18 de fevereiro de 2008

XIV - A Justiça é um serviço caro, pelo qual poucos podem pagar

Está escrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como na Constituição Brasileira, que todos somos iguais perante a lei. Não sou sonhadora ao ponto de acreditar que esse conceito é levado ao pé da letra em algum lugar desse nosso planeta. Mas sou bem informada o bastante para saber que em muitos países, essa é a regra, e que os eventuais deslizes são exceções. Nos paises do chamado “primeiro mundo”, pode-se observar que há a consciência, tanto das autoridades quanto da população, de que a existência de um Poder Judiciário isento e confiável é a garantia de ordem, liberdade e justiça social.

No Brasil de hoje, entretanto, acho que não é exagero afirmar que vivemos na contramão desse conceito. Reconheço que esse HOJE não começou agora: o fato é que nos habituamos, depois de décadas de autoritarismo, corrupção, oligarquias e dinastias políticas, desmantelamento do sistema de ensino e outras mazelas, a acreditar que o nosso Judiciário, simplesmente, não funciona. E a nos conformar com isso.

Há décadas os tribunais estão abarrotados de processos. Há décadas que o número de juizes é considerado insuficiente pra dar conta de tanto trabalho. Há décadas que se cria dificuldades para vender facilidades (o que não acontece só no Judiciário). Há muito tempo também que a impunidade garantida por essa situação – que já passou de caótica – vem sendo incentivo para a delinquência, a corrupção e a desonestidade generalizada, principalmente entre os que se alçam à qualquer nível poder.

Só o que vem piorando é que, se antes (num passado nem tão distante assim) as “falcatruas” eram feitas discretamente, hoje elas se realizam com descaramento e arrogância. E os criminosos – porque roubo, corrupção, abuso de autoridade, ainda continuam a ser crimes, até disposição em contrário – nós olham pelas telas da TV e nas fotos de jornal, com aquele ar de deboche e de pouco caso, de quem está seguro que tudo aquilo de que são acusados “não vai dar em nada”.

Enquanto as prisões estão abarrotadas dos “pés de chinelo” que não tem como pagar um bom advogado – e muitos estão lá com as penas já cumpridas, ou até mesmo sendo óbviamente inocentes – os piores criminosos continuam do lado de fora, pagando pelo melhor da elite dos causídicos, comprando sentenças e consciências, e rindo da nossa cara, como quem diz: “Vocês só estão reclamando porque não tiveram a oportunidade de roubar também...”

O caos no nosso sistema judiciário é um componente com grande peso no chamado “Risco Brasil”, porque empresas e investidores estrangeiros sabem que têm que calcular nos seus custos as verbas da corrupção. Nessa salada de informações onde se confunde governo com país, somos – não sei até que ponto injustamente – identificados ou confundidos internacionalmente como um povo desonesto, oportunista e amoral. Somos o país para o qual, segundo os filmes norte-americanos, seus bandidos fogem, na expectativa de nunca serem apanhados.

Mas por quê será que o nosso Judiciário virou essa bagunça? A quem interessa o desmantelamento e a falta de credibilidade da Justiça? Acredito que a principal responsabilidade seja dos próprios juizes. Se o Judiciário fosse composto, predominantemente, de pessoas sérias, os próprios juizes deveriam se envergonhar de colecionar tantos privilégios. Na medida em que se garantem direitos que são negados aos demais cidadãos eles se fecham numa elite, cujos interesses estão cada vez mais distanciados e dissociados do interesse da população em geral. Passam a ver os problemas e as pessoas sob uma ótica arbitrária, onde a idéia do que é interesse público e interesse pessoal passam a ser confundidas, do ponto de vista das prioridades.

Eu me pergunto, por exemplo, porque juizes podem ter períodos de férias e recessos lhes dando tantos dias sem trabalhar? Não será por isso que os tribunais ficam abarrotados? Os tribunais e os juizes contam com farta assessoria...por que elas não lhes facilitam o trabalho, agilizando a solução de processos? Talvez porque a maioria desses funcionários sejam parentes e apadrinhados sem qualquer competência para as tarefas que deveriam executar...Por quê juizes e desembargadores podem “engavetar” um processo durante anos, sem que ninguém lhes cobre produtividade e agilidade? Por que as autoridades do Judiciário se encastelam na ilusão de ótica e na vaidade, achando que são cidadãos acima da própria lei, podendo fazer o que mais lhes convier, em detrimento dos direitos e interesses da maioria dos cidadãos.

Se não fosse assim, por que é que processos envolvendo autoridades e pessoas famosas (quando é do interesse delas), podem ter solução em poucos meses, enquanto o cidadão comum tem que esperar 10, 15, 20 anos por um julgamento? Por que é que notórios traficantes, criminosos do colarinho branco e outros privilegiados conseguem “habeas-corpus” e são libertados com tanta facilidade, enquanto inocentes apodrecem atrás das grades? Por que é que governos municipais, estaduais e federais deixam de cumprir sentenças, atrasam em décadas o pagamento de suas dívidas, e o Judiciário sequer se manifesta em defesa da própria autoridade?

A corrente de impunidade que nos assola é produto da cumplicidade entre os três poderes, onde pessoas que deveriam estar representando a população se preocupam apenas em garantir seus próprios (e cada vez maiores) privilégios, a prosperidade de seus familiares e a permanência, tanto quanto, possível no poder. Confiantes na ignorância e na pouca escolaridade da maior parte dos cidadãos, e na nossa omissão diante da impunidade, eles parecem acreditar que “vão se dar bem” para sempre...

Eu não vou sair por aí dando tiros em juizes, mas também não vou ser covarde e me curvar ou calar diante da INJUSTIÇA que nos assola. Sou cidadã consciente, e quero dizer, alto e bom som, que não concordo nem aceito esse nosso sistema judiciário como ele se apresenta. Juizes não deveriam ser indicados por governos, mas eleitos por cidadãos, levando em conta sua competência. Sentenças deveriam ser sempre disponíveis para o conhecimento público. Réus em processos não deveriam ter direito a serem candidatos a cargos eletivos, nem do Executivo, nem do Legislativo. Juizes condenados por corrupção não deveriam ser aposentados com todos os direitos, mas afastados sumariamente sem qualquer remuneração.

É longa a lista de providencias para deter a impunidade, mas é urgente que se acabe com essa balela de “fórum privilegiado” pra qualquer tipo de pessoa, seja autoridade, tenha diploma de curso superior ou qualquer outra desculpa esfarrapada. Criminoso é criminoso, e ponto final. Que todos cumpram suas sentenças no sistema penitenciário disponível (e se isso acontecer, até as condições de sobrevivência nas cadeias é capaz de melhorar).

Estamos sendo, há muito tempo, omissos e tolerantes, até quando a INJUSTIÇA e a IMPUNIDADE não baterem à nossa porta. Mas não custa acordar mais cedo, antes que isso aconteça. No mínimo, se você não tiver dinheiro bastante para pagar um bom advogado, quando menos esperar pode se transformar de reclamante em réu. Não dá pra continuar dormindo com a ilusão de que somos todos iguais perante a lei. Porque isso, simplesmente, não é verdade.

Célia Borges

Um comentário:

Norival R. Duarte disse...

Eita, ferro! Vai escrever bem assim lá não sei aonde!

E numa linguagem clara, direta e objetiva!

Você tem toda a razão em expor essa podridão do nosso sistema judiciário e dos outros poderes. É tudo farinha do mesmo saco! E o pior é que é uma farinha que não dá para engolir.

Deixei um comentário para você lá no Site Oficial de Resende onde, em curtas palavras, também desopilo minha raiva e frustração, apresentando um ponto de vista que você, sem o saber ainda, estende-o de maneira soberba neste post.

Mudando de assunto: acaba de ser postada uma crônica minha intitulada EITA! VELHICE EXCOMUNGUENTA! no Site Oficial de Resende, na qual mergulho fundo nas duas postagens que você fez publicar recentemente e apresento uma crônica de uma grande amiga virtual minha, a Divina de Jesus Scarpim.

Depois de lê-la, se quiser, pode ficar de mal comigo por... digamos... que tal por uns dez minutos?

Boa noite e um grande abraço para você!

Norival.