17 de junho de 2010

PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA – Aos 73 anos, um idoso em estado de abandono


Na segunda-feira, dia 14 de junho, o Parque Nacional do Itatiaia completou 73 anos. É a reserva florestal mais antiga do país, e seu aniversário deveria ter sido motivo de festas. Mas se houve alguma comemoração, não conheço quem tenha ido, nem ouvido falar. Quem foi ao Parque, no dia do aniversário, deve ter percebido que não há mesmo o que comemorar, porque a primeira unidade de conservação do país encontra-se num estado lastimável de abandono, com as estradas esburacadas, as trilhas sem conservação, muitas cachoeiras com acesso interditado, ausência de Guarda Florestal ou serviço de guias, e um Centro de Visitantes que pouco tem a mostrar, depois que o Museu da Flora e da Fauna foi desativado.
A última comemoração amplamente divulgada de aniversário do Parque, em 2007, quando fez 70 anos, não correspondeu à anunciada revitalização, já que na oportunidade, além de não ganhar nada, o Parque ainda perdeu o seu museu. O Museu da Flora e da Fauna abrigava um acervo de inestimável, constituído de material para exposição e coleções para estudo, com 2.328 espécies de plantas e 186 de frutos, 400 tipos de animais (répteis, aves e mamíferos) e 2.345 artrópodes (insetos e aracnídeos), sendo que a coleção de estudos reunia 1.108 animais preparados e cerca de 11.200 artrópodes, que atraiam cientistas e estudantes de todo o mundo.
Mas o Parque Nacional do Itatiaia, origem desse monumental acervo, não foi considerado pela nova administração, que assumiu sua direção naquela época, local adequado para continuar abrigando-o, então as coleções foram enviadas para outras instituições. Nunca soubemos exatamente quais receberam o quê, pois não houve um relatório divulgado sobre o assunto. E os visitantes que se conformem com a fria exposição proporcionada por recursos audiovisuais.
Nesses três anos, nada foi feito de relevante no PNI, que lembre qualquer preocupação com a preservação ambiental. A condição da reserva é de acentuada decadência, resultado de uma administração negligente, que concentrou todos os seus esforços na execução de um Programa de Manejo, cujo único objetivo visível é a ameaça de desapropriação das propriedades particulares da pequena área do Núcleo Colonial Itatiaia, onde existem residências e hotéis.
A proposta desse projeto é criar na área do Núcleo, um grande complexo de lazer, com universidade para 1.500 alunos – inclusive com Curso de Gastronomia, para estudar novos cardápios, para degustação de espécies selvagens, entre outras barbaridades. Hotéis, campings, e a prática de esportes radicais são alguns dos outros itens para a planejada ocupação. E tirar essas terras de seus verdadeiros donos, para entregá-las à terceiros, à escolha dos responsáveis pela “política ambiental” vigente.
A pretensão da atual direção do Parque baseia-se num decreto de ampliação datado de 1982, do então presidente João Batista de Figueiredo, e que, baixado sem a realização de estudos prévios, incluiu a área do Núcleo Colonial, criada em 1908 pelo próprio governo federal, e por ele emancipada em 1916, portanto mais de 20 anos antes da criação do parque, em 1937. O decreto ampliava a área de cerca de 12 mil alqueires – definida no decreto de criação do parque, e onde já existia a Reserva Biológica anteriormente criada - para 30 mil, sendo que as terras do núcleo não ocupam nem 2 mil alqueires, sendo uma parcela mínima do total pretendido. Assim, mesmo excluindo-se as terras do Núcleo, o governo federal ainda dispõe de uma área maior do que 16 mil hectares, para promover a desejada ampliação.
A proteção dessa grande área, ainda rica em vegetação nativa, e dos vários tipos de altitude – os 12 mil alqueires do parque atualmente, e os mais de 16 mil que se encontram na parte alta do Maciço do Itatiaia – não mobilizou a atual direção do parque nesse período, nem se encontra prevista no Programa de Manejo apresentado em 2007. A efetiva preservação ambiental do patrimônio natural do parque, vem sendo tratada como questão secundária, deixando-o entregue às ações predatórias e ao constante risco de incêndios, que já provocaram perdas irreparáveis nos últimos anos.
Há espécies vegetais e animais em risco de extinção, sem que nada seja feito para evitar suas perdas. Mas as autoridades ambientais do país preferem dar prioridade ao dispêndio de recursos públicos para desapropriar imóveis urbanos, em local em que existe uma mata secundária cultivada justamente por esses moradores, e usando para isso todo o tipo de expedientes, como a desvalorização dessas propriedades por meio de medidas ilegais e arbitrárias, como restrições ao livre trânsito e impedimento de receber produtos e serviços, inclusive para indispensáveis obras de manutenção.
Os moradores do Núcleo, reunidos através da Associação dos Amigos do Itatiaia, por não concordarem com as propostas do Programa de Manejo, entraram na Justiça Federal em janeiro passado, pedindo a caducidade do decreto de 1982, e reivindicando não apenas a exclusão das terras do núcleo da ampliação do parque, mas também inúmeras medidas de interesse cultural e ambiental, como a devolução do Museu da Flora e da Fauna, e a exigência de que a direção do Parque Nacional do Itatiaia assuma sua responsabilidade para com aquela reserva, promovendo sua preservação e manutenção.
Antes de apelar para a Justiça, que foi um recurso extremo, a AAI tentou negociar com as autoridades ambientais a reclassificação daquela área para Patrimônio Natural, de forma que os moradores ficassem sujeitos às normas de uma área de proteção ambiental, sem perder seus direitos de propriedade. Essa seria uma solução que ao mesmo tempo cumpriria a legislação, não oneraria a União, não traria maior impacto ambiental do que o já existente, e também preservaria o patrimônio histórico, cultural e social do núcleo, e da comunidade do município de Itatiaia, à qual está estreitamente envolvido.
A proposta da AAI não foi sequer considerada, já que a instituição nunca foi chamada para ter a oportunidade de discuti-la. A implantação do Programa de Manejo foi decisão unilateral, e do ponto de vista das autoridades, não sujeita à debates. Por isso foi tão mal recebida a Ação Civil Coletiva da AAI na Justiça, e contra a qual a atual direção do Parque não tem poupado todo o tipo de acusações infundadas, inclusive atribuindo à uma eventual vitoria dessa ação à impossibilidade de promover a ampliação do Parque. Nada mais falso, aliás, porque o governo federal poderá ampliar o parque, ocupando legalmente as áreas disponíveis da chamada parte alta, através de um novo decreto, e no momento que quiser.
É importante observar que essas propriedades, que sequer foram ainda desapropriadas, vêm sendo tratadas como se já fizessem parte do parque, e seus moradores, que são legítimos proprietários, como se fossem invasores. Para atingir seus objetivos, a atual direção do Parque lança mão de uma campanha que chega às raias da difamação, mobilizando organizações não governamentais voltadas para a preservação ambiental, e manipulando essas organizações pela imposição de seus pontos de vista, evitando um saudável e democrático debate sobre a questão. Os autênticos ambientalistas, da região e do país, dariam grande contribuição ao meio ambiente se estudassem o assunto, tomando conhecimento do conteúdo do Programa de Manejo, e lendo detidamente os termos da Ação Civil Coletiva da AAI. Dessa forma, seria bem fácil definir quem faz pouco caso do meio ambiente, e quem está preocupado e quer realmente proteger a natureza.
Os defensores do Programa de Manejo, além de pouco preocupados com a preservação do Meio Ambiente, também se esmeram em desconhecer a História, que é um dado relevante para uma boa compreensão de toda essa questão que envolve a ampliação do Parque. Aos 73 anos, o Parque merece ter sua história conhecida, e reconhecida, para que seja restabelecido o papel dos moradores do Núcleo Colonial Itatiaia, que tanto contribuíram para restaurar uma área devastada, transformando-a em floresta secundária, e que foram os principais apoiadores e incentivadores para a criação do Parque Nacional do Itatiaia.
Quem quiser conhecer um pouco dessa história, fique atento á próxima postagem desse blog. A foto é do Núcleo Colonial nos anos 40, quando a área ainda não tinha tido a mata recuperada pelos moradores.
Célia Borges

3 comentários:

Anônimo disse...

Como podemos estar numa comemoração se a AAI Associação dos Amigos do Itatiaia é considerada pelo PNI "Persona non Grata"

Anônimo disse...

A fiscalização da preservação do Parque Nacional de Itatiaia sempre foi feita pelos próprios moradores, porque ninguém cuida melhor de sua casa do que o próprio dono; e quem escolhe um lugar desses para viver tem de amar muito a natureza e, quem ama, preserva... Ao contrário de frios decretos burocráticos que não enxergam a alma e o sentimento das pessoas.
Mais uma vez, parabéns, Célia!
Venício & Franklin

antonio sebastião de lima disse...

Excelente exposição dos fatos. A jornalista mostra o seu compromisso com a verdade. Enquanto o PNI existe há 73 anos, o Núcleo Colonial do Itatiaia existe há 102 anos. Oportunamente serão apuradas as responsabilidades no âmbito civil e penal daqueles que se valem do meio ambiente como biombo para violar os direitos dos proprietários.