6 de dezembro de 2007

O Início

Vou chegando, e pedindo licença à Marshall McLuhan, pelo uso, eventualmente indevido, do título de uma obra sua para minha crônica, mas tomo essa liberdade por conta de uma idéia minha de homenagem. Porque afinal, tão antigo quanto eu, e tão “moderno” quanto o conceito de globalização, o filósofo/profeta da minha geração está, aparentemente, completamente esquecido. Mas McLuhan é por enquanto, inspiração e preâmbulo pro meu papo furado...que vem a seguir. Voltarei a ele oportunamente. A minha questão, pra começar, é tão básica e ancestral como aquele enigma infantil, de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha...porque o que eu me pergunto é se o mundo hoje é tão ruim quanto nos parece, ou se ele sempre foi assim? Sou leitora/expectadora inveterada, e por assim dizer, profissional, dos mais variados tipos de noticiário. Sou jornalista que tem a pretensão, talvez exagerada, de ver e viver a profissão por dentro e por fora. Tenho a mentalidade do agente, mas sou hoje muito mais paciente, desse processo informativo que começou a dominar, a prevelecer, no mundo, há cerca de um século atrás. Então, essa é a questão: estaremos hoje nos sentindo mais acuados, ameaçados, constrangidos, do que os nossos antepassados...ou só estamos tão assustados porque temos as NOTÍCIAS do que acontece lá fora? Será que nascemos no Paraíso e, depois de alguns anos de existência tomamos conhecimento do Inferno, ou foi só porque aprendemos a ler e escrever, e assim, tomamos conhecimento do Mundo Cruel que nos parecia tão distante na infância? Ninguém ainda criou um aparelho ou método para medir conhecimento, mas no mundo em que vivemos, não me surpreenderia se ele se chamasse “estressômetro”. Não me interpretem mal! Sou daquele time que prefere ser um consciente sofredor do que um ignorante em êxtase! Mas só o que quero me permitir nesse modesto discurso, é questionar se toda essa nossa preocupação é realmente relevante. Nesse nosso universo tecnológico, não me lembro de ter visto estatísticas proporcionais a quantos crimes aconteciam na Idade da Pedra, por exemplo, em comparação aos nossos dias. Quantos jovens, quantos velhos, quantos de doenças...Quem tem um mínimo de escolaridade, e estudou um pouco de história, sabe quantas guerras, invasões, quantos processos de libertação e submissão estão escritos à ferro e fogo nas veias da nossa ancestralidade. Quantos crimes, tantas injustiças... Aos que estão assustados, nessa altura do texto, peço licença pra dizer que essa é uma mensagem otimista. Por que eu só queria dizer que nós não somos piores do que os outros, do passado...talvez sejamos, apenas, e proporcionalmente, iguais. O que faz a diferença na história, e na nossa HISTÓRIA, e que hoje a população é muito maior...os mal feitos proporcionalmente maiores, e a IMPRENSA, infinitamente mais abrangente...nos dando informação, quase na mesma hora em que acontecem, os eventos sensacionalistas, como o impacto da destruição das TORRES GEMEAS exatamente na hora em que acontecem... Sou apaixonada pela minha profissão, sou jornalista 24 horas por dia (quem me conhece sabe que trabalho noite adentro, mesmo quando estou dormindo), mas me permito ser tão crítica quanto possível dos seus efeitos. Será que vale a pena sermos tão infelizes na esteira das notícias que lemos diáriamente? Quanta culpa, exatamente, nos cabe pelos fatos que conhecemos? E o que é mais crucial: Até que ponto poderíamos interferir e mudar esses fatos, para que o mundo fosse menos desigual, mais de acordo com aquilo que (será que todos nós?) queremos? A verdade é que não canso de me surpreender com a força da comunicação...e com que até que ponto o conhecimento e a ignorância dessa força pode ser decisiva para o sucesso e o fracasso de cada um de nós, de cada uma das nossas idéias, planos, projetos...Uma força que, como tudo o mais nessa vida, pode ser usada para o bem ou para o mal. Desde até quando o nosso conhecimento avança, temos que admitir que a violência sempre existiu, no rastro da luta pela sobrevivência. E de lá pra cá, só vem avançando, na esteira da multiplicidade de motivações, sejam o poder, os ciúmes, a ganância...sei lá quantos motivos mais. Eu, pessoalmente, sempre tive grande dificuldade em admitir a agressividade da natureza humana, mas já li demais sobre história e hoje, confesso, tenho que me render às evidências. Somos bárbaros...e chegamos até onde chegamos nessa nossa chamada CIVILIZAÇÃO, à custa de muita submissão, destruição, egoísmo e crueldade. Temos o hábito de associar o conceito de “humanidade” ao ato de fazer o bem, mas não creio que possamos chamar a atitude inversa de “desumana”, porque a maldade também é, como a bondade, intrinsecamente humana. Não há como buscar a compreensão do que é o “ser humano” sem considerar que somos a soma dessas duas forças. O próprio conceito de “seleção natural” de Darwin, abrangendo todos os aspectos da vida, implica nessa violência intrínseca da natureza. Porque fazemos parte da cadeia alimentar, e é ilusão pensar que só por sermos “seres humanos” estamos na ponta mais privilegiada dela. Dentro do nosso universo “humano” também somos explorados, submetidos e consumidos, nessa espécie de antropofagia social em que vivemos. Nossos artistas da Semana de Arte Moderna de 22 sabiam bem do que estavam falando... Então, por que é que vivemos perdidos nessa paranóia, nessa sensação de culpa, em que até um avião que cai do outro lado do mundo, e faz não sei quantas vítimas, nos faz sofrer tanto. Um adolescente que é vítima de uma bala perdida nos abala tanto...e por outro lado, tantos milhões de pessoas sofrem com guerras, perseguições, condições de vida sub-humanas, e nós não estamos nem aí...Padecemos talvez da Síndrome de Excesso de Informações, pela quantidade de notícias que invade o nosso mundinho particular com tal impacto que deforma a nossa visão do conjunto. Temos a tendência de achar que o mundo de hoje é um pouco pior que o mundo de ontem...porque cada vez somos melhor informados das piores coisas que acontecem. Temos medo da morte, temos medo do fim...e por isso, talvez, procuremos àvidamente as notícias que a esses nossos medos estão associadas. Não tenho meios de fazer um ranking do noticiário, mas me atreveria a dar um palpite: 90% é de más notícias, não mais do que dez por cento de notícias positivas, comentários edificantes, elogios ao comportamento daqueles que ainda não perderam as esperanças, e continuam, contra todas as perspectivas, a fazer qualquer coisa honesta, desprendida, generosa. Na Aldeia Global em que vivemos, somos reféns do conhecimento e da informação, e nosso índice de felicidade talvez esteja estreitamente associado à quantidade e qualidade daquilo que nos é dado saber a cada dia. Não vou dizer que o cidadão que não lê jornal, mas que tem uma conta pra pagar e não tem os recursos necessários, seja uma pessoa necessáriamente feliz...mas ele continuará a gerar seus filhos, sem pensar que nas próximas décadas seus descendentes poderão ter que lutar por água e comida, como nossos antepassados da Idade da Pedra. Como disse no início, essa é uma mensagem de otimismo. Só pretendo chamar a atenção dos amigos e eventuais leitores, para o fato de que notícias e informações são dados relativos, como tudo na vida. Abdicar de um certo sofrimento também seria abdicar de uma certa sensibilidade, e da grande responsabilidade que, afinal, cada um de nós tem, diante desse mundo. Mas, entregar-se ao desespero e pessimismo também não adianta nada...Lutar, reagir, é necessário, ainda que essa reação seja apenas à níveis psíquico e mental. Precisamos apenas não perder o foco de que, se não podemos fazer muito pra mudar a nossa realidade, pelo menos podemos interferir nessa realidade buscando dar, promover, materializar, o que há de melhor em cada um de nós. A Aldeia Global pode estar se tornando um mundo árido, mas ele ainda tem muitas possibilidades a oferecer. Podemos plantar árvores e flores, podemos escrever livros ou simplesmente “botar a boca no mundo” emitindo nossa opinião; podemos gerar filhos, e abençoar a vida dos netos, se ainda tivermos energia suficiente pra fazer “aquilo no que acreditamos”. Acreditar em nós mesmos, e produzir aquilo que poderia ser potencialmente uma “boa notícia”, já é um começo. Mesmo que saibamos que ela difícilmente será publicada. Não quero renegar minha profissão, ao contrário acredito que a informação é cada vez mais fundamental na nossa vida. Exatamente por isso é que acho importante que cada um tenha consciência de que não basta fazer coisas boas e legais, é importante também divulga-las, mostra-las ao mundo, não ter o medo de dar um bom exemplo. Porque os maus exemplos são abundantes, e se quisermos mesmo mudar alguma coisa, vamos ter que “correr atrás”, e correr muito...ainda que com o risco de sermos antipáticos, desagradáveis e chatos...muito chatos. Defender idéias como aquelas relativas à melhoria da educação, da cultura, do meio ambiente, é um caminho bastante difícil e ingrato. São questões que dependem da disposição e coragem de cada um, e de cada um na sua medida. É preciso ter em mente de que o pouco que fizermos pra mudar não será tão pouco assim, se somarmos o pouco que cada um pode fazer. A Aldeia Global tem seus problemas, mas não podemos abdicar do papel que cada um de nós pode ter nela. Boas atitudes e informações positivas podem, sim, fazer uma grande diferença. E quanto mais, melhor...É o caso de acreditar no que somos e no que fazemos. De acreditar no que fazemos...tanto, e com tal fé... a ponto de materializar aquilo que queremos e com que sonhamos: um mundo melhor... Bem, amigos, entre filosofia e poesia, me despeço...vou deixar o mergulho na filosofia de MacLuhan para uma próxima oportunidade...
grande abraço, Célia Borges

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