16 de maio de 2008

ALDEIA GLOBAL XXIX - O Hospital do Fundão ou “para onde foram as verbas da Saúde?”

Em janeiro passado, após perder o direito de cobrar CPMF (???) de quem movimenta contas bancárias, o governo federal baixou uma série de medidas compensatórias, oportunamente batizadas pelos comentaristas políticos e econômicos como um “baú de maldades” contra a classe média, visando garantir as verbas teoricamente ameaçadas da área da Saúde. De lá para cá a arrecadação de impostos bateu recordes consecutivos, superando até as previsões mais otimistas dos nossos magos das finanças encastelados em Brasília.

Nesses pouco mais de cinco meses já tivemos conquistas memoráveis na área econômica, como recursos suficientes para garantir o pagamento da dívida externa e uma cotação privilegiada quanto às oportunidades para investimentos estrangeiros, além da valorização dos nossos produtos no mercado externo. Mas, enquanto a nossa economia decolou e viaja em “céu de brigadeiro”, a saúde continua num plano inferior, sempre sujeita à chuvas e tempestades.

Entre tantas deficiências reveladas país afora, uma das mais chocantes é o estado de falência atravessado pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, popularmente conhecido como Hospital do Fundão, criado para ser um prolongamento da Faculdade de Medicina da UFRJ, mas que abandonado pelo Ministério da Educação nessa condição, acabou como refém do SUS – Sistema Único de Saúde.

O Hospital do Fundão é referência nacional em procedimentos de alta complexidade, como os transplantes de fígado e outras especialidades. É também recordista em atendimentos em procedimentos mais simples, como cirurgias de catarata para idosos. Atende a clientes do país inteiro, que ali encontravam, até há pouco tempo, a última esperança de tratamento para tipos raros de câncer, por exemplo.

Mas, segundo sua direção, transplantes e outros atendimentos estão temporariamente suspensos, porque o Hospital “passa por processo de endividamento e sucateamento”, devido à falta de repasse de verbas por parte do município do Rio de Janeiro, que é beneficiário do maior número de atendimentos, assim como pela defasagem da tabela de pagamentos por serviços, não reajustada desde 2004.

A dívida gira em torno de 10 milhões, o que se pensarmos bem, é uma migalha no conjunto das contas públicas do país. O prejuízo em termos dos tratamentos que deixarão de ser feitos, a expectativa de vida de tantas pessoas que deixarão de ser atendidas, e a própria sobrevivência de quem não vai mais poder contar com cirurgias tão necessárias, esses são valores não tem preço.

Acredito que mesmo que a CPMF tivesse sido prorrogada, como queria o governo federal – que na pessoa do presidente Lula defendeu essa medida tão ardorosamente – a situação seria igual. Nosso problema, como tudo indica tão claramente, não é a falta de dinheiro. Não é a falta de recursos para a Saúde. O que falta é tratar das questões da Saúde Pública como prioridade, em detrimento da corrupção desenfreada e dos cartões corporativos. O que falta é compromisso em investir prioritariamente naquilo que é realmente importante, como a Saúde e a Educação.

A falência do Hospital do Fundão seria motivo suficiente para envergonhar nossas autoridades, teoricamente responsáveis pelo assunto. Mas nossas autoridades parecem não estar dispostas a ter vergonha de nada. Envergonhemo-nos pois, nós cidadãos e eleitores, que fomos responsáveis por delegar poder a pessoas tão irresponsáveis.

Já tive a chance de levar pessoas para tratamento no Hospital do Fundão. Conheço bem a diferença que isso fez nas suas vidas. Felizmente, e por enquanto, não precisei dos tratamentos que eles ofereciam, nem eu, nem ninguém da minha família. Mas não estamos livres dessa necessidade, e é uma responsabilidade que precisamos assumir. Garantir o funcionamento do Hospital do Fundão pode ser resultado da nossa opinião, do nosso posicionamento, da nossa mobilização. Assim, aliás, como de todas as demais unidades de saúde do país. Pagamos impostos demais – e se não para nós, que ainda pagamos por planos de saúde particulares, mas para a maioria da população – temos direito à uma competente e suficiente gestão dos recursos destinados à Saúde.

Célia Borges

Um comentário:

Anônimo disse...

Tive contato com o Hospital Universitário do Fundão quando meu pai precisou colocar um marca-passo, e o cardiologista me indicou um amigo seu do Rio, que providenciou o Clementino Fraga. Fiquei em dúvida no início pela opção que me foi apresentada, por se tratar de um hospital público e universitário. Tudo começou a mudar, entretanto, no momento em que cheguei lá e vi o tamanho do hospital, a organização dos funcionários e dos procedimentos administrativos e a atenção e a competência dos médicos e enfermeiros. Meu pai ganhou um cartão de imediato, numerado, e sempre que necessário todos os documentos apareciam rapidamente, mesmo nas revisões, meses depois. Sempre que eu chegava para as consultas lá estavam os papéis com o médico, com todos os exames e receituários. Quando meu pai teve uma pequena complicação pós-cirúrgica, foi removido em pouquíssimo tempo para uma UTI, e me foi permitida uma rápida visita. Não existem por aqui, na nossa região, que eu conheça, uma UTI como aquela, com tudo tão limpo, tão organizado, tão bonito e equipado. Se tivesse que dar de zero a dez para o tratamento do meu pai e para o Hospital do Fundão, daria 10, sem questionamentos e sem dúvidas! O tratamento foi tão bom que pouco tempo depois meu pai foi inscrito no programa para a cirurgia de catarata. Ele morreu muitos anos depois, de câncer, sem nunca mais ter precisado usar óculos, e com o coração em perfeito funcionamento! O marca-passo, de última geração, nunca precisou ter a bateria trocada, em mais de sete anos. E nada me foi cobrado, pois tudo foi realizado pelo SUS.
Uma pena essa situação vivida agora pelo hospital, e vergonhoso para nós e muito irritante saber que o governo só fala em uma nova CPMF ou outra forma de arrecadar mais e mais dinheiro, com a desculpa de ser para a saúde, sem que seja apresentado ao país um planejamento real e sério de como se pretende gastar essa dinheirama que se quer arrecadar para melhorar nosso serviço público de saúde.