8 de março de 2008

ALDEIA GLOBAL XVIII - Pedágio e Imposto de Renda: ralos por onde escorre a nossa cidadania


O conhecimento e a consciência dos nossos direitos e deveres é o primeiro, e o mais importante passo, para exercermos nossa cidadania. Por isso, quero começar essa crônica transcrevendo um artigo dos mais relevantes da nossa Constituição Federal de 1988, Título II, dos Direitos e Garantias Fundamentais, artigo 5: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Escrevo isso inspirada no trabalho de uma estudante de Direito da Universidade Católica de Pelotas, Márcia dos Santos Silva, de 22 anos, e que circulou na internet nas últimas semanas: “A Inconstitucionalidade dos Pedágios”. Ela se baseia no inciso XV daquele artigo: “é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. E acrescenta: “o direito de ir e vir é cláusula pétrea da Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a Constituição”.

Segundo a estudante, as estradas não são vendáveis, e as concessionárias que realizam contratos com os governos cobram pedágio para ressarcir os gastos: “No valor da gasolina é incluído o Cide e parte dele é destinado às estradas. No momento em que abasteço meu carro, estou pagando o pedágio. Não é necessário eu pagar novamente. Só quero exercer meu direito, a estrada é um bem público e não é justo eu pagar por um bem que já é meu”, argumenta ela, e conclui que não há lei que possa ser usada contra quem passar nas cancelas dos pedágios sem pagar.

Vale à pena pesquisar o trabalho e lê-lo na integra. A mim, ele deu muito em que pensar, como por exemplo em como a maioria de nós conhece pouco sobre as leis que deveriam reger a nossa vida, e como, por isso mesmo, aceitamos passivamente alguns abusos tão óbvios, e que contrariam tão flagrantemente o princípio dos “direitos iguais”. Porque definitivamente, não somos tratados de acordo com esse princípio. Entre tantos aspectos que confirmam isso – e que me ocorre pois acaba de ser aberta a “temporada de caça ao contribuinte” – é o do famigerado Imposto de Renda. E que, do jeito como funciona, deveria se chamar Imposto sobre o Trabalho.

Quem paga Imposto de Renda, em última análise, é o trabalhador. E entre todos os trabalhadores, os mais penalizados são aqueles que tem emprego de carteira assinada, o funcionalismo público e quem vive de rendimentos resultantes de trabalho, como aposentados e pensionistas. Porque esses tem suas contribuições descontadas na fonte, e com grande antecedência sobre o momento de prestar contas com a Receita. O IR retido na fonte em janeiro passado, só vai ser objeto da declaração a ser feita em março/abril do próximo ano. Para fins do contribuinte pessoa física, todos os valores arrecadados em 2008 ficarão “congelados” para o cidadão até a data da declaração de 2009, pois não terão qualquer tipo de atualização em seu benefício.

Uma outra parcela da população “contribuinte” só terá obrigação de prestar contas e pagar seu imposto naquele momento, o que caracteriza bem o fato de que alguns têm direito de reter seu dinheiro, aplica-lo, obter rendimentos até o momento de pagar o imposto, enquanto outros são obrigados à pagar com antecedência. Na prática, são recursos confiscados. E aquele que recolhe na fonte ainda corre o risco de demorar muitos meses para receber o IR recolhido a mais, a também famigerada devolução, que com a sua atualização mínima, ainda aumenta o prejuízo do cidadão.

O mais chocante nessa nossa condição de contribuintes “pré-pagantes” é que, além desse preço, ainda somos afetados moralmente, no momento em que o Poder nos trata como fraudadores em potencial, como cidadãos pouco confiáveis, submetendo-nos à tal de “malha fina” que inferniza a vida de quem comete até pequenos erros formais, como um endereço ou uma data errada. No afã de informatizar o sistema, a Receita joga o cidadão num labirinto de dificuldades, começando por regras e formatos de programa de declaração que mudam a cada ano, até a dificuldade, ou mesmo a total falta de informações sobre qual teria sido o erro cometido.

Todo o sistema parece estar sendo concebido para dificultar ao máximo o resgate do nosso dinheiro, pois afinal, é fácil “fazer caixa” às custas do trabalhador. E lamentavelmente, os idosos tem sido alguns dos mais prejudicados, pois além da dificuldade de lidar com as declarações eletrônicas e seus formulários cada vez mais complicados, ainda são frequentemente penalizados pelo “excesso” de gastos com saúde, quando na verdade não podem deduzir por exemplo os gastos com medicamentos de que tanto necessitam.

Admiro gente desbravadora, como a futura advogada Márcia dos Santos Silva, que não tem medo de cara feia e vai à luta pelos seus direitos. Acho que, de um modo geral, estamos sendo omissos e descuidados com relação à nossa cidadania. Certos hábitos inconstitucionais das nossas autoridades só são possíveis porque não estamos sabendo reagir com presteza e defender nossos direitos. Eu gostaria de não ter que pagar pedágios se já estou os estou pagando através de impostos. Mas não quero fazer isso como “desobediência civil”, embora, se pensarmos bem, vivemos sob o domínio da desobediência civil, e os delinqüentes (de traficantes a corruptos) sabem sobreviver com desenvoltura, às custas disso.

Mas eu gostaria de discutir a inconstitucionalidade do pedágio, assim como gostaria de poder discutir o desconto antecipado da minha contribuição ao Imposto de Renda. Entre outras inconstitucionalidades que nos assolam... Entre outros abusos de que estamos desacostumados de reclamar. Procuro ser cidadã cumpridora dos meus deveres, mas também quero defender os meus direitos. Vou começar lendo a Constituição Federal de cabo a rabo. E acho que o prezado leitor deveria fazer o mesmo.

Célia Borges

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