserva para cerca de 30.000 hectares, incluindo lotes do antigo núcleo pertencentes a particulares, sem definir entretanto que seriam desapropriados, e sem justificativa técnica para incluí-los.
Os descendentes dos colonos do núcleo de Itatiaia, e demais residentes que adquiriram os lotes deles, vêm empreendendo desde então uma incansável batalha judicial em busca de uma solução negociada para o problema. Eles argumentam que, ao contrário de ameaçar a natureza, contribuíram muito para a preservação dessas áreas, que haviam sido anteriormente destinadas à campos e pastagens, e que com a mudança das atividades planejadas, acabaram se transformando em florestas secundárias.
A Associação dos Amigos de Itatiaia – AAI – vem há quase dois anos tentando organizar a festa do centenário do Núcleo Colonial, mas a comemoração foi um tanto comprometida, não apenas pela situação de insegurança em que se encontram atualmente, quanto pelas dificuldades em conciliar projetos e opiniões. Criada em 4 de abril de 1951, a AAI é sociedade civil sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal preservar a flora, fauna, águas e belezas naturais da região.
Segundo sua diretoria, a AAI sempre procurou cooperar com a administração do Parque e demais autoridades, contribuindo para promover o turismo, e ao mesmo tempo atuar na prevenção de desmatamentos, depredações, incêndios, caça clandestina, poluição do meio ambiente e perturbação da ordem local. A associação cuida também da divulgação da história e das belezas da região.
Ela promove reuniões culturais, conferências e exposições de arte, assim como planeja a publicação de um livro sobre a história do Núcleo, em fase de pesquisas. As fontes usadas como base para esse texto são o livro de Itamar Bopp, Cem Anos da Cidade, e informações prestadas pela diretora da AAI, Maria Teresa de Mehr. A foto de abertura é o navio Cap Verde, que trouxe os primeiros imigrantes, extraída do livro Nossa História, de Antonio Carlos Costa.