14 de março de 2008

RESENDE HISTÓRICA II - Narcisa Amália, pioneira no jornalismo e na poesia



Narcisa Amália é uma poeta resendense por definição, até porque, infelizmente, sua produção literária ficou bastante restrita ao período em que viveu aqui. Sua importância para a literatura brasileira, entretanto, vai muito além dessa definição. Porque ela foi pioneira não apenas pelo fato de ter sido uma das primeiras jornalistas brasileiras, e a primeira a se profissionalizar como tal, mas também por ter sido uma das primeiras mulheres do Brasil a romper com o preconceito do que era considerado masculino e feminino, abordando temas e explorando assuntos que até então eram considerados exclusivamente de homens. Foi poeta brilhante, alvo dos comentários dos mais respeitados críticos da época, que entretanto, na maioria, estranhavam o fato dela não se limitar ao romantismo amoroso que se esperava de uma literatura feminina.

Narcisa Amália de Campos nasceu em 1852, em São João da Barra, norte do estado, mas veio para Resende ainda menina. Aos 14 anos casou-se com um palhaço de circo, mas o casamento fracassou, dando-lhe o espaço necessário para se entregar às suas verdadeiras vocações, o jornalismo e a literatura. Sua primeira atividade conhecida foi como redatora, revisora e tradutora de folhetins da época, para o jornal Astro Resendense.

Antes dos dezoito anos já editava o jornal A Gazetilha e colaborava no Garatuja, tendo à partir dessa época, passado a publicar suas poesias no Resendense, e divulgando suas idéias vanguardistas, contra a escravidão e a favor do regime republicano, enfatizando a condição submissa, imposta à mulher pela sociedade conservadora da época. Admiradora de Castro Alves e Victor Hugo, sua principal inspiração era a liberdade, e seu sonho era de que, num futuro não muito distante, pudesse ver os povos, homens e mulheres, livres da violência, da opressão e da injustiça.

Essa bela transgressora, admirada e invejada com igual fervor, não conhecia então, limites para perseguir seus sonhos. E assim, aos 21 anos, partiu para o Rio de Janeiro, sozinha, com o objetivo de conseguir os recursos para publicar seu primeiro livro. Essa atitude foi um escândalo para a época, gerando comentários maldosos. Mas sua resposta ultrapassou a malícia dos censores, pois em 1873, a Garnier, uma das editoras mais respeitadas da época, lançou Nebulosas.

O livro, prefaciado pelo jornalista Peçanha Povoa, teve surpreendente acolhida, recebendo críticas elogiosas de escritores consagrados, como Machado de Assis e José do Patrocínio, e comentários da imprensa especializada no eixo Rio-São Paulo. Em Resende essa repercussão foi ainda maior, resultando em solenidades, banquetes e bailes, além de efusivas saudações de destacadas figuras da imprensa, como Joaquim Maia, Francisco Vilaça e Pereira Barreto.

Nos anos seguintes, e enquanto continuou a escrever, Narcisa Amália sempre manteve a marca da rebeldia, desafiando limites e chegando ao limiar dos extremos. Em 1874, publica seu segundo livro, dessa vez de contos, Nelúmbia. Suas atitudes corajosas e talento literário indiscutíveis, ganham cada vez mais a consideração e o respeito dos seus contemporâneos. Um exemplo disso é o convite do autor, para que prefacie o livro As flores do campo, de Ezequiel Freire, texto elogiado por Machado de Assis.

A força de seu valor como jornalista e escritora, tem um contraponto de fragilidade na sua vida pessoal. Após usufruir por alguns anos, do sucesso e da admiração tão duramente conquistados, ela casa-se, em 1880, com Francisco Cleto da Rocha, o Rocha Padeiro. Ajuda o marido nos primeiros anos, sem abrir mão de receber, nos saraus em sua casa, amigos literatos como Raimundo Correia, Luis Murat, Alfredo Sodré...e até o Imperador Pedro II, que em vinda a Resende, vai “visitar a sublime padeira, por estar ansioso por lhe provar... do pão espiritual”. E isso, embora ela tenha sido uma fervorosa republicana abolicionista.

Mas o casamento não deu certo, e seu fim coincide também com um momento difícil no jornalismo. Em l984, ela ainda tenta reagir, tendo criado o suplemento quinzenal, Gazetinha, de O Timburibá, que tem como subtítulo, “folha destinada ao belo sexo”. Mas em artigo de 1889, publicado em A Família, diz que a violenta oposição a um artigo seu fizera-a despertar para o estilete que a palavra representa, e que feriu “certo e fundo” provocando violenta reação. Afirma que gostaria de continua escrevendo, mas que “colheu-me de surpresa uma nevrose cardíaca, enfraquecendo-me a energia, inutilizando-me para as lutas da inteligência, para as pugnas incruentas mas extenuantes da imprensa.” Além disso, a campanha maledicente movida pelo marido enciumado, ajudam a minar sua resistência.

A luta pela auto-afirmação acabou custando-lhe o preço da saúde. Talvez porque sua atitude solitária não tenha despertado a solidariedade necessária da comunidade feminina. Narcisa Amália tentou viver como jornalista, tradutora, escritora, poeta. Aos trinta anos era famosa, apreciada, cultuada. Demonstrava erudição, e estava sintonizada com a literatura européia, com os acontecimentos políticos e com as reivindicações feministas. Era, enfim, uma personalidade à frente de sua época.

Mas a luta era difícil demais, até para uma pessoa corajosa como ela. Cansada de tantos obstáculos, desiludida e desanimada, ela retirou-se para o Rio de Janeiro, onde dedicou-se a ser professora, e depois, diretora de escola. Viveu ainda muitos anos, mas não se soube que tenha voltado a escrever. Morreu em 1924, aos 72 anos, cega e paralítica. Esquecida e desvalorizada, como parece ser a sina dos gênios.

Narcisa Amália foi uma grande poeta resendense, mas foi também muito mais do que isso. Quem se dispuser a pesquisar, vai descobrir, com surpresa, que ela está incluída nos mais importantes estudos da literatura brasileira, como uma das mais expressivas e notáveis poetas mulheres do século XIX. Poderia compara-la sem susto à Arthur Rimbaud, que escreveu sua obra na juventude e depois abandonou completamente à literatura. Ou à Fernando Pessoa, porque ela, como ele, “ardeu na lenha desse fogo” que é a abdicação do EU em favor de algum valor maior, como dar seu sangue pela humanidade.

Narcisa Amália inscreveu, por seu próprio valor, o nome na história da nossa literatura, na história da vida cultural do nosso município, na nossa própria história. Por tudo isso, merece ser sempre lembrada, de ter sua memória cultivada...e de valer mais do que esse modesto esforço para ser reconhecida. Gostaria de, nesse momento, estar plantando apenas uma sementinha, daquilo que precisaria ser o empenho das novas gerações de poetas, escritores e historiadores, para não deixar que essa chama se apague. De garantir que ela nunca será esquecida.

ALDEIA GLOBAL XIX - Socorro!!! Estão roubando dos velhinhos!!!

Se o mundo fosse um lugar justo, e se eu fosse respeitada como cidadã, com certeza isso não estaria acontecendo!!! Aliás, mais com outros do que comigo... Nós já vimos um filme parecido antes, mas parece que só eu tenho boa memória, pois tudo se passa diante dos nossos olhos, e nós, omissos ou distraídos, vamos deixando... quer dizer, nós não, porque eu não vou deixando nada!!! Eu reclamo, eu esperneio, eu simplesmente não me conformo!!!

No meio de toda essa loucura em que nós vivemos – internacional, nacional, estadual, municipal e, porque não reconhecer, até comunitária – eu ainda me espanto de ver essa mentalidade utilitarista que vai tomando conta dos nossos valores, de forma que só merece espaço quem tem potencial de produzir dinheiro ou poder (nesse último caso, e na maioria dos “ativos”, para outros, na forma de clientelismo, voto comprado, ignorância garantida). Segundo esse raciocínio, os velhos, como inativos, ficam reduzidos à uma espécie de “peso social”, sem voz e cada vez com menos direitos.

Quando digo que já vi filme parecido é porque me lembro da situação dos aposentados na época do “impeachment” do Fernando Collor, e de como tiveram peso no meio do conjunto da opinião pública, quando se tratou de destronar um governo corrupto e desonesto. O caos da previdência, na época, era uma boa desculpa para a fraude, e para o governo “fazer caixa” lesando os idosos, um dos grupos mais indefesos da população. Mas o problema não era tão grave, tanto que em poucos meses o governo Itamar conseguiu por ordem na casa, devolvendo aos aposentados os seus direitos e um tratamento mais digno.

Mas, como alegria de pobre dura pouco, o governo FHC (como se o próprio fosse um garotão), retomou a política de retaliação – sabe-se lá com que objetivo!!! – contra idosos e aposentados, política essa que chegou ao inimaginável, quando o governo Lula (teoricamente representante do trabalhador), conseguiu taxar pensões e aposentadorias, criar tetos e redutores, que só se aplicam aos que não têm voz ativa para protestar...porque os privilegiados continuam dispondo de todas as prerrogativas que garantem os “direitos” que para os comuns dos mortais, deixaram de existir.

A tal Reforma da Previdência, como quase tudo o que acontece no Brasil desde os tempos da colônia, foi “pra inglês ver”. Ou “pra americano ver”. Ou “pro mercado ver”... O tal rombo da previdência continua igual, ou muito maior, porque as fraudes não tiveram descanso nem intervalo. Roubaram a poupança dos velhinhos a troco de nada. Ou talvez a troco de garantir os recursos para o pagamento da dívida externa. Ou para programas preconceituosos e segregacionistas, que privilegiam grupos étnicos, ou mesmo preferências sexuais, mas não o conjunto da população. Esqueceram que entre os idosos também existem negros...e gays, todos eles relegados ao abandono. Relegados a um, digamos assim, democrático abandono...

O caso é que a população do país, assim como a população de todo o mundo, está envelhecendo. E a expectativa de vida aumentando. E enquanto isso ocorre, vamos enfrentando as conseqüências de uma política social que deixa essa parcela da população cada vez mais desprotegida, seja retirando-lhes os meios suficientes de sobrevivência através da redução dos seus vencimentos, seja por falta de programas e assistência adequada aos mais carentes, e até pelas dificuldades que lhes são impostas para se beneficiarem dos direitos legais a que fazem juz.

Só para dar um pequeno exemplo, existe uma legislação específica relativa ao pagamento de impostos, para maiores de 65 anos. O título VI, capítulo I, Seção III (Dos impostos da União), artigo 153, da Constituição Federal, diz o seguinte: “Os impostos não incidirão sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios às pessoas com mais de 65 anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos de trabalho”. Agora, me aponte um único cidadão idoso do país que nesse momento esteja se beneficiando dessa lei...porque eu não conheço nenhum.

Um notório sintoma do caos social e jurídico sob o qual vivemos é o fato de que o Estado, nas suas várias instâncias, não se sente obrigado a cumprir leis. Para se habilitar ao cumprimento de uma, o cidadão tem que – pasmem!!! – apelar para a Justiça. Justiça essa que, para a maioria dos cidadãos, vem se mostrando não apenas tarda, mas extremamente falha. O idoso que entra na Justiça para reclamar algum direito, mesmo que tenha sentença favorável, provavelmente vai morrer antes de ver seu esforço recompensado. A mesma Justiça que lhe dá ganho de causa, vai dar abrigo a uma infinidade de recursos, para adiar indefinidamente que o direito seja restabelecido.

Há alguns anos foi sancionado no país o Estatuto do Idoso, com toda a pompa e circunstância, com muitas promessas vãs, e que afinal, na maioria dos itens, como é praxe na legislação brasileira, virou letra morta. Apesar da publicidade feita em torno disso, a Justiça continua não dando prioridade aos processos envolvendo idosos. A legislação que permite que os credores de precatórios descontem do valor a receber seus débitos com o Estado (federal, estadual e municipal) também não é cumprida. Os custos de um processo, frequentemente, estão acima do poder aquisitivo do idoso. Advogados, principalmente bons advogados, custam caro. Diante disso, fica fácil lesar os mais velhos, porque a impunidade sobre o que se faz contra eles está cada vez mais garantida.

Ainda falta quase uma década para eu me enquadrar no bloco dos oficialmente idosos, por isso, não me considero reclamando em causa própria. Minha motivação é a de não conseguir compactuar com tanta injustiça, com tanta covardia. É a de ver os esforços de quem trabalhou toda uma vida, sendo sacrificados em benefício daqueles que nunca fizeram nada. De ver os recursos a que tinham direito sendo desviados para corrupção. De terem suas vidas – o final de suas vidas – trocadas por um sucesso econômico fundamentado no logro, na desonestidade e na injustiça.

Célia Borges