28 de julho de 2008

CREDORES SE REUNEM CONTRA ESTADO (RJ) CALOTEIRO

O jornal O Globo do último domingo (27/7/2008) publicou carta de um professor, sob o título “Estado caloteiro”, onde o missivista narra suas desventuras, que transcrevo a seguir: “Sr. Governador, em junho de 2007 foi publicada no D.O. do Estado a minha reassunção no cargo de professor docente I. Trabalhei com afinco, sem faltas ou atrasos, de julho a dezembro, sem receber salário. Sé em fevereiro de 2008, após muitas andanças, consegui restabelecer o pagamento; porém, o período de 2007 não foi pago”.

Mas o pior da carta vem à seguir: “Fui informado que foi transformado em reconhecimento de dívida, por parte do estado, sem previsão de pagamento. Soube que existem pessoas esperando o reconhecimento da dívida desde 1991, sem qualqu4er atualização dos valores a serem recebidos. Ficam as perguntas: será que trabalhei de graça para o estado durante meio ano? Será que algum dia vou receber?”

Prefiro não revelar a identidade do autor, e quem quiser conferir pode ir à coleção do jornal. O que me mobiliza é o conteúdo, que revela uma espécie de “submundo da administração pública”, onde os direitos do cidadão são jogados, sem qualquer respeito ou complacência, para debaixo de algum tapete governamental. E o que me assusta é a cumplicidade entre os Poderes, que torna tudo isso possível.

O cidadão, consumidor e contribuinte, tem que estar em dia com suas obrigações tributárias, federais, estaduais e municipais, estando sujeito à várias e rigorosas penalidades pelo não cumprimento desses deveres. O estado, entretanto, em seus vários níveis, pode se arvorar no direito de não cumprir seus deveres para com o cidadão, sem temer qualquer tipo de punição.

Além de funcionários que trabalharam sem receber (professores e policiais, médicos e merendeiras, profissionais de várias categorias funcionais, e geralmente cumpridoras dos seus deveres), estão também aqueles que tiveram suas propriedades desapropriadas para fins de obras públicas e outros interesses, os que ganharam processos na Justiça contra o estado, inclusive os que esperam indenizações pela perda de familiares (como crianças e idosos), e até os que, por responsabilidade do poder, ficaram impossibilitados de trabalhar.

As filas de credores à espera de pagamento se estendem, não durante anos, mas durante décadas, sendo comuns processos com mais de 20 anos de espera. Pessoas que perderam seus bens e que precisaram sobreviver de favor (como, por exemplo, à nível federal, os ex-moradores do Palace II). Outras que adquiriram deficiências físicas e outras doenças, sem ter tido acesso aos tratamentos que lhes eram devidos. Famílias que perderam seus bens, e não puderam dar aos filhos a educação que tinham direito e mereciam. Gente que teve a vida roubada, de várias maneiras, por conta do comportamento autoritário, arrogante e irresponsável de nossas autoridades.

Afinal, que democracia é essa, cujo governo pode impor prejuízos materiais aos seus cidadãos, sem prestar contas à ninguém? Que democracia é essa, em que o Judiciário só age em benefício de seus próprios interesses, e dos interesses corporativos do Poder, deixando esquecidos no fundo das gavetas os processos que poderiam fazer justiça ao cidadão comum? Que democracia é essa em que senadores, deputados e vereadores são ágeis em aumentar seus salários, mas se esquecem que exigir o cumprimento das leis que eles mesmos criaram?

Ainda mais estarrecedora é a omissão da sociedade diante de tal comportamento, assumindo uma postura de “vassalagem” que nos remete aos valores da Idade Média, em que a nobreza e a aristocracia tinham a palavra final sobre tudo. Embora o tipo de pessoas atualmente no poder não lembrem em nada nobreza e aristocracia, a submissão é equivalente. Ao invés das dinastias, temos as bancadas: a bancada do tráfico, a bancada da igreja evangélica, a bancada dos produtores de cana, a bancada dos planos de saúde, e por aí vai...

Enfim, e como não se pode enganar todo mundo o tempo todo, começam a surgir grupos por todos os lados, dispostos a reagir. Com relação ao assunto que deu início à essa prosa, pessoas cansadas de serem vítimas (e de certa forma cúmplices) do descaso oficial do governo do estado do Rio de Janeiro para com suas dívidas, decidiram criar a Associação de Pensionistas e Credores do Estado do Rio de Janeiro (APECERJ), de forma a unir esforços para, inclusive, combater as manobras políticas para adiar interminavelmente esses pagamentos.

Atualmente, o governo de estado se gaba de estar pagando, por exemplo, os famigerados precatórios, APENAS com dez anos de atraso. Entretanto, como mostra a carta do professor n’O Globo, há outras dívidas anteriores que não foram honradas, assim como os processos que sofreram o “golpe do acordo”, muito comum nas administrações da dupla Garotinho/Rosinha, em que acordos foram assinados mas não cumpridos, deixando uma multidão de credores “à ver navios”.

A APECERJ tenta reunir associados, para ganhar a legitimidade suficiente para propor Ação Civil Pública por Improbidade, medidas cautelares requerendo seqüestro dos bens, bloqueio e investigação de bens de governantes, assim como o afastamento das atividades públicas, daqueles que não cumprirem decisões judiciais. Quem quiser aderir, pode ligar para (021) 2533-3310/2532-6596/2292-8759.

Além dessa associação, tenho notícias e troca de correspondência com duas outras vertentes de resistência civil, sendo que uma é a Campanha do Não, em fase de organização no Rio de Janeiro (capital) e outra, o Movimento Tiradentes, sobre o qual escreverei numa próxima postagem. Incansavelmente em defesa da cidadania e dos direitos de cada um de nós,

Célia Borges

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