2 de fevereiro de 2011

ALDEIA GLOBAL – Um estranho caso de condenação sem julgamento

Um cidadão, mecânico de profissão, pessoa conhecida em Resende, encontra-se preso desde meados de dezembro, sob suspeita de tráfico de drogas. Poderia ser um caso corriqueiro, se não fosse por certas circunstâncias estranhas que caracterizaram esse fato, e que vem despertando comentários na cidade. Em primeiro lugar, segundo o auto de prisão, aliás, dito “em flagrante”, o cidadão não portava nenhum vestígio de droga, nem com ele mesmo, nem no seu carro, que se encontrava estacionado próximo, e que foi devidamente apreendido e revistado.
A droga em questão - uma pequena quantidade de maconha, doze gramas - encontrava-se na posse de outra pessoa, que caminhava ao seu lado, e que no momento da abordagem policial, optou por afirmar que a droga pertencia ao citado cidadão, de quem teria comprado, por R$ 20,00. Afirmando ser usuária, essa pessoa foi autuada e liberada. Já o cidadão que não portava nenhuma droga, ao chegar á Delegacia, encontrou a presença da imprensa, aliás de diversos veículos, diante dos quais foi fotografado e alvo de reportagens que o apresentavam como “Traficante preso em flagrante em Resende”, publicadas não só em veículos locais, como A Voz da Cidade e Diário do Vale, como até em jornais da capital, como o Extra e o Jornal do Brasil. Entre outros.
Na maioria dessas matérias, foi esquecida a circunstância de simples suspeição, tendo sido o cidadão tratado como um criminoso contumaz. Sem julgamento, e sem direito à qualquer defesa, essa pessoa foi condenada publicamente, para grande impacto de seus familiares, amigos e clientes, e principalmente para o filho, de apenas 15 anos, e a quem sempre o cidadão procurou proteger do acesso ao vício. Alvo de uma acusação circunstancial, e com provas no mínimo insuficientes, ele encontra-se preso desde 15 de dezembro, penalizado antecipadamente por uma culpa da qual nem sequer foi julgado.
A prisão do cidadão foi, obviamente, planejada, já que os policiais reconhecem que estavam “de tocaia”, e a imprensa já estava na delegacia esperando. Segundo o registro, o cidadão em questão havia sido alvo de denúncias, justamente por permanecer frequentemente no lugar onde foi preso. Sua presença no local estava incomodando alguém, possivelmente alguém poderoso bastante para mobilizar a força policial, e permanecer anônimo. Alguém poderoso bastante para justificar o esforço da força policial, em prender em flagrante um cidadão que não portava drogas, e mesmo assim foi submetido ao vexame de uma condenação publica, antes mesmo de ser julgado, numa injustificável presunção de culpa.
A presença do cidadão naquele local, uma praça, pode ter uma explicação muito simples, que o denunciante e a polícia preferiram não considerar: vítima de um acidente de trânsito há pouco mais de um ano, o cidadão em questão sofreu grave fratura num braço, o que o obrigou a uma cirurgia delicada, meses de imobilidade, e outros tantos de fisioterapia, para tentar recuperar os movimentos e poder voltar a trabalhar. Por ser local próximo à casa dos pais, já idosos, onde foi criado, e onde vai constantemente, em seus momentos de imobilidade forçada, costumava permanecer ali por algum tempo, em horário de almoço e no final da tarde, trocando “um dedo de prosa” com antigos moradores do local, que o conhecem bem.
Enquanto os verdadeiros bandidos, armados e portadores de grandes quantidades de droga, continuam à solta, um cidadão que é reconhecidamente pessoa pacífica, contra a qual não se atribui nenhum ato de violência, permanece preso por uma droga que não estava em sua posse, e nem se provou que era dele. Um cidadão que, por ser apenas suspeito, merece um julgamento justo, e não uma condenação pública antes mesmo de ser julgado, como aconteceu no caso. Se alguém denunciou, que se apresente e mostre suas provas. Se o policial, como declara no auto, viu o suspeito colocar a droga na bolsa da testemunha, porque não fotografou. Se estava tão longe para não ser visto, quem garante que realmente viu.
Como jornalista, me repugna ver a imprensa ser usada para condenar antecipadamente pessoas que não foram ainda julgadas, motivo pelo qual esse caso me mobiliza tanto. Mesmo que venha a ser inocentada no julgamento, essa pessoa estará definitivamente marcada como criminoso, como marginal. Fico impressionada diante da irresponsabilidade da autoridade policial, tanto quanto a dos próprios colegas jornalistas, em condenar alguém sem a confirmação judicial da culpa. Isso nos remete ao nazismo, e não a uma democracia onde se respeita os direitos do cidadão. Inocente ou culpado, a imprensa já condenou esse cidadão diante da comunidade.
A maioria dos fatos acima é de conhecimento público, e podem ser verificados através da internet, nas notícias publicadas no dia 16 de dezembro do ano passado, e dias seguintes, nos jornais citados. Mesmo que inocentado, quem dará trabalho à essa pessoa, depois de publicamente condenada como traficante? E ainda que culpado, onde ficou o seu legítimo direito de defesa? Se fosse seu filho, seu marido, seu parente, o que você diria de uma prisão nessas circunstâncias? Como você pode se sentir seguro, se basta uma denúncia anônima para você ser transformado num criminoso?
Se o cidadão for culpado, que seja julgado, à tempo e à hora, no momento certo. O que é inaceitável é que a autoridade policial promova a condenação de alguém, por motivo fútil – como a apreensão de menos de 20 gramas de maconha – e sem a devida comprovação do ilícito. A palavra de uma pessoa contra outra, no mínimo, é um caso de dúvida razoável. Não seria de surpreender que alguém, diante de um risco pessoal de ser acusada de tráfico, acuse o outro que esteja ao seu lado, para se livrar do flagrante e da prisão.
Que a polícia e a justiça combatam o tráfico de drogas, é atitude que só merece o nosso aplauso. Mas o caso em questão mostra que, nessa luta, se permite o abuso da autoridade, em circunstâncias que podem penalizar quem não merece. Por trás desse suspeito, um mero número num processo policial e judicial, existe um cidadão, com sua família aflita por respostas, e que está sendo condenada, talvez injustamente, junto com ele.
Célia Borges