Pelo aniversário da
Esta ponte, que o povo, com carinho,
Chama de velha, sim, já fez cem anos.
No passado era o mágico caminho
Para as tropas, os carros, os humanos.
Em face do festivo burburinho,
A ponte revelava seus arcanos
Para todos, até para os insanos
Que a buscavam, em pleno torvelinho.
É certo que atraia suicidas,
Aquelas criaturas tão sofridas
Mirando o Paraíba revoltoso...
Mas unindo, inspirando alegorias,
Hoje suscita bênçãos, alegrias,
E pereniza um tempo mais airoso.
Praça da Matriz
A praça...Quantos sonhos, quanta espera,
Quanta alegria de colegiais.
De repente era sempre primavera
No canto irreverente dos pardais.
Neste momento, em transes terminais
A praça da matriz se desespera.
Ninguém escuta seus sentidos ais:
Infame, triste indiferença impera...
Sempre foi o centro, a alma desta terra:
Era aqui o lugar dos carnavais,
Das retretas, encontros, uma era
Desfigurada em pó e nada mais.
Regressar a outro tempo...Ah quem me dera...
A época dos pais dos nossos pais,
“Flertes” na quermesse, a gentil quimera:
O bar do ponto, encontro de casais.
Relembro “A Lira”, doce, mas severa,
Na defesa de puros idéias
De uma democracia mais sincera
Que parece exaurir-se em carrascais.
A praça morre, já não reverbera,
Morrem também os sonhos, os jornais,
A fimbria do olhar azul da serra,
Fatos comuns nos dias atuais
Minha velha ponte, ponte primeira,
Mágico lugar, de onde se divisa
Algum passado que nos suaviza:
De um lado o centro, de outro a serra inteira
Ponte mulher, amiga, sobranceira
Ao descaso do tempo, hoje agoniza
E, como a Praça da Matriz, precisa
De alguém que lhe escute a mágoa derradeira.
As palavras são vãs, nem mesmo imagens
Exprime a dor que verte das ferragens
Da ponte que pôs fim à incerteza
Dos barcos, no ancestral envolvimento
Do ser, para vencer o isolamento,
Não pode soçobrar na correnteza...
Lavapés
Tal nome não procede da paixão
Do Cristo, pouco antes do desfecho.
Os que vinham da roça, em certo trecho,
Tinham de vadear um ribeirão.
Traziam um sapato em cada mão;
As mulas conduziam o apetrecho,
Jacás atulhados, onde remexo
Rapaduras, queijos, fubá, feijão...
As mulheres, deixados nos grotões,
Davam pitos nos machos maganões”:
Juízo! E no riacho lavem os pés;
Só entram na cidade bem calçados,
Do contrário, serão considerados
Cachaceiros...jecas...Zé-prequetés...
Comentário do autor: “Devia grafar “Lava-pés”, mas li nas placas “Lavapés”. Pobre lavapes, o mais triste e abandonado bairro de Resende. Era a entrada de Resende-RJ, pelo Leste, para os que vinham das roças, sítios e fazendas a pé ou a cavalo. Posteriormente tornou-se o portal para quem chegava do Rio, Barra do Piraí e Barra Mansa, até meados do século passado, vivendo de comedido brilho, uma vez que neste bairro da cidade desembocava a antiga Estrada Rio-São Paulo.
Só o velho Guna, o maior de todos os fazendeiros, jamais se calçou para entrar na cidade. Vinha sempre de terno, gravata e chapelão, mas descalço... (J.A.
Célia Borges
3 comentários:
Muito bem, Dona Célia Borges!
Os versos do José Alberto Somavilla agiram como uma máquina do tempo para mim, remetendo-me à minha infância e juventude no Lavapés. Me fizeram lembrar também do Armazém do Seu Eugênio Schneider, do Armazém do Seu Duizit, do Açougue do Quinzinho, da família dos Guna e outras mais, e de tudo o que me rodeou naquelas paradas. E que rodeou o meu amigo Somavilla, igualmente!
Bons tempos, boas gentes.
Belos versos, lindos versos!
Salve Resende, “terra de poetas, de artistas e de heróis”.
Abraços, Norival.
- Copiei, devidamente copiado, em “textos porretas”.
- Ficou faltando uma fotim do Somavilla, amada editora! Já é a segunda vez que futuco nessa ferida!
Deveria ter feito antes, mas agora, quando o "Homi" lá de Brasilia acaba de assinar decretos cogitando de nossa língua,impõe-se uma pequena correção em uma das sofríveis poesias expostas a execração pública:lá na ponte, as ferragens não "verte", mas vertem.Garanto que não são lágrimas pela derrota de uns e outros,mas pela correção do idioma
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