23 de fevereiro de 2015

Captalismo selvagem

     Essa expressão, cunhada lá pelos meados da década de 60, nunca foi tão apropriada ao seu significado quanto nos nossos dias. Ela pode significar várias coisas, ao gosto do freguês, mas traduz principalmente a prática de relações econômicas regida pela “lei do mais forte”, o desrespeito aos princípios da democracia e igualdade, em nome do lucro a qualquer preço, e quanto mais, melhor. Há 50 anos o capitalismo selvagem era só uma criancinha ingênua, se comparado à forma como vivemos hoje, sob total domínio, não de princípios, mas de fins econômicos.
As nossas relações humanas, sejam sociais, culturais e financeiras, encontram-se de tal maneira contaminadas pela ganância, pela usura, pelo desprezo pela ética, que acabamos nos sentindo ameaçados – e com razão – até pelas mais simples relações de sobrevivência que somos obrigados a ter, por exemplo, com os concessionários de serviços públicos, que diante da frouxidão dos consumidores e das autoridades, estão fazendo literalmente o que querem como o consumidor brasileiro.
     Campeão disparado do troféu Capitalismo Selvagem dos últimos cinco anos é o setor das telecomunicações. É fácil conferir, e eu pergunto ao amigo leitor se, nesse citado período, por acaso teve algum problema com serviços telefônicos, TV a cabo e internet? Se não teve é um felizardo...mas será que ninguém da sua família, amigo, conhecido, colega de trabalho...não conhece ninguém que não tenha tido pelo menos um probleminha com, vejamos, adquirir serviços sem viabilidade técnica, ser cobrado por serviços que não solicitou, ter o sinal interrompido sem qualquer explicação, querer cancelar um serviço e não conseguir, cancelar um serviço e continuar a ser cobrado por ele... enfim, a lista de problemas que essas empresas nos criam vão além da nossa simples e humana imaginação.
     Eu, pessoalmente, já tive todos eles, e não me lembro de conhecer ninguém que algum dia também não tenha tido um entrevero com uma dessas empresas. Errar é humano, mas não é o caso de empresas que dispõem de tanta tecnologia. Mas pior do que errar, é a persistência no erro, o que parece ser uma política institucional dessas operadoras, que aboliram o serviço direto em lojas, para melhor infernizar a nossa vida, via telemarketing. Para que ganhem mais sem deixar de cumprir o dever de atendimento, contratam aparentemente, pessoas sem o menor preparo e mínima escolaridade, cujo maior talento é prender você na linha por longos 20 ou 30 minutos, até que a ligação caia sem você ter conseguido concluir sua solicitação.
     Uma das maiores dificuldades é solicitar qualquer tipo de cancelamento. Tenho a impressão de que os humildes trabalhadores do telemarketing são ameaçados com o fogo do inferno, se aceitarem um cancelamento. Todos os obstáculos são colocados, jogam você de um serviço para o outro, até que no limite da exasperação, você desiste. E pensa, vou deixar para amanhã. Quando aliás, pode ter certeza, a tortura vai se repetir. Aí você consegue cancelar, e quando passa o tempo regulamentar, lá vem a conta do serviço que você cancelou. Eles esqueceram de comunicar ao setor de cobrança, e se você se atreve a não pagar, e reclamar, corre o risco de ter seu nome no serviço de proteção ao crédito.
     Ganhar o dinheiro do cliente a qualquer custo, não oferecer um serviço confiável nos casos de reclamações, trapacear acrescentando serviços não solicitados e cobrando por eles, fechar canais de ouvidoria impedindo o aperfeiçoamento do atendimento, tudo isso é capitalismo selvagem. São a ganância e a usura falando mais alto que o respeito ao cidadão, contribuinte, consumidor, ou enfim, ao palhaço que mantem a economia funcionando. Só para repetir o que a imprensa publica regularmente, temos os piores serviços de telefonia e os maiores preços desses serviços em relação à maioria dos países. Aliás, pagamos um absurdo por tudo.
      Está cada dia mais difícil contratar um serviço, recebe-lo, pagar a conta, e seguir com a vida. As empresas parecem querer desafiar os limites da nossa tolerância, sem se preocuparem com as estatísticas que, a cada ano, denunciam mais e mais variados desrespeitos ao direito do consumidor, desde que continuem se alimentando de um lucro indevido, que satisfaça a voracidade dos seus investidores. Mas também cabe a nós, consumidores, “botar a boca no mundo” e reclamar. Usar todos os meios e comunicação e redes sociais para reclamar. Perder seu precioso tempo e ir à Justiça, para aumentar o cordão dos reclamantes. Talvez no dia em que as multas e indenizações puserem em risco essa busca desenfreada pelo lucro, essas empresas, e também as outras como as do ramo financeiro, pensem um pouco mais antes de criar sistemas destinados a lesar quem trabalha para pagar suas contas.


Célia Borges