16 de fevereiro de 2008

XII - Preconceito Racial e outros preconceitos

O crescimento, observado nos últimos anos, de ações protecionistas a favor de determinados grupos étnicos e categorias sociais na política brasileira, vêm gerando mais distorções do que resultados positivos. Um exemplo disso é a política de cotas para ingresso no ensino superior, baseada em critérios subjetivos que, por isso mesmo, não encontram comprovação de ordem prática. Um caso gritante foi o dos irmãos gêmeos, sendo um deles aceito e outro recusado no tal “processo seletivo”, que se baseia apenas na opinião pessoal de alguns burocratas, sobre quem seja ou não afro-descendente.

Se a política de cotas fosse mesmo uma atitude séria, ela teria que se basear em exames genéticos. Mas se houvesse exame genético, a própria política de cotas perderia sua razão de ser. Porque todos nós estamos cansados de saber que a população brasileira é rica, bela, maravilhosamente miscigenada. É isso que nos caracteriza diante do resto do mundo, é o que nos faz diferentes de outras populações. É o que sempre representou pra mim motivo de orgulho do meu país.

Como aluna de escolas públicas até o segundo grau, me acostumei desde cedo a conviver com pessoas das mais variadas origens étnicas, e “noves fora” as brincadeiras infanto-juvenis e o hábito do brasileiro de por apelido nos demais, não me lembro de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação racial ou social. Em casa, no ambiente familiar então, isso seria impossível, porque além de vivermos num meio pródigo em diferenças raciais, minha mãe, como afro-descendente, não permitiria isso jamais. D. Ana era chamada de “sarará” e achava a maior graça nisso.

Sempre tive amigos, professores, vizinhos negros, mulatos e “sararás” (que pra quem não sabe, é o negro meio louro). E também orientais, árabes e europeus recém chegados ao país. Mas por educação e cultura da minha época e do meu lugar, isso era uma questão absolutamente irrelevante. Disputávamos boas notas, namorados, a vitória nos jogos e brincadeiras, em total igualdade de condições. E se vi alguém ser discriminado por alguma coisa, fui justamente eu, porque muitas vezes fugia da algazarra e da folia pra me “atracar” com um livro, motivo pelo qual era considerada uma “molóide”. Até, e principalmente, pela minha família afro-descendente.

Sei que a minha história é apenas uma experiência pessoal. Reconheço que o preconceito racial existe, e muitas vezes tomei conhecimento de atitudes tais, sempre tendo me revoltado contra elas. Preconceitos existem, não apenas como manifestações de discriminação racial, mas como atitudes inerentes ao comportamento humano, que tende a rejeitar tudo o que diferente de “si mesmo”. Mas são produtos mais da falta de educação e de cultura, do que da diferença da cor da pele. Porque quem recebeu uma boa educação (e não estou falando de escolaridade, por favor!!!) e tem referencias culturais sólidas, não vai perder seu tempo discriminando quem não é “igual”.

Se vamos falar de preconceitos, podemos fazer uma longa lista: além dos brancos que discriminam negros, e de negros que discriminam brancos, existem também os exemplos dos jovens que discriminam os velhos (e vice-versa), de magros que discriminam os gordos (e vice-versa), de ricos que discriminam pobres (bem, aí fica difícil o vice-versa, mas enfim...). Se você tem muito dinheiro, mas se veste com simplicidade, não está livre de ser discriminado por uma vendedora de butique. “Sarados” discriminam os barrigudinhos de cerveja. Fanáticos de todas as espécies, discriminam que não crê na mesma coisa que eles. Políticos oportunistas discriminam aqueles que levam à serio a “causa pública”. Mas não há como fazer leis que “regulem” todos esses preconceitos.

Talvez eu mesma esteja sendo preconceituosa com essa tal de “ação afirmativa” das comunidades negras. Se for o caso, até peço desculpas. Mas me pergunto porque é que, os próprios negros, que se sentem tão discriminados, não pensaram em incluir nessa “ação afirmativa” os nossos irmãos indígenas. Nossos habitantes originais estão se extinguindo, vítimas de um genocídio que afeta justamente e prioritariamente as crianças. Para eles, não se defende política de cotas, nem para o atendimento nos hospitais, nem ao nível da simples sobrevivência.

A nossa constituição diz que “todos os cidadãos brasileiros têm direitos iguais”. Eu, pessoalmente, me rebelo contra qualquer tipo de privilégio. Se fosse negra de pele, teria vergonha de me aproveitar desse tal sistema de cotas, para qualquer finalidade. Conheço, e respeito, muitos negros que pensam como eu. Nasci pobre e humilde, lutei em igualdade de condições pra chegar onde cheguei. Fui bolsista em cursos de inglês e de francês, assim como na universidade. O produto de tudo isso influi positivamente na minha auto-estima.

Aliás, auto-estima é o que acho que falta para esse pessoal que precisa de privilégios. Se os negros são tão orgulhosos da sua condição, não deviam se esmerar em esticar o cabelo e pinta-los de louro. Não precisariam se esforçar em parecer brancos, e em agir como os brancos da pior espécie, que são aqueles mais preconceituosos. Deviam se orgulhar de si mesmos como são: tão inteligentes e capazes quanto qualquer outro cidadão, de qualquer etnia.

Já fui discriminada, e vítima de preconceitos, em várias ocasiões. Recentemente fui convidada pra fazer uma palestra sobre literatura negra, e na oportunidade, pra justificar meu interesse pelo assunto, declarei, alto e bom som, que sou afro-descendente, apesar da minha “aparecia desbotada”. O resultado disso foi um silêncio sepulcral. Passei a ser vitima de preconceitos, não apenas de alguns brancos, mas de muitos negros presentes, que desde então, me isolaram. Pessoas que se sentem no direito mais de julgar do que tentar compreender.

Sem vergonha nem orgulho, gosto de ser o que sou. A cor da minha pele e o sangue que me corre nas veias são circunstanciais. Sou apenas uma cidadã brasileira, consciente de seus direitos e deveres, pronta pra lutar por um país mais justo. O que me mobiliza é ser uma pessoa cada vez melhor. E tanto quanto possível, isenta de preconceitos...

Célia Borges

Um comentário:

Anônimo disse...

Cecília
Compartilho da mesma opinião que você.Acho que muitos negros se queixam do preconceito que sofrem, mas ,ao invés de mostrar que têm orgulho do que são, transformam-se no que a sociedade quer que sejam.Fico triste com essas atitudes porque só mostram como uma pessoa pode abandonar toda uma cultura defendida com tento empenho por antepassados e que agora é simplesmente trocada pela mesma que impunha.
Parabéns.Você é um exemplo.
Pretendo ser jornalista também e espero ter essa visão igual a sua

Abraços
Carolina