31 de março de 2010

SARAU SOBRE CLARICE LISPECTOR FOI UM SUCESSO: conheça um pouco sobre a vida dessa genial escritora



O Sarau de Poesia sobre Clarice Lispector, que encerrou a programação dedicada ao Dia Internacional da Mulher, no projeto Câmara Cultural, foi um verdadeiro sucesso. O plenário da Câmara Municipal de Resende esteve lotado nesta quarta-feira, dia 31 de março, reunindo um grande número de estudantes e professores, interessados em literatura.
Os textos da escritora – contos e poemas – foram apresentados pelas atrizes, jornalistas, escritoras e animadores culturais Dayse Marques, Fátima Porto, Jenifer Faulstich, Paula Mirela, e Kátia Quirino, esta através de um vídeo. Estiveram presentes o diretor do projeto Câmara Cultural José Leon, o “mestre” Claudionor Rosa, os artistas Wendell Amorim e Laurens, Daniel, da Oka Timburibá, e admiradores de Clarice Lispector.
Segue abaixo a palestra, na forma de um resumo biográfico, que tive a oportunidade de apresentar no evento, para quem quiser conhecer melhor a vida dessa brilhante escritora:
Escrever, e falar sobre Clarice Lispector, é um desafio. Além de ser autora de uma obra que passa por todos os gêneros literários - poesia, contos, crônicas e romances, e também artigos e reportagens jornalísticas – a sua própria vida é rica em situações inesperadas, resultando numa história cheia de aventuras e mistérios, desde seu nascimento, até as circunstâncias de sua vida, e da sua morte.
A paixão, e uma grande sensibilidade poética, caracterizam a maioria dos seus textos,que são densos, intensos, hipnóticos. São traços que se revelaram desde as primeiras publicações dessa escritora precoce, que publicou seu primeiro conto, Triunfo, aos 20 anos, mesma idade em que começou sua carreira jornalística como repórter e redatora da Agência Nacional. E que recebeu seu registro de jornalista profissional aos 22, quando era redatora do jornal A Noite.
Essa extraordinária escritora brasileira, nasceu entretanto na Ucrânia, antiga União Soviética, na cidade de Tchetchelnik, no dia 10 de dezembro de 1920. Foi a terceira filha do casal Pinkouss e Mania Lispector, batizada Haia Lispector, nascida justamente num momento em que a família se encontrava em processo de emigração rumo à América. Em 1922, depois de passarem pela Romênia e pela Alemanha, em março daquele ano desembarcam em Maceió, recebidos pela irmã de Mania, Zaina Rabin e seu marido José. É nessa época que mudam de nome, passando Pinkouss a se chamar Pedro, Mania a ser Marieta, a irmã Leia a Elisa, e Haia em Clarice. Só Tânia, a filha do meio, manteve o mesmo nome.
As viagens, e as constantes necessidades de adaptações, que começam ainda na primeira infância, vão marcar a história de Clarice por quase toda a sua vida. Em 1925 a família mudou-se para Recife, mas os projetos de prosperar naquela cidade esbarraram na doença da mãe, Marieta, que ficou paralítica e veio a falecer em 1930, enquanto Elisa, a irmã mais velha, cuidava de todos e da casa. Nos cinco anos seguintes, ela se dedica a estudar e a ler muito, principalmente livros emprestados.
A situação financeira da família começou a melhorar em 1933, e em 1935 eles se mudam para o Rio de Janeiro, residindo primeiro perto do Campo de São Cristovão, e em seguida na Tijuca. Clarice continua seus estudos, e em 1938, para concluir o curso complementar no Colégio Andrews, dá aulas particulares de português e matemática. No ano seguinte ingressa na Faculdade Nacional de Direito, enquanto faz traduções científicas para um laboratório, e trabalha como secretária num escritório de advocacia.
Em 1940 Clarice estréia na literatura, publicando o conto Triunfo no semanário Pan, e Eu e Jimmy, na revista Vamos Ler. Em agosto desse ano ela perde o pai, Pedro, vai morar com irmã Tânia, já casada, no bairro do Catete, e começa a trabalhar na imprensa. Leitora incansável, devora os principais autores, principalmente os poetas, da literatura brasileira. Nos anos seguintes escreve em vários jornais, tanto reportagens como textos literários. Em 42 faz cursos livres de antropologia e psicologia na Casa do Estudante do Brasil, e escreve seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem.
Em 1943 ela conclui o curso de direito e casa-se com seu colega de faculdade, Maury Gurgel Valente, que por concurso, ingressa na carreira diplomática. Desde então, e por muitos anos, sua vida passaria a ser uma coleção de mudanças e aventuras, alternando fases de grande realização e produtividade, com momentos dolorosos e situações dramáticas. Em 44 muda-se para Belém acompanhando o marido, mas em seis meses está de volta do Rio de Janeiro, para em seguida seguir para Nápoles, na Itália, em plena Segunda Guerra Mundial, acompanhando o marido em missão diplomática.
Enquanto no Brasil seu primeiro romance recebe críticas elogiosas, e o prêmio Graça Aranha, sendo considerado o melhor romance do ano, ela conclui o segundo, O Ilustre. Em 1945, vamos encontrar Clarice dando assistência a brasileiros feridos na guerra, trabalhando em um hospital norte-americano. O pintor italiano Giorgio De Chirico pinta-lhe um retrato. Faz amizade com poetas e artistas europeus. E o segundo romance, O lustre é publicado no Brasil pela Livraria Agir Editora.
Em 1946 ela vem ao país como correio diplomático do Ministério das Relações Exteriores, voltando em seguida à Europa, para morar em Berna, Suiça, acompanhando o marido, designado segundo-secretário daquela Embaixada. Nos anos seguintes ela iria residir ainda na Inglaterra e nos Estados Unidos, com idas e vindas regulares ao Brasil, ao mesmo tempo em que produzia alguns livros memoráveis, como A Maçã no Escuro e Laços de Família. Escrevia também para jornais e revistas, enquanto mantinha correspondência e relacionamentos com jornalistas e escritores, como Érico Veríssimo e sua mulher Mafalda, que viriam a ser padrinhos dos seus filhos, Pedro e Paulo.
A “fase diplomática” termina em 1959, quando depois de muitos conflitos, ela separa-se do marido e volta ao Brasil, indo residir no Leme. Escrevendo sempre e muito, recebe prêmios e produz outros livros, como o de contos A Legião Estrangeira e o romance A Paixão Segundo G.H. Mas sua natureza inquieta, e seus questionamentos filosóficos e literários, somam-se aos problemas familiares, como o quadro de esquizofrenia apresentado por um dos seus filhos, e que exige cuidados especiais, criando em torno dela a fama de uma personalidade dramática e fascinante. E é na literatura que essa personalidade sensível prossegue, em busca de uma espécie de redenção, escrevendo cada vez mais e melhor.
Um momento traumático marca sua trajetória, trazendo para sua vida pessoal uma parcela do conteúdo dramático que permeia seus escritos: em setembro de 1966, dormindo uma noite com cigarro aceso – e possivelmente em conseqüência do uso do medicamentos – ela é vítima de um incêndio em seu quarto, que provoca sérias queimaduras por todo o seu corpo, chegando ao risco de amputação da mão direita. Esse acidente mudaria radicalmente a sua vida.
O rosto, belíssimo, ficou definitivamente marcado por uma extensa cicatriz na face direita. Deprimida, ainda mais do que antes, passou a fechar-se em grandes períodos de reclusão. Mas não parou de escrever. Isso, nunca. Voltou ao jornalismo, escrevendo crônicas no Jornal do Brasil, e entrevistas com personalidades, para a revista Manchete. Escreveu ainda romances, contos, e até livros infantis.
Desafiando a vaidade feminina, continuou participando de eventos culturais e dando palestras, na Bahia, em Minas e São Paulo. Em 67 passou a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro. Em 68 participou da Passeata dos 100 mil, contra a ditadura militar. Trabalhou como revisora e tradutora de livros, para garantir os recursos necessários à sua sobrevivência. Entre eventos e encontros literários, participa em 1975 do Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. Nesse ano também começa a enveredar pela pintura, como uma nova e inexplorada forma de expressão.
Até 77 sua produção se intensifica, com livros escritos, publicados e premiados. Seu sucesso e reconhecimento no panorama literário brasileiro é maior do que nunca. Em 9 de dezembro de 1977, apenas um dia antes de completar 57 anos, Clarice morre inesperadamente, vítima de uma obstrução intestinal. Partiu de súbito, sem ter conhecimento de sua grave doença – um adenonocarcinoma só detectado depois – e poupada de um ainda maior sofrimento.
Na abertura de uma biografia da escritora, Clarice, do norte-americano Benjamim Moser, o autor cita uma visita dela ao Egito – numa das suas andanças diplomáticas – e sobre a qual ela escreveu anos mais tarde, com relação à Esfinge: “Eu não a decifrei... mas ela também não me decifrou”.
Clarice é assim: uma esfinge indecifrável para quem quer escrever sobre ela. “Que mistérios tem Clarice?” Ao mesmo tempo felina e ferina. Ao mesmo tempo frágil e corajosa. O leitor curioso, e interessado, tem certamente muito a descobrir, através dos textos maravilhosos dessa autora.
Célia Borges

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