9 de maio de 2008

LIVROS – A História das Mulheres no Brasil


Nunca me considerei uma feminista. Ao contrário, sempre fui mais uma mulher extremamente feminina, embora ardorosamente interessada na compreensão do papel da mulher na sociedade, especialmente do ponto de vista histórico. Na experiência dos meus 56 anos de vida, aprendi, e não vou negar que com alguma dificuldade, que não há conflito entre o feminismo e a feminilidade. Um papel não anula o outro, como fomos condicionadas a considerar, durante muito tempo, por influência de um universo predominantemente masculino.

É justamente com essa visão, despida de preconceitos, que se deve encarar a leitura desse livro básico para a compreensão do papel da mulher na sociedade brasileira, a História das Mulheres no Brasil. Não é uma publicação recente, nem volume muito fácil de ser encontrado, mas qualquer esforço nesse sentido, para quem se interessa pelo assunto, valerá à pena.

Emprestando uma visão ampla e abrangente, do universo feminino na história do Brasil, esse livro, publicado em 1997, através de parceria entre as editoras Unesp (da Universidade de São Paulo) e Contexto, reúne trabalhos de importantes estudiosos do tema, que nos levam desde o cotidiano das indígenas ao movimento operário feminino, das mulheres do sertão nordestino às mulheres do sul, da pobreza à psiquiatria, da religião à sexualidade, os mais variados aspectos da condição feminina estão ali pesquisados e analisados.

Organizado pela professora Mary de Priore, também autora do trabalho “Magia e medicina na Colônia: o corpo feminino”, o livro recebeu os maiores elogios da crítica especializada. Segundo Norma Couri, n’O Estado de São Paulo, “é o trabalho mais completo que já se fez sobre o tema, no Brasil”. Para Luiza Nagibeluf, da Folha de São Paulo, foi “um trabalho sem precedentes no país”.

Segundo a organizadora, na contra-capa do livro “a história das mulheres não é só delas, é também aquela da família, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura e das suas imagens frente à sociedade. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e que praticaram, da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos”.

Talvez não pareça muito, mas considero, pessoalmente, que esse é um livro básico para o resgate da auto-estima de cada mulher brasileira, provavelmente muito mais útil que uma coleção de livros de auto-ajuda. Mais importante ainda para aquelas que são formadoras de opinião, como as professoras. Importante para homens e mulheres.

Célia Borges

ITATIAIA HISTÓRICA – Wanderbilt Duarte de Barros e o Parque Nacional


Quem entra à direita, vindo pela Via Dutra, no acesso ao município de Itatiaia, e na direção do Parque Nacional, vai percorrer uma longa avenida, até chegar aos portões daquela unidade de conservação: é a Avenida Wanderbilt Duarte de Barros. O nome não foi dado gratuitamente, como acontece com tantos logradouros públicos, Brasil afora. Na verdade ele é uma justa homenagem a um homem que soube, merecidamente, inscrever seu nome na história.

O currículo desse engenheiro agrônomo, e ambientalista pioneiro, é bastante longo e rico, não cabendo nesse espaço. Daí o resumo que se segue: nascido no seio de uma família de castanheiros da Amazônia, desenvolveu desde cedo intimidade com a natureza, em sua forma mais exuberante e primitiva, despertando nele um fascínio que o seguiria pela vida inteira.

Fez seus estudos primários em Óbidos, e em Belém, transferidos depois para Passa Quatro-MG, onde cursaria o secundário. Nessa cidade, em 1934, ingressou no curso de Engenharia Agronômica, formando-se três anos depois. Formado, buscou pela primeira vez trabalho no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, não tendo sido aceito. Outra oportunidade profissional levou-o à São Paulo, onde trabalhou no Departamento de Estradas de Rodagem.

Mas ele tinha uma meta, e não desistiu de persegui-la: em 1940, por concurso público, ingressa finalmente no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde teria oportunidade de aliar seus conhecimentos técnicos ao espírito conservacionista e ao fascínio pela natureza.

Em 1941 foi transferido pela primeira vez para o Parque Nacional do Itatiaia, onde iniciaria estudos botânicos na área de dendrologia, indo em seguida dirigir o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, entre setembro de 1942 e maio de 1943. O sucesso e o reconhecimento pelos resultados de sua administração o trariam de volta ao Parque Nacional em setembro daquele mesmo ano, agora como diretor, função que exerceria até 1957, tendo tido a chance de por em prática inúmeros dos seus projetos.

Sua ampla visão das necessidades de conservação dos recursos naturais o fazem trabalhar não apenas nos esforços para dotar o parque das condições físicas e materiais necessárias – como a construção de prédios e estradas – mas principalmente promovendo a região como núcleo de atividades científicas. Nesse aspecto, promove a criação do Boletim Técnico, convidando cientistas brasileiros e estrangeiros, das mais variadas instituições, para ali desenvolverem estudos e pesquisas, destinados inclusive a orientar a administração do parque nas práticas de manejo do ambiente natural, delimitar as áreas de turismo e desenvolver programas de cultivo de espécies nativas para reflorestamento de áreas degradadas.

A gestão de Wanderbilt Duarte de Barros à frente do Parque Nacional foi marcada por pesquisas nas áreas de entomologia, ornitologia, ecologia geral, botânica sistemática, anatomia da madeira, dendrologia, biologia dos vertebrados, climatologia e recursos hídricos. As coleções resultantes dessas pesquisas constituíram o precioso acervo do Museu da Fauna e da Flora (incluindo as de plantas secas de Curt Brade, Campos Porto, Graziela Barroso e Kuhlman, a coleção Zikan de entomologia e os exemplares taxidermizados por Élio Gouvêa e sua equipe), desativado pelo IBAMA no ano passado, sob protestos de cientistas e pesquisadores locais e da comunidade.

Quando se aposentou, em 1975, após trinta e cinco anos de trabalho, nunca havia tirado férias. Depois disso atuou como professor de cursos de aperfeiçoamento da OEA, foi professor da UFRJ e também Superintendente de Recursos Naturais e Meio Ambiente do IBGE. Em 1990, aos 74 anos, voltou ao Jardim Botânico como Superintendente, e cheio de energia como sempre, promoveu uma grande campanha de revitalização daquela instituição, mobilizando a iniciativa privada e ampliando o intercâmbio com instituições internacionais, ao organizar no Rio de Janeiro um Congresso Internacional de Jardins Botânicos, com o apoio do Comitê Internacional dos Jardins Botânicos, sediado na Inglaterra.

Um dos primeiros brasileiros a levantar a bandeira da proteção ambiental, foi autor de diversos livros sobre o tema. Falecido em maio de 1997, além do nome na avenida que dá acesso ao parque, tem seu nome inscrito também no Centro de Visitantes daquela unidade de conservação. A ele é dedicada também a cadeira 17 da Academia Itatiaiense de História.

(Pesquisa baseada no discurso de posse de Luiz Sérgio Pereira Sarahyba, na Acidhis, no Obituário de O Globo de 2/5/97 e no meu texto publicado no livro Duzentos Anos, da Ardhis/Resende)

Célia Borges

MULHER NA HISTÓRIA – Brasileiras e pioneiras (segunda parte)


Apesar da discriminação sofrida pela mulher no decorrer da nossa história, refletindo o papel secundário que lhe foi atribuido durante séculos, muitas pioneiras começam a surgir no início do Século XVIII, conquistando espaços à custa de suas inteligências e capacidades. Buscando formação técnica ou reivindicando igualdade de direitos, pode-se dizer que venceram porque não desistiram, enfrentando todo o tipo de obstáculos.

Essa chamada “revolução feminina” não aconteceu repentinamente, ela foi se estabelecendo passo a passo, primeiro através de conquistas pessoais, mas em seguida, à partir do Século XIX, ganhando contornos cada vez mais coletivos. Os casos das mulheres que se destacaram, por raros, acabaram recebendo notoriedade, e servindo de exemplos, cada vez mais influentes, para as demais mulheres.

Nísia Floresta – Na ponta desse pioneirismo, é preciso citar, por questão de justiça, o papel de Nísia Floresta, que em 1832 publicou o primeiro livro de que se tem notícia tratando dos direitos da mulher à instrução e ao trabalho. Sob o título “Os Direitos da Mulher e a Injustiça dos Homens”, a obra exigia que as mulheres passassem a ser consideradas como seres inteligentes e merecedoras de respeito pela sociedade.

Nascida em 12 de outubro de 1810, em Papari-RN, no Sítio Floresta, era filha de um advogado e recebeu o nome de batismo Dionísia Gonçalves Pinto. Casada aos 13 anos, separou-se em seguida. Em 1824 mudou-se para Pernambuco, e em 1828 passou a viver com o advogado Manuel Augusto de Faria Rocha, com quem teve em 1830 a primeira filha, Lívia Augusta.

Em 1831 estréia nas letras, publicando artigos no jornal Espelho das Brasileiras, e no ano seguinte lança seu livro, inspirado da obra da feminista inglesa Mary Wollstonecraff, “Vindications of the Rights of Woman. Nessa obra, assume o pseudônimo pelo qual viria a ser sempre conhecida: Nísia Floresta Brasileira Augusta. Em 1833 nasce seu segundo filho, Augusto Américo, e ela muda-se para Porto Alegre-RS com os filhos e o companheiro, mas esse vem a falecer a seguir, aos 25 anos.

Em 1837 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde no ano seguinte anunciava a inauguração do Colégio Augusto. Nos anos seguintes publicou vários livros, como Conselhos à Minha Filha (1842), Daciz ou a Jovem Completa, Fany ou O modelo das Donzelas e Discurso às suas Educandas (todos em 1847); A Lágrima de Um Caeté (sob o pseudônimo Telesila, em 1849); e Dedicação de Uma Amiga (em dois volumes, em 1850). Viveu na Europa (Paris, Roma e Lisboa) por vários períodos, tendo escrito em publicações desses países, e em vários idiomas, até seu falecimento em 1885.

Ana Néri – A mais famosa de nossas pioneiras, é sem dúvida, Ana Néri. Nascida em 13/12/1814, na vila de Cachoeira de Paraguaçu-BA, foi a primeira mulher a se dedicar à enfermagem no Brasil, tendo servido como voluntária na Guerra do Paraguai. Em sua homenagem, em 1926, Carlos Chagas deu seu nome à primeira escola oficial brasileira de enfermagem, e caracterizada por ser uma instituição de alto padrão.

Ana Justina Ferreira Néri, já viúva do capitão-de-fragata Isidoro Antonio Neto, na ocasião do conflito, não se conformava ao ver seus três filhos, o cadete Pedro Antonio Néri, e os médicos Isidoro Antonio Néri Filho e Justiniano de Castro Rebelo, além de dois irmãos oficiais do Exército serem convocados, e decidiu escrever ao presidente da Província uma carta, oferecendo seus serviços como enfermeira.

Proposta aceita, ela parte da Bahia, de onde nunca havia saído, em 1865, para trabalhar como auxiliar no corpo de saúde do Exército, servindo inicialmente no hospital de Corrientes, ao lado de um pequeno grupo de freiras vicentinas. Exerceu a profissão também em Salto, Humaitá, Curupaiti e Assunção. Na capital paraguaia, sitiada pelo Exército Brasileira, ela montou com recursos próprios, e na casa onde vivia, uma enfermaria modelo, na qual trabalharia com dedicação até o final da Guerra, na qual perdeu o filho Justiniano e um sobrinho.

Ao voltar ao Brasil em 1870, vê seu trabalho festejado e reconhecido, tendo recebido, além de condecorações, uma pensão vitalícia concedida pelo Imperador, e com a qual pode educar quatro órfãos que trouxera do Paraguai. Ana Néri morreu no Rio de Janeiro, em 20/05/1880, e uma das homenagens que perpetua sua história é o retrato pintado por Vitor Meireles, e que ocupa lugar de honra no Paço Municipal de Salvador.

Chiquinha Gonzaga - No campo das artes, esse nome é uma verdadeira lenda na História do Brasil. Nascida no Rio de Janeiro, em 17/10/1847, Francisca Edwiges Neves Gonzaga foi compositora e pianista de sucesso, tendo sido também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Seu talento inquestionável foi o melhor argumento para vencer os preconceitos da época, inclusive no aspecto da sua vida pessoal. Casada por imposição da família, teve a coragem de se separar, após o que assumiu sua relação com o engenheiro João Batista.

Musicista independente, tocava piano em lojas de instrumentos musicais, dava aulas de piano e também se apresentava em festas, ao lado de um grupo de músicos como Joaquim Calado. Preocupada em adaptar o som do piano ao gosto do público, tornou-se a primeira compositora popular do país. Seu sucesso começou em 1877, com a polca Atraente. Mas a notoriedade veio em 1897, com a versão estilizada do Corta-Jaca, e a consagração, dois anos mais tarde, com a marcha Abre-Alas, a primeira música escrita para o carnaval, para o Cordão Rosa de Ouro, do bairro carioca do Andaraí.

Chiquinha foi uma precursora também no teatro de variedades, onde estreou em 1885 com a comédia de costumes A Corte Na Roça. Em 1911 conquistou seu maior sucesso no gênero, com a opereta Forrobodó, que chegou a 1.500 apresentações e foi o melhor desempenho de uma peça do gênero durante muitos anos. Em 1934, com 87 anos, escreveu a partitura da opereta Maria. Ao todo, é autora de mais de duas mil composições, sendo 77 para peças teatrais. Foi também ativa abolicionista, e fundadora da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais.

Mais pioneiras – Conforme escrevi no primeiro texto dessa série, a pesquisa sobre o assunto parece infinita..e quanto mais se pesquisa, mas preciosidades se encontra. Em vista disso, só posso prometer novos capítulos, nem eu mesma posso avaliar quantos. Mas a pesquisa é estimulante, e pretendo continuar nela. Se os prezados leitores e leitoras quiserem compartilhar seus conhecimentos, e colaborar para enriquecer o tema, saibam que serão recebidos de braços abertos.

Célia Borges