20 de março de 2008

ALDEIA GLOBAL XXI - Choque de ordem e tolerância zero no Pais das Maravilhas

Semana passada li nos jornais que um grupo de instituições do país, lideradas pelo Ministério Público Federal, está lançando uma campanha de apelo popular, no sentido de mobilizar os cidadãos a denunciarem a deliquencia ao seu redor. Uma campanha tipo “tolerância zero”, como aquela que o ex-prefeito Rudolph Giuliani promoveu em Nova York há alguns anos, que reprimia desde jogar lixo na rua até dirigir embriagado, de avançar um sinal até andar armado.
Civilização deveria ser isso, ter-se a consciência de que seu direito termina onde começa o do vizinho, e vice-versa, ter a convicção de que não há esperança de um “projeto humano” bem sucedido enquanto não houver garantia de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Perceber que saber dividir é melhor do que ser roubado. De que partilhar conhecimentos é uma boa forma de ampliar o seu mercado. De não ter medo de agir correto, nem de denunciar o que está errado.
Essa seria, por assim dizer, a ante-sala de um mundo ideal, a perspectiva de uma democracia à caminho da perfeição. Respeitadas as margens de erro, eu acredito sim, que uma iniciativa dessas possa dar certo. Em Nova York, o ganho foi notável. E eu até acredito que aqui funcionaria. Eu sou, confesso, meio deslumbrada com o meu “povo brasileiro”, porque já vi a população dar respostas absolutamente inacreditáveis a questões tais como boicotar o consumo de carne bovina ou economizar energia elétrica.
Antes de ser otimista e sonhadora, sou jornalista. É sob essa ótica que vejo o mundo, não tenho como escapar. É sob essa ótica que vejo o tal do “povo brasileiro”, ou seja nós, como uma orquestra potencialmente afinada. Dependendo do maestro, acho que podíamos sair do funk desafinado, e até tocar uma bela sinfonia (minhas desculpas pela manifestação explicita de preconceito musical). Acredito que o que falta em razão, sobre em emoção... sem desmerecer a força do marketing, e da comunicação em geral.
Do ponto de vista da Utopia, tudo perfeito. Mas vamos tentar projetar isso no mundo prático, no chamado “mundo real”. Eu, pessoalmente, conheço muitas pessoas que vêm praticando o “tolerância zero” há muito tempo. Nós somos (porque eu também faço parte dessa turma de teimosos) aquele bando de “chatos” que reclama!!! Seja do som alto, da proliferação de mosquitos, do perigo num cruzamento de ruas, do maltrato em crianças e animais, dos pontos de venda de droga, dos pontos de reunião de “gangs”, de tudo isso e muito mais, já vi meus amigos e conhecidos reclamarem.
Quem já passou por isso e não desistiu depois da primeira tentativa, merece parabéns. Quem persiste acaba percebendo que defender seus direitos é o melhor caminho de transformar sua vida num inferno. Além de ficar “mal visto” na vizinhança, você ainda corre o risco de retaliação ou vingança do delinquente denunciado. Na quase totalidade dos casos, a denúncia não funcionou, e em grande parte, ainda se virou contra o denunciante. Sem falar nos casos em que nem adianta reclamar, como as filas dos bancos, os juros exorbitantes, os impostos excessivos...
É nesse gargalo que fica entupido o meu otimismo e a também a minha visão jornalística do país. Porque enquanto não houver estrutura para abrigar a “nova ordem”, com as polícias funcionando sintonizadas com essa idéia e com a Justiça pronta para atuar no mesmo nível, é difícil acreditar que alguma coisa vai mudar. Enquanto os deliquentes de várias cores de colarinho continuarem “arrotando” que as acusações contra eles “não vão dar em nada”, não vejo a menor esperança de que um choque de ordem vá dar qualquer resultado.
A campanha é bem vinda, claro!!! Mas ela precisa começar pelos poderosos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário dando bons exemplos, superando o corporativismo e assumindo o conceito de tolerância zero entre seus pares, e até as últimas conseqüências. Enquanto o presidente da República continuar confraternizando com todos os corruptos, fraudadores e mau comportados, apoiando e justificando suas ações criminosas, é muito otimismo acreditar que uma campanha dessas possa dar certo.
Célia Borges