14 de julho de 2008

ALDEIA GLOBAL XXXII – Quando nem os juizes se entendem, o que podemos esperar do Judiciário?

Os noticiários dos últimos dias seriam alarmantes, se é que alguma coisa nesse país ainda pode ser mais alarmante. O banqueiro Daniel Dantas é preso (????) tentando subornar autoridades, tendo o descaramento de deixar entrever, por seus cúmplices, que “o problema” era só na Primeira Instância, porque o resto ele “tirava de letra”. E foi isso exatamente o que aconteceu, com ele entrando e saindo da prisão, por conta de garantias jurídicas concedidas.... pelo Supremo Tribunal Federal!!! Justamente uma das instâncias das quais o banqueiro dizia que não tinha nada que temer!!!

Estou certa de que não estou delirando!!! Está tudo aí, nas páginas dos jornais, desde o início da semana, nesses meados de julho de 2008. Desde as falcatruas do Juiz Lalau, há mais de décadas, as vísceras do Judiciário vêm sendo postas à mostra, mas nunca em tão aflitiva circunstância, como esta que expõe tanto a mais alta autoridade, do mais alto dos nossos tribunais.

Há muito tempo que o Judiciário vem se expondo à opinião pública, por conta de decisões que ninguém entende, e mais expostos que os demais, estão os ministros do Supremo. Que aliás, do ponto de vista do cidadão comum, vivem “pisando na bola”. Mas alguns, pelo menos se dão ao respeito de justificar aquilo que fazem, enquanto outros preferem se entrincheirar na arrogância, se refugiar num poder de conotações absolutistas, já que se consideram acima das próprias leis e do bom senso.

Essa disputa judicial que coloca em campos opostos um Juiz Federal de Primeira Instância, Fausto Martin de Sanctis, e o atual presidente do STF Gilmar Mendes, pode ser uma dolorosa, mas também é uma salutar oportunidade para se reavaliar o desempenho do Judiciário. Vivemos sob o jugo de uma Justiça, para dizer o mínimo, decepcionante. Mas, definitivamente, não podemos culpar a todos os juizes. Há muitos, como o Dr. De Sanctis, que levam sua missão à sério. O problema é que, quanto mais alta a Instância, maiores as dificuldades do processo, maior a morosidade, maior a... incompetência.

Do alto de seu poder e autoridade, Juizes de instâncias superiores acreditam que não precisam cumprir prazos, que não tem que ter exigências de produtividade, que podem engavetar processos indefinidamente, que podem ter metade do ano de férias, recessos, licenças e outros privilégios trabalhando o mínimo possível, que podem ganhar mais do que todos, mas não querem conferir essa prosperidade a outras categorias funcionais... e que não admitem nunca ser questionados!!!

As decisões do STF do Ministro Gilmar Mendes vêm nos demonstrando que a Justiça, no Brasil, é realmente um privilégio para poucos. Enquanto o “habeas-corpus” do banqueiro Daniel Dantas sai em velocidade de nave espacial, há processos de cidadãos comuns que repousam naquelas gavetas há décadas, mais lentos que o ritmo dos burros de carga. Enquanto isso, as decisões dos Juizes de Primeira Instância vão virando letra morta, com sentenças que, eventualmente, jamais serão cumpridas. Dependendo do poder econômico do condenado, de repente a vítima é que vai pagar a pena. Porque não existem compromissos com a verdade, com realidade, nem com a justiça propriamente dita.

As desventuras de Kafka, no Brasil dos nossos dias, deixou de ser uma alegoria literária, e conquistou o desconfortável contexto de realidade. Se não, quem pode acreditar que centenas de juizes precisem se manifestar contra os desmandos de um Ministro do Supremo. Entre juizes, procuradores, promotores e demais jurisconsultos – e pasmem!!! até entre eles há gente tão descontente à ponto de se manifestar – mais de duzentos já assinaram manifestos.

Até agora foram 130 juizes federais do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (que reúne São Paulo e Mato Grosso de Sul), numa onda de protestos que começou com uma carta assinada por 42 procuradores da República de diversos estados, e pode contar com ainda muito mais adesões. O presidente da Associação dos Juizes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou-se há poucos dias, dizendo não apenas que o Juiz De Sanctis é um dos melhores juizes brasileiros, como também que, pela brilhante atuação, merece a confiança daquele entidade. Também se manifestaram em sua defesa a Associação dos Juizes Federais do Estado de São Paulo (Ajufesp) e a Associação Nacional dos Procuradores da República.

Os depoimentos dados sobre o juiz revelam uma personalidade rigorosa e discreta, cuja dedicação faz superar a estrutura mínima de que dispõe, e com a qual já conseguiu proezas tais como condenar o doleiro Toninho da Barcelona, seqüestrar obras de arte do banqueiro Edemar Cid Ferreira e mandar prender o magnata russo Boris Berezovsky, demonstrando seu ponto de vista de que “não pode haver criminosos intocaveis”. A questão sobre a prisão de Daniel Dantas, aliás, não é a primeira que o coloca em conflito com ministros do STF.

O que parece haver de inédito na atual situação não é autoritarismo do STF, cujo presidente preferiu defender-se de suspeitas, mandando investigar o juiz e acusando-o de um grampo telefônico inexistente, mas a expressiva reação de parcelas do Judiciário, mostrando que em seu corpo existem muitas áreas saudáveis, prontas para exigir aquilo que todos nós queremos, que é Justiça. E respeito pela Justiça.

O importante não é a queda de braço, em si, entre o STF e a Primeira Instância, mas o que vai resultar desse conflito, que finalmente expõe algumas das mazelas dos nossos poderes, e sobre o qual temos a chance de nos manifestar. Se os próprios juizes entendem que a situação está passando dos limites, é hora de darmos o nosso parecer, e mostrar às autoridades, tanto do Judiciário, quanto do Legislativo e do Executivo, de que a “trincheira do poder” não vai protege-los do julgamento da opinião pública.

Célia Borges

Um comentário:

Jurema Cappelletti disse...

Oi, Celia

Se estiver disposta a "berrar" em grupo, no próximo dia 13 de setembro, estaremos promovendo uma mobilização pelo país inteiro. Talvez para você seja longe demais, mas sabe-se lá se de repente até seja possível.

Como diz seu blog, se nem na Justiça podemos confiar, imagine no resto.

Beijocas, Ju