15 de agosto de 2009
ALDEIA GLOBAL – O “caso Sarney” e o complexo de superioridade das nossas autoridades
Os recentes episódios da nossa história política, nos quais a imprensa cumpriu o seu papel, expondo as vísceras do Senado Federal, tiveram a importância de nos revelar, clara e cabalmente, que os políticos em particular, mas também as demais as autoridades brasileiras em geral, sofrem de um inexplicável e injustificável “complexo de superioridade”, que as mergulha numa estranha ilusão – logo que assumem o poder – de que são pessoas especiais, e portanto, muito melhores do que as demais, quer dizer, nosostros, cidadãos que não estamos no poder.
Eu, pessoalmente, quero declarar que não compactuo com isso. Vivemos numa democracia, e segundo meu conceito, todos somos iguais perante a lei. Pessoas eleitas para cumprirem mandatos, dispõem apenas dos poderes transitórios inerentes aos seus cargos, e também das grandes responsabilidades que esses cargos determinam. Autoridades de todos os três poderes são apenas “representantes” do povo, remuneradas pelo pagamento de impostos, e não os déspotas cercados de privilégios, que é como se vê se comportarem atualmente as nossas lideranças, comprometendo o respeito que deveriam merecer as instituições que representam. Como crianças gulosas, essas “autoridades” não hesitam em se lambuzar nos privilégios e no enriquecimento fácil, esquecendo-se do tão relevante papel que poderiam estar representando na construção de um país muito melhor.
O “caso Sarney”, assunto das manchetes dos grandes jornais nas últimas semanas, precisa ser estudado, além dos seus aspectos políticos, aos níveis da sociologia e da psicologia. Daria bons títulos de estudo, como “O Poder como Doença Política e Social”, por exemplo. Porque é dificil imaginar que um cidadão como o Sr. José Sarney, nunca tenha lido a Constituição Federal. E se leu, é preciso uma explicação para o fato de ele despreza-la tanto. O Sr. Sarney também se declara um homem católico e cristão, e embora isso seja irrelevante para sua atuação política, ele parece que também nunca leu a Biblia. Conceitos como honestidade, igualdade, fraternidade, respeito pelo próximo, além de “não roubar” e “não cobiçar as coisas alheias”, como já se viu, não fazem parte, nem do comportamento cotidiano, nem dos compromissos políticos dessa nossa autoridade.
Na sua ânsia pelo poder, o ilustre senador – ex-presidente da República - não hesitou em comprometer nem mesmo o respeito que havia granjeado como escritor. Ofuscado pelo brilho do poder, não consegue enxergar mais nada além do próprio umbigo. Ele pensa, simplesmente, que pode fazer o que quer, sem dar satisfações à ninguém. Ele se acha melhor que todos, e qualquer um de nós, humildes leitores desse texto. Ele foi eleito pelo povo apenas para ser senador, mas lá pelas tantas da sua fantasia megalomaníaca, interpretou isso como se tivesse recebido os direitos de ser uma espécie de imperador... o imperador do Senado. Um complexo de superioridade alimentado e compartilhado por seus pares, porque afinal, todos eles se acham melhores do que qualquer um de nós, simples e mortais cidadãos/contribuintes/consumidores. Do alto dos seus poderes, viramos apenas números de estatística...
O poder autoritário e absolutista de alguns cidadãos sobre outros, que pareciamos ter superado com a Abolição da Escravatura, na verdade está mais vivo entre nós do que nunca. As autoridades dos três poderes se locupletam de privilégios, criados sem o conhecimento, e com certeza sem a aprovação da população, como produto de uma óbvia “legislação em causa própria”. Já privilegiados pelas condições – econômicas, sociais e políticas - que os levaram ao poder, aqueles que deveriam servir de modelo de conduta, e de exemplos éticos para os demais cidadãos, são os primeiros a se atirarem aos recursos públicos de forma insaciável, promovendo banquetes para uns poucos, em troca da fome de muitos.
A covardia parece ser o campo moral onde tal “complexo de superioridade” encontra terreno fértil. E a arrogância e o autoritarismo dos coronéis, que infelizmente não ficou no passado, parece ser um excelente adubo para alimentar esse quadro político que tanto nos envergonha, a ponto de questionarmos a legitimidade, e até mesmo a utilidade, deste Senado Federal. Se fosse fechado hoje, esse Senado – com rarissimas exceções - não só não faria a menor falta para a vida política do país, como seria também medida de grande econômia para os cofres públicos. E ainda sobrariam quinhentos e tantos deputados, para serem alimentados em todos os sentidos, inclusive nos seus respectivos complexos de superioridade.
É preciso mais do que Freud, e do que as circunstâncias históricas, para explicar toda a arrogância das nossas autoridades, que começa no juiz do interior, no prefeito e no vereador, e vai se alastrando pelas demais instâncias, pior que infestação de pulgas ou de mato tiririca. Do tipo incontrolável. E não se conhece vacina para esse mal. Aliás, tanto mal. Porque no momento em que se julga superior, o cidadão perde a noção da realidade. Ele deixa de ser “um de nós”, e portanto, deixa de nos representar, para representar apenas os seus próprios interesses. Sendo superior, a autoridade se preocupa apenas com a prosperidade da própria familia, dos amigos, e na sua perpetuação no poder.
Na lógica dos poderosos, o país que se dane e a opinião pública que se lixe. Portanto, você, ilustre leitor, não significa nada... é um zero á esquerda. À não ser, é claro, na hora de votar, mas isso é que é poder transitório... pois sua opinião não dura mais do que o minuto do voto, a hora da eleição. Depois, se errou, está ferrado. E é impressionante a nossa capacidade de votar errado. Eu, por exemplo, sou campeã em votar em candidatos que não se elegem. E quando voto n´algum que se elege, geralmente meu voto acaba em decepção. Como o governador do nosso estado, que está aí pra não me deixar mentir: fez carreira defendendo os direitos dos idosos e aposentados, e no poder, é o primeiro a lhes dar as piores facadas.
As nossas “superioridades” vivem se degladiando, em busca de poderes cada vez maiores, e de ainda maiores privilégios, para si e para o seus. São bilhões do dólares – reais são insuficientes – para as mordomias, os privilégios, e as vaidades presidenciais, que perdoam dívidas de outros países, que fazem doações a órgãos internacionais, enquanto o cidadão brasileiro continua carente de saúde, educação, e principalmente de cidadania. Não há respeito nem pelo mínimo dos nosso direitos, mas diante de Bolsa Família, política de cotas, e outros desmandos e arbitrariedades que fazem parte dessa política equivocada, não temos sequer o direito de reclamar, sob o risco de sermos generalizados como a “elite insatisfeita”.
Elite são os poderosos, esses que se locupletam nos três poderes. Nós somos apenas cidadãos, com todo o direito de lutar pelos nossos... DIREITOS. Nós somos os que temos consciência de que eles não são superiores, mas apenas cidadãos como nós, nossos representantes, nossos assalariados, e portanto, com o dever e obrigação de prestar contas pelos seus atos. Juizes e desembargadores, presidente, governadores e prefeitos, deputados e senadores, não são, ou não deveriam ser, diante da lei, melhores do que cada um de nós. Ao contrário, seus crimes e irresponsabilidades devem ser julgados com a agravante de se valerem do poder de seus cargos. Mas isso não acontece, e nunca vai acontecer, se nós não tomarmos consciência de que essa democracia de ilusão precisa ser enfrentada... e se não lutarmos passo a passo, combatendo esse complexo de superioridade das nossas autoridades, nunca teremos uma democracia de verdade.
Célia Borges
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário